Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Livre de Espírito

“A força de um Homem não está em seu corpo. A força de um Homem reside na alma”.


Percorria diversas escolas de Curitiba no domingo como delegado de um partido político. Eu estava acompanhado de um grande amigo, o advogado Marcelo Veneri. Juntos, estávamos incumbidos de coibir boca de urna ou qualquer outro problema que atrapalhasse a eleição presidencial. Havíamos passado por mais de vinte escolas na 3ª zonal de Curitiba. Tudo estava muito tranquilo. Sequer nos incomodava o batalhão de gente como fiscais e delegados da campanha adversária. Na verdade, a maioria estava sem ânimo para aquela tarefa. Muitos confidenciavam que a sua presença nos locais de votação se devia ao convite patronal para participar do jogo político. Era, portanto, ato de cidadania e não desvio de função. Mesmo porque o corpo estava ali, mas a mente só devia pensar no Feriado de Finados ensolarado que se perdia...

Éramos solidários a esta fúnebre celebração. Afinal, a eleição, a nosso ver, estava liquidada. Tanto que a estimativa de abstenção gerava em torno dos 25%. Eram os eleitores do candidato adversário (e alguns nossos) ou os votos nulos daqueles aquém do processo eleitoral que se depositavam na beira da praia, no copo de cerveja e na porçãozinha de camarão. Enfim, suas almas só tinham força para evadir-se do purgatório que é exercer a cidadania.
Mas, diz o Buda, a calma não existe sem a confusão. E o tumulto, que é alimentado pelo boato, ocorreu em uma escola. Marcelo e eu fomos chamados para apurar denúncia de boca de urna. Partimos para o colégio estranhando a solicitação, tendo em vista que aquele local visitado anteriormente por nós estava muito sossegado. E, chegando lá, constatamos o alarme falso. O colégio tinha menos fiscais deles à tarde do que no período da manhã. Foram dispensados da fatiga que é vigiar coisa nenhuma. Sobrando a nós só ter dó dos mesários, presentes em corpo, ausentes de espírito. Pobres almas, incumbidos a trabalhar para quem? Talvez para a senhora que conhecemos quando íamos embora do colégio. Dona Maria Oliveira Kimos, de 75 anos. A encontramos quase em prantos e visivelmente com o espírito cívico ferido. O fogo que apagava a sua chama cidadã era uma escada de pelo menos quarenta degraus. E ela, surda, cega de um olho e com grandes problemas de locomoção, era impedida pelas forças do destino (também conhecidas como falta de investimento público) de chegar até a urna. Aquela cena comoveu-nos.
Perguntei:
- “Não será mais esse obstáculo que se interporá no desejo da anciã de eleger a primeira mulher presidente”?
- Claro que não – respondeu Marcelo. Quando a alma é grande, ela erradia solidariedade e consegue forças e cooperações para além de sua capacidade.
- Se não move o mundo, pelo menos chega à urna amparada - observei.
- E, com as frágeis forças de seu dedinho - aponta Marcelo -, digita dois números para confirmar que ‘A força de uma Mulher não está em seu corpo, mas na pujança que reside em sua alma’.

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