Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Palavra empenhada


Noutro dia, no café em frente à loja que dirigia, a moça, ainda constrangida, narrava o fato à amiga:


- Que vergonha!


Eram dois rapazes que no dia anterior ocupavam aquela mesma mesinha. Tomavam café acompanhado de tortette de limão. Estavam descontraídos e observadores demais para uma quinta-feira à tarde. “Só podiam estar ali para me paquerar”, julgava, cativada que estava por serem bem afeiçoados. “Barbas feitas, camisas nos braços dobradas e sapatos de bico fino marrom”, detalhava. Apenas o cabelo os diferenciava: um cacheado e o outro calvo. Mesmo assim, havia um requisito que os unia: era o olhar para ela: poderia escolher!


- Que constrangimento!


Um pouco antes dos dois, ela tinha recebido outro pretendente fora da boutique. Logo ali a dois metros do café. Estava arrependida por ter lhe dado um beijo na balada. Mais do que isso: culpada de ter lhe dado o número do telefone e mencionado onde era seu local de trabalho. Consequências do álcool. Evitá-lo por causa do telefone seria fácil. Depois de registrada a primeira ligação, bastava não atender mais o celular ao ver o número indesejado. Foi o que fez até aquela quinta. Mas o infeliz, insistente, foi à loja sem consultá-la.

- Que burra!

Os rapazes repararam quando ela acendeu o cigarro. “Foi no momento seguinte em que o cara tentou abraçar minha cintura”, mostrou à amiga. O namoradinho se esforçava elogiando o curto vestido que combinava com os sapatos verdes. Mas seu empenho foi apagado por tragadas de impaciência. “Soprei fumaça de cigarro naquelas cantadas baratas”, bafejou outra vez. Ela queria mesmo era tragar seu intervalo com algum dos outros dois galantes. Como apagaria o ímpeto daquele maçante pretendente?

- Que repulsa!

Quando supôs que poderia retornar a loja, despistando o aspirante, teve a mão tomada e, sem tempo que a rejeição no rosto dela fosse percebida, que seu corpo se encolhesse por completo ou que o braço escapasse do babão, ela teve os dedos beijados. Replay: teve sua mão beijada. Tal cena inundou lhe de vergonha, constrangimento, repulsa e sensação de estupidez. Só coube-lhe despachar o galanteador e perder, consequentemente, os outros dois aspirantes: “Mulher nenhuma pode retirar a mão beijada”, expressou um. “Fazendo assim, ela demonstra que quer do romance mai$ do que a palavra empenhada”, filtrou o outro.

- Acho que tem uma possibilidade.

No outro dia, na ausência daqueles três, ela pensava se não era o caso de ligar para o moço que fez a entrevista de emprego no final do dia. “Eu tinha prometido dar a resposta positiva ou negativa sobre a vaga”, recordou aflita. E, desta vez, não seria para contratá-lo...

__________

@manoloramires


bloginparana.wordpress.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário