Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Não use seu vício como muleta



Deve ter entupido as veias. Sobe com dificuldade no ônibus. São as veias. Chuto que é trombose. Tem até que se escorar nas muletas. Passos sofridos. “Pobre homem”, pensa a mulher que o vê marchando em sua direção. Ele está ofegante. Respira fundo e pede pra mudar de lugar. Parece que deseja ficar próximo à porta. Ela nem reflete, troca. Pobre homem. De perto, a perna aparenta estar bem inchada. Ela repara. “Muita bebida”, diz ele que sequer foi perguntado. “Bebida e cigarro”. Pobre mulher: quem manda dar atenção. Agora aguenta. “Dois anos” – vai informando – “entupindo as veias”. Aproveita, homem, e conta que retorna da Santa Casa. “A mulher me mandou embora, não aguentou mais”, destaca a criatura. Pobre das mulheres. Ele diz que não tem pra onde ir. Tampouco assunto diversificado. Tanto que consegue contar toda vida no trajeto de três pontos. No segundo ela perde o interesse nele. Muito repetitivo: “Dois anos de bebida e cigarro”. Já deu, né. Ninguém mais presta atenção nele ou em suas veias inchadas. Percorrem-se outros dois pontos. O trânsito lento do fim de tarde e os semáforos fechados do dia a dia demonstram estarem com suas veias entupidas também. Por isso, quase ninguém vê as muletas descerem. A mulher pensa: “Dois anos... todos os dias”. Não se esqueça: entupindo as veias. Ele saltita até a entrada do bar enquanto o ônibus parte. Senta e descansa a perna. Malditas muletas...

Manolo Ramires – Crônicas Curitibanas

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Village Viuvez

O prédio das viúvas fica lá pro Centro Cívico – Curitiba. Esse prédio abriga algumas senhoras de avançada idade. O que é por si só um motivo para não terem maridos. Outras até têm fisionomia de senhoritas e são mais jovens. Mesmo assim, estão sem companheiros. São ex-esposas de militares. Ex-mulheres de bancários, jornalistas, funcionários públicos e até, mal dizem, dum operário.
Que habitação incrível! Um prédio só para viúvas. Tudo bem que não é um edifício com trinta e tantos andares. Têm lá seus vinte apartamentos. Todos ocupados por esposas viúvas da silva. Até mesmo os três imóveis alugados são habitados por mulheres cujos maridos faleceram. Entende-se, portanto, que ali mulher desquitada não reside. E se há uma exceção no local, é o porteiro: casado e com netos. Mas nem ele ou tampouco sua esposa moram no prédio.
Sei bem. Você que lê esta crônica está a pensar: “é literatura fantástica! é invencionice desembestada! esse cara fumou alguma coisa! Agora vai dizer que o prédio das viúvas tem paredes roxas com faixas negras. Melhor, que o local serve de fachada para um grande bingo ou qualquer outra barbaridade”. Mas peço um voto de confiança ao meu relato. É verídico! Só não revelo o local exato por prudência. Imagine quanta gente ia querer tirar proveito dessas mulheres. Bater-lhe-iam as portas agências de turismo ou de crédito consignado, empresas de seguro ou vendedores personalite de remédios. Com má sorte, estelionatários e políticos pedindo votos ou número do RG para contratar seus mortos maridos. Todavia, te asseguro que o prédio e as viúvas existem. Quem me confidenciou foi um recenseador do IBGE. Ele até narrou alguns problemas que elas enfrentam. Cito dois para legitimar essa crônica: a falta de hospitais e de ambientes propícios de lazer.
São os casos de Dona Margarida e Dona Magnólia. Nomes inventados. Mas só desta vez. O que não é mentira é que Dona Margarida é superatleta amadora com apoio da Secretaria Municipal de Saúde. É ícone! Ela começa pela caminha de 250 metros até o ponto de ônibus mais próximo. Local que sequer tem cobertura. Depois de praticar essa modalidade aos 73 anos, carregando consigo sua asma, ela exercita a yoga ao esperar o ônibus em média 30 minutos. Seu transporte nunca passa no horário e, quando passa, não possui acesso facilitado. Vencidas as etapas da caminhada e da espera no ponto, Dona Margarida, contando com o incentivo das pessoas, se equilibra em pé no micro-ônibus para ir à Unidade de Saúde de outro bairro. Lá se foram mais 20 e tantos minutos. E chega ao Posto feliz da vida por se consultar com o gerentologista uma vez por bimestre e poder pegar o remédio popular que poderia ser entregue em sua casa, caso houvesse um programa delivery de assistência à saúde. Realmente, como apurou o amigo do IBGE, Dona Maga pratica um novo esse esporte no país. É o idosotona!
Já Dona Magnólia é mais inconformada com a situação geral. Ocorre que ela tem frequentado os bailes da Melhor Idade e têm notado que as senhoras viúvas de outros bairros estão em melhores forma física do que ela. As mulheres dançam, paqueram e se divertem como se tivessem uns cinquenta aninhos. A razão da longevidade “das rivais” deixa ranzinza Dona Magnólia. Acontece que no bairro delas existem academias ao ar livre, mas no Centro Cívico, perto do prédio das viúvas, não. Por isso, dona Margo espera que o levantamento do IBGE seja utilizado pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer como fonte de dados para que uma academia pública seja construída em seu bairro. Ai sim, ela poderá competir na categoria pé de valsa do concurso que é promovido secretamente pelo prédio das viúvas.Enquanto isso não ocorre, muitas outras historinhas poderiam se contadas sobre o prédio e suas moradoras. Mas nem a minha criatividade para embustes nem o dedo duro do recenseador nos sentimos no direito de revelar tais enigmas. Cabe, portanto, a você procurar entre o Palácio do Governo, Museu do Oscarito, Bosque do Papa, entre outros, onde fica o prédio e, quem sabe, se candidatar a marido ou a tutora...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Palavra empenhada


Noutro dia, no café em frente à loja que dirigia, a moça, ainda constrangida, narrava o fato à amiga:


- Que vergonha!


Eram dois rapazes que no dia anterior ocupavam aquela mesma mesinha. Tomavam café acompanhado de tortette de limão. Estavam descontraídos e observadores demais para uma quinta-feira à tarde. “Só podiam estar ali para me paquerar”, julgava, cativada que estava por serem bem afeiçoados. “Barbas feitas, camisas nos braços dobradas e sapatos de bico fino marrom”, detalhava. Apenas o cabelo os diferenciava: um cacheado e o outro calvo. Mesmo assim, havia um requisito que os unia: era o olhar para ela: poderia escolher!


- Que constrangimento!


Um pouco antes dos dois, ela tinha recebido outro pretendente fora da boutique. Logo ali a dois metros do café. Estava arrependida por ter lhe dado um beijo na balada. Mais do que isso: culpada de ter lhe dado o número do telefone e mencionado onde era seu local de trabalho. Consequências do álcool. Evitá-lo por causa do telefone seria fácil. Depois de registrada a primeira ligação, bastava não atender mais o celular ao ver o número indesejado. Foi o que fez até aquela quinta. Mas o infeliz, insistente, foi à loja sem consultá-la.

- Que burra!

Os rapazes repararam quando ela acendeu o cigarro. “Foi no momento seguinte em que o cara tentou abraçar minha cintura”, mostrou à amiga. O namoradinho se esforçava elogiando o curto vestido que combinava com os sapatos verdes. Mas seu empenho foi apagado por tragadas de impaciência. “Soprei fumaça de cigarro naquelas cantadas baratas”, bafejou outra vez. Ela queria mesmo era tragar seu intervalo com algum dos outros dois galantes. Como apagaria o ímpeto daquele maçante pretendente?

- Que repulsa!

Quando supôs que poderia retornar a loja, despistando o aspirante, teve a mão tomada e, sem tempo que a rejeição no rosto dela fosse percebida, que seu corpo se encolhesse por completo ou que o braço escapasse do babão, ela teve os dedos beijados. Replay: teve sua mão beijada. Tal cena inundou lhe de vergonha, constrangimento, repulsa e sensação de estupidez. Só coube-lhe despachar o galanteador e perder, consequentemente, os outros dois aspirantes: “Mulher nenhuma pode retirar a mão beijada”, expressou um. “Fazendo assim, ela demonstra que quer do romance mai$ do que a palavra empenhada”, filtrou o outro.

- Acho que tem uma possibilidade.

No outro dia, na ausência daqueles três, ela pensava se não era o caso de ligar para o moço que fez a entrevista de emprego no final do dia. “Eu tinha prometido dar a resposta positiva ou negativa sobre a vaga”, recordou aflita. E, desta vez, não seria para contratá-lo...

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@manoloramires


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domingo, 7 de novembro de 2010

A Fuga das Palavras.

E as palavras fugiram por uma porta mágica. Palavras. Palavras. Palavras. Metáforas, anáforas. Palavras ambíguas, elípticas ou quadradas. Palavras equívocas, fugazes, espontâneas. Tristes, vivazes. Palavras livres, soltas, coloridas. Palavras iluminadas, iluminantes. Com o brilho das estrelas. Alegres. Emocionadas. Com tons musicais. As vezes magoadas. Escritas com ódio, com amor, com saudade. Macias, violáceas. Doloridas, amenas, púrpuras, cantadas, encantadas, dançantes. Críticas. Cacofônicas irritando. Irônicas. Tiranas. Risonhas. Gargalhantes. Em lágrimas. Estou com muita vontade de poder alcançá-las. De ouvi-las gritar. Ou de ouvi-las sussurrar de um jeito morno... Duras. Suaves. Doces. Serenas. Amigas. Palavras, por favor não fujam para tão longe, pois assim não consigo escrever...

Ceres

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Livre de Espírito

“A força de um Homem não está em seu corpo. A força de um Homem reside na alma”.


Percorria diversas escolas de Curitiba no domingo como delegado de um partido político. Eu estava acompanhado de um grande amigo, o advogado Marcelo Veneri. Juntos, estávamos incumbidos de coibir boca de urna ou qualquer outro problema que atrapalhasse a eleição presidencial. Havíamos passado por mais de vinte escolas na 3ª zonal de Curitiba. Tudo estava muito tranquilo. Sequer nos incomodava o batalhão de gente como fiscais e delegados da campanha adversária. Na verdade, a maioria estava sem ânimo para aquela tarefa. Muitos confidenciavam que a sua presença nos locais de votação se devia ao convite patronal para participar do jogo político. Era, portanto, ato de cidadania e não desvio de função. Mesmo porque o corpo estava ali, mas a mente só devia pensar no Feriado de Finados ensolarado que se perdia...

Éramos solidários a esta fúnebre celebração. Afinal, a eleição, a nosso ver, estava liquidada. Tanto que a estimativa de abstenção gerava em torno dos 25%. Eram os eleitores do candidato adversário (e alguns nossos) ou os votos nulos daqueles aquém do processo eleitoral que se depositavam na beira da praia, no copo de cerveja e na porçãozinha de camarão. Enfim, suas almas só tinham força para evadir-se do purgatório que é exercer a cidadania.
Mas, diz o Buda, a calma não existe sem a confusão. E o tumulto, que é alimentado pelo boato, ocorreu em uma escola. Marcelo e eu fomos chamados para apurar denúncia de boca de urna. Partimos para o colégio estranhando a solicitação, tendo em vista que aquele local visitado anteriormente por nós estava muito sossegado. E, chegando lá, constatamos o alarme falso. O colégio tinha menos fiscais deles à tarde do que no período da manhã. Foram dispensados da fatiga que é vigiar coisa nenhuma. Sobrando a nós só ter dó dos mesários, presentes em corpo, ausentes de espírito. Pobres almas, incumbidos a trabalhar para quem? Talvez para a senhora que conhecemos quando íamos embora do colégio. Dona Maria Oliveira Kimos, de 75 anos. A encontramos quase em prantos e visivelmente com o espírito cívico ferido. O fogo que apagava a sua chama cidadã era uma escada de pelo menos quarenta degraus. E ela, surda, cega de um olho e com grandes problemas de locomoção, era impedida pelas forças do destino (também conhecidas como falta de investimento público) de chegar até a urna. Aquela cena comoveu-nos.
Perguntei:
- “Não será mais esse obstáculo que se interporá no desejo da anciã de eleger a primeira mulher presidente”?
- Claro que não – respondeu Marcelo. Quando a alma é grande, ela erradia solidariedade e consegue forças e cooperações para além de sua capacidade.
- Se não move o mundo, pelo menos chega à urna amparada - observei.
- E, com as frágeis forças de seu dedinho - aponta Marcelo -, digita dois números para confirmar que ‘A força de uma Mulher não está em seu corpo, mas na pujança que reside em sua alma’.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Vem Brincar Comigo...

Um sono profundo apaga seu olhar e imobiliza seus movimentos. Parece sonhar esboçando um sorriso. Não consigo me afastar; quero estar bem perto admirando a serenidade que toma conta do seu adormecer. E como você fica lindo assim inerte!

Uma paz infinita invade o ambiente. O silêncio compactua com esse momento, porém não de forma tranquila. Sussurros discretos ao redor desconstroem todo o sossego. Por que não calam essas vozes murmurantes? São irritantes. Quero é gritar seu nome e lhe mostrar no espelho o seu rosto angelical. Como está bonito com essa roupa nova, camisa azul celeste da cor que sempre gostou.

Mas é apenas o final da tarde o sol ainda não se foi. Tão cedo ainda, por que você já dorme? Acorda! Vamos ver o sol caindo por detrás do mundo e dourando as nuvens em forma de leão... Acorda e vem brincar comigo! Não vou mais mexer na sua coleção de carrinhos, e você tem que conhecer Lili, minha última boneca... Ah já sei! É a sua caminha nova, toda coberta com flores cheirosas e aquecidas com as luzes dessas lindas velas. Deve ser macia e lhe fazer feliz... Sua face expressa tanta alegria; depois quero saber tudo o que sonhou.

Agora um sino tange e todos se aproximam. Parece que desejam levá-lo para outro lugar... Vem um adulto, me toma nos braços e afasta-se comigo. Mas eu queria tanto ficar só mais um pouquinho perto de você. A noite nem chegou; ainda tem alguns raios de sol brilhando nesse fim de dia.

Prometo que amanhã, eu fujo e volto. Sem ninguém perceber vou acordá-lo, e nós vamos correr bem longe; lá naquele campo com gramado verde...

Ceres.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

COMO SE CHAMA?

Não sei exatamente o que é. Impossível conhecer com profundidade, pois sendo única manifesta-se de formas completamente diferentes. Diria que não é bipolar e sim multipolar. Queria ter a capacidade de entender essa energia forte, intensa, quente, feroz e ao mesmo tempo sublime, altruísta e acolhedora. Penso que todo o ser vivo nasce com esse potencial. Infelizmente em nome desse sentimento e por compreende-lo de forma equivocada as pessoas fazem as maiores loucuras.

Essa idéia parece não fazer sentido, pois sugere forças antagônicas. Mas acredito que tais atitudes loucas, são maneiras distorcidas e psicopatas da manifestação dessa energia, que ao brotar em alguns, os induzem torná-la a defesa de uma causa e transformar um outro nessa causa. Assim aprisionam e tornan-se prisioneiros, e muitas vezes numa explosão de ciúme, comentem os chamados crimes passionais. Tudo em nome dessa mesma energia.

Essa mesma energia, faz com que cada ser tenha forças para viver, e levante-se a cada manhã em busca do pão de cada dia, para suprir as necessidades daqueles que protegem. E esse movimento move o mundo no sentido econômico se o colocarmos numa macro dimensão elevado a uma enésima potencia.

É essa mesma energia que embeleza, liberta, provoca sorrisos e lágrimas tornando a vida mais doce, mais amena. É essa mesma energia da abnegação, do estender da mão, da solidariedade. É essa mesma energia do coração acelerado; da respiração ofegante; do brilho no olhar; das juras eternas; da espera; do encontro; dos lábios que se buscam e unem-se. É essa mesma energia que promove a famosa e nobre vitória do mais esperto espermatozoide chegando em primeiro lugar no disputado óvulo.

É essa mesma energia que faz cada flor exalar um perfume, e vestir macios tons coloridos tentando atrair insetos que disseminem seus pólens perpetuando suas espécies. É essa mesma energia que provoca o cio da terra e dos animais.

Como considerá-la mortal se a cada dia se renova em algum lugar? Quem já a sentiu jamais esquece sua força imensa, mesmo que o tempo passe e ela enfraqueça. Pode até renascer com mais vigor, de uma nova maneira, por outro alguém num outro além, mas certamente essa mesma energia permanece até o infinito. E é infinita porque impregna-se na memória, pois pode-se mudar constantemente, mas esquecer jamais...

Não estou conseguindo lembrar o nome dessa seiva tão poderosa. Você pode me ajudar? Só sei que é a mesma energia que emerge no seu coração, quando a noite você olha seu pequeno filho no leito, com as faces coradas, entregue ao sono dos justos, depois de aprontar todas as travessuras durante o dia. Como se chama mesmo essa energia? É a mesma energia que...

Ceres.

Celulares em Cana

CELULARES EM CANA!



Depois dizem que o Brasil é o país da piada pronta. Ou que os brasileiros não levam algumas leis a sério. Quiçá, todas. Também pudera, nossos legisladores muitas vezes são uns fanfarrões. E nem precisam colocar peruca e bigodinho tal qual o palhaço Tiririca. Bastam fazer patifarias nas Câmaras e Assembleias. Coisas como a lei que proíbe a utilização de celulares dentro de agências bancárias. Querem evitar o crime “saidinha de banco” punindo a população. Talvez, esses doutos legisladores preferem que, na Era da Web 2.0, em que Orkut, Facebook, Twitter e outras engenhocas são atualizados por cliques no aparelho celular, as pessoas fiquem na fila a fazer palavras cruzadas enquanto esperam serem chamadas pelo caixa. Quem sabe uma partidinha de dominó? Até se joga. Na ponta do celular com tela touchscreen ou quebrando a cabeça com Sodoku.


Ocorre que a lei não “deu liga” em Curitiba. Constatei isso em uma agência bancária, logo após atender a ligação de um amigo sem me dar conta de que eu poderia ser preso ou convidado a me retirar do recinto. Afinal, eu era reincidente. Havia cometido a infração outras três vezes em cinco minutos ao ligar para minha noiva, depois receber ligação dela e, por fim, ler a mensagem que havia solicitado. Sentia-me um criminoso contumaz. Teimoso, mas não burro. Pois levaria para o xadrez comigo a moça que falava desinibida à frente e o rapaz que falava baixinho um pouco para trás. Também arrastaria comigo a mocinha que ouvia música e balançava a cabeça e o homem que tinha o queixo quase que enfiado no peito para fixar a atenção num game que não consegui identificar. Era, realmente, um bando, uma quadrilha a agir livremente sem sinal de incomodo dos outros clientes, funcionários ou vigilantes.


E se crime pouco não basta, dei-me licença para cometer mais duas sortidas infrações. A primeira foi ler a mensagem de minha noiva com o número de sua conta bem na frente do caixa. Nada fez. Nem um teco de espanto. A segunda proeza foi tirar uma foto do local com meu celular só para ilustrar esta crônica. Fui à forra! Porque em cana ninguém me leva. Sei que lá os celulares também são liberados...
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Manolo Ramires
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domingo, 24 de outubro de 2010

...E TERNA, MENTE ETERNAMENTE

Lembro-me como se tudo tivesse acontecido amanhã. Era um belo dia estrelado e enfeitado pela lua cheia de ser lua. O mês se não me engano era abritubro, mas o dia era trinta de fevereiro de algum ano qualquer. Você vinha, eu ia e nos encontramos na esquina da rua inexistente, naquela chuva copiosa, com o sol escaldante na escuridão da noite.
O outono cobria tudo com flores frescas e refesteladas. Nossas pupilas encontraram-se e brilharam muito. Quase incendiaram o planeta. Então você me disse com a ternura de um eterno embriagado: -Enfim encontrei a musa que sempre procurei! Estonteada de felicidade, pois um pouco antes também havia ingerido vários copos do néctar dos deuses respondi: - Parece um sonho - esfregando os olhos continuei. - Saí em busca do meu horizonte e encontrei você, na vertical bem na minha frente! Depois de um longo e ardente beijo, de mãos dadas caminhamos em direção ao nada, pois nada mais importava além dos nossos dedos entrelaçados e de nossos corações descompensados. E assim começamos correr, correr, correr e quando percebemos já não corríamos, mas voávamos. -Para onde voamos? Perguntei.
-Voamos até o infinito elevado a enésima potencia do absoluto absurdo!
-Não entendi nada, mas vou para onde você me levar... Conhece o caminho?
-Nenhum caminho. Mas pare de falar e sinta o aroma inebriante do silêncio. Ouça o brilho das estrelas que já se apagaram. Veja o colorido som dos crocodilos.
-Mal nos conhecemos e você já me manda calar a boca?
-As mulheres falam demais. É por isso que toda a magia infinita é tão efêmera, e aquilo que penso sentir, se é que penso, pois nem sei se existo evapora-se de repente. É um sentimento frágil e tem vida breve, como chamam a chama.
- Hahaha! Quero só ver você encontrar outra aqui nessas alturas. Se bem que isso tudo está tão louco, que você pode até achar outra aqui nessas alturas, mas não que esteja á minha altura...
- Mulheres... Todas loucas.
-Pode ser, mas não é bom uma loucura?
-Mas as loucuras são imortais. Portanto, temos que tomar cuidado...
-Mudou a prosa agora? Mas que barulho é esse?
-Meu celular. Temos que voltar, pois esqueci que estava indo para a cerimônia do meu casamento quando nos encontramos. Minha ex noiva, gravidíssima, já está na maternidade com meus três pimpolhos no ventre. Eles estão nascendo. Mas ante... Preciso conversar com aquela anjinha de asinhas douradas que está sentadinha naquela nuvem. Talvez ela aceite aterrissar com a gente...
Ceres.

sábado, 23 de outubro de 2010

Aquele amor meu e de Vinícius de Moraes (Opus 23)

Aquele amor, na realidade, naufraga em lágrimas quando deixado e bóia nas lembranças pedindo socorro – aquele amor.
Aquele amor, quando vem com os olhos e beijos cheios de adeus, é a indiferença que foi à causa. Mas ainda se escuta o som da blusa decotada, o silêncio do sexo ardendo. O amar em excesso nos torna amantes de nós mesmos, e certo dia somos seduzidos. Pouco a pouco tudo se converte em um. Nada de par naquele amor, só outro para alimentar a razão.
Aquele amor não é único, sofre mutações quando encontrado, então se desapegue da forma e viva o que existe, goze naquele amor.
Aquele amor, mister é uma mulher só com lágrimas; pois ser com muitas, poxa! É de facada... – vão te cobrar pedágio.
Aquele amor, na forma de nove, é infinito enquanto dura. Fidelidade a prova, flores na tarde morna – aquele amor.
Aquele amor, exige tomar vinho também (com uma enochata não se arrisque!) e ser decantado entre seus lençóis – quer tudo sobre amor.
Aquele amor necessita de um cafajeste fiel, um sujeito único com muito amor – aquele amor.
Aquele amor ainda sai do peito, arde em lágrimas que marcam a face. Que perdoe assim a falta de amor – aquele amor.
Mas aquele amor agora necessita de outro homem para ser vivido o grande amor – aquele amor.

O bem que conhecemos (Opus 21)

Você sabe o bem, não é tão suportável quanto muito se ovaciona. Instala-se nas entranhas do viver por pura necessidade, ilusão. Possui uma força oculta, certo que de maldade.
Aquela bem que conhece fez de mim o melhor. Entornou-me, fez derramar do peito a emoção. Mas nenhum bem é duradouro, pois termina sempre na curva da maldade. Felicidade é o mal dos lúdicos e irônicos escritores, que geram mazelas que habitam os poros da bondade.
O bem só existe quando o mal te castiga, e a nostalgia é a maldade escondida em belos pensamentos, mata esperanças. Não existe, mas como é bom procurá-lo.
Passei uma segunda por causa dele, desparafusei as idéias. Quem me dera deixar de ser substantivo e tornar-me adjetivo. Ser alguém com o bem, não um muro de vergonha.
O bem e o amor não se impõem, acontece. O poder aquisitivo do bem fica a cada ano mais rarefeito, enquanto a emoção amadurece a fórceps. São diferentes níveis de amadurecimento que nos afasta de pessoas mesquinhas, feias de coração.
A verdade é que a visão distorce a realidade, e por momentos não somos capazes de sentir o bem. Quando se arma com a raiva afasta-se a razão, perde assim o bem que habita na alma.
A questão é que ainda sinto a placenta me envolvendo. Escuto verdades, mas o que me consola são as mentiras. Então, não tenha medo da realidade que te contorna, mas sim das sombras da falta do bem no interior.

Escrever crônica (Opus 21)

Escrever e não ler não dá o que comer dizia meu avô, e assim meio perverso busco falar ao interlocutor. Formas e detalhes característicos invadem a mão, e se desenha na mente no ato de escrever, mas basta o estalo e se pulveriza. Perco a idéia central, fujo da crônica
Deve saber que perfeição não existe, mas a linguagem por vezes trava pensamento.
Julgo ser persistente, mas o discurso que deve ser leve entorna na vírgula errada, no ponto mal acabado. O final épico sempre é desastroso.
Deve entender que ao criticar o escrito, que na maior parte das vezes é invenção, são tolices do cotidiano. O humor que se emprega pode ser emprestado de fotografias de Polaroid urbano.
Entendo que pode ficar bravo, e bravo fico se da crônica acabo em conto.
Crônica é esperança de todo escritor, que de tonto fica frouxo de desejo para escrever. Não tem forma, e é como o verão deve ser; leve e frutado. Não é bula de remédio, e se fosso remédio o seria para depressão, autismo.
Para ler deve ser fácil, mas é difícil de ser construído, imaginar. Vem de cesariana, parto pré-maturo e às vezes de combustão espontânea.
Escritores a amam, como os amores que se busca para viver, e que diga nosso amigo Vinícius de Moraes.
Ela não nasce em hospitais, mas sim das safadezas das esquinas da criação. É prazer, e sem o leitor não tem gozo.
Para outras formas de escritas até que tem receita, mas para a crônica não. Se aceita pela fé, não é ciência.
Crônica é uma mulher amando; um homem sem algo em que acreditar; tesão; um curitibano amando, curitibando; pegadinha; para seres de alma livre; um eterno amante; uma vida aberta para o desejo; uma brincadeira de criança; um exercício de felicidade.
Crônica é você leitor, que acabou de torná-la realidade.

Sobre o amor que não existe (Opus 20)

Caro amigo nem sempre somos felizes, pois felicidade é transitória. Em regime permanente somente a dúvida, e a dor que sinto corta-me o ar. A perda é sincera. O amor falso, dissimulado. Não acredite no amor, mas sim na dor; reta e fatal.
Não desejo ficar sem dor, quero vento ao rosto, viajar. Observar a arvore pela janela do carro, sonhar com um novo amor. Uma vida necessita de amor. Não quero desapontar você, mas necessito acreditar em algo para viver.
Desejo o presente da paixão, coração desgovernado. Quero a maciez dos cabelos, os beijos dela. Não permita que o tempo torne a vida árida, seca de alegria.
Um amor, uma vida e uma esperança perdida.
Amor e dor são irmãos de alma, inimigos de destino. Nunca se vive o suficiente para descantar a dor. Nunca sofremos o necessário para viver um grande amor.
Seu nome nunca se esquece, e será pronunciado pela última vez antes de morrer. Nas nuvens se deitará ao seu lado para poder aplacar a excitação desmedida da alma.
Um dia ainda se culpará pelo mal causado ao coração, mas a vida é cruel não aceita ser dividida. Compartilhar é possível, dividir não. Assim é o amor, que dure enquanto for infinito...
Tem dias que é melhor viver do que ser feliz.
Não degustarei mais meu vinho preferido, avinagrou. As lágrimas antes analisadas, hoje cortam o peito feito álcool na ferida exposta.
O rádio da alegria cessou, perdeu a estação da felicidade. A onda levou para o fundo, e não vejo a superfície, não vejo seu rosto.
Necessito oxigenar os olhos, passar um rodo nas lágrimas desobedientes. Voar pelos cantos esquecidos da lua, ignorar o sol do sorriso dela.
Necessito sim, de um beijo amigo para ignorar a verdade exposta em olhos afogados de desespero.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Suor (Opus 19)


Isolada o suor escorre frouxo pelas paredes; frio que se esvai pela natureza; pressão que asfixia a vontade; bolhas de pensamentos choram pela falta de liberdade; suor esfria escovado pelo vento; esbelta e formosa gera cede de frescor; suor que brilha pelo efeito da luz; luz covarde ataca, enfraquece; reflexos de cor vermelha, desejo; lampejos de vulgaridade, necessidade; suor banha o corpo tonto ao chegar; medo da exposição; rajadas de ar para provocar arrepio; gotas solitárias para se acariciar; não tem celulites, firme; bendita garrafa pet de framboesa que não se abre.

sábado, 16 de outubro de 2010

Situação de Emergência

No maior sufoco, morrendo de medo liguei para emergência, pois naquelas alturas do campeonato não havia outra saída. Certamente estaria segura, pois seria atendida pelos profissionais mais sérios e bem preparados da cidade.

Para meu alento, do outro lado da linha inicia uma suave musica clássica de fundo... Interminável... Enquanto uma voz eletrônica tranquila, pronunciava docemente: "procure manter a calma... Respire fundo... Tenha em mãos seu RG e CPF. Está certo que a situação é mesmo uma emergência? Calma... Você não está só... Vamos ajudá-lo..." E a odiosa, insuportável, torturante musica continuou por mais alguns segundos que para meu desespero pareciam horas. Finalmente alguém atendeu.

- Emergência! por favor diga seu nome e RG.
- Tem um ladrão entrando no quintal da minha casa!
- Seu nome e RG, senhora!
- Não lembro do RG. Só um pouco, pego já na bolsa - documento em mãos. Número murmurado com voz tremula. -Venham rápido estou com muito medo!
- Seu endereço... Pânico total. Endereço disparado como um raio.
- Tem certeza que se trata de um ladrão?
- Claro! Ele já pulou o muro e está dentro do quintal...
- Será que não se trata de uma brincadeira de algum amiguinho de seu filho?
- Não tenho filho, e se tivesse ele não teria amigo filho da puta para pular o muro!
- A Senhora está muito nervosa... Seu marido está em casa?
- Não!!!!
- Veja bem Senhora, estamos sem viatura no momento. Pela sua história parece ser só um ladrão de bugiganga ou de galinhas. Não deve ser violento. Com certeza ele não vai fazer nenhum outro mal, além de roubar algumas coisinhas do quintal. Só podemos atender emergências urgentes mesmo, tipo assassinatos ou assaltos.
- Moço, não tem bugiganga e muito menos galinhas no meu quintal! Estou vendo pela janela... Ele parece perigoso sim, e não está sozinho... Estão em dois e se aproximando de casa...
- Mantenha as portas fechadas. Fique calma. Ligue para algum vizinho, pois é nessas situações que a gente vê quem são os bons vizinhos mesmo. Como já expliquei para a Senhora, vou repetir e trepetir se for preciso: estamos sem viatura. Não temos como ir até aí.
- Não precisam mais vir moço! Tenho uma arma com silenciador em casa e enquanto o Senhor falava asneiras, matei os dois. Podem ficar tranquilos e amanhã vocês recolhem os corpos.

Menos de cinco minutos depois havia duas viaturas da policia em frente a minha casa, e vários policiais. Chegaram a tempo de prender os vagabundos em flagrante. Depois de desarmá-los e algemá-los, um dos homens sérios responsáveis pela segurança dos cidadãos de bem, perguntou solenemente com ar de repreensão: - A Senhora não disse que tinha matado os ladrões? Sabe as consequências de dar um alarme falso para autoridades?
- E o Senhores não tinham afirmado que estavam sem viatura?!!!

Ceres.

domingo, 10 de outubro de 2010

Frases Feitas e Desfeitas.

Saí para matar o tempo mas alguém já tinha feito o serviço. Então, desapontada chovi no molhado, naquele solo devastado pela águas abusivas, que invadiram a cidade no silêncio da noite que se vestia com o ar glacial.

Não encontrei a pessoa que estava colhendo a tempestade nascida do vento que um dia havia semeado, mas me dei conta de outros fatos sem importância que agora divido com você. Divido não, empurro pois são coisas insignificantes que não interessam a ninguém e de tão repetidas estão desgastadas.

Devemos sorrir sempre, a vida é bela. Olhe para as favelas. Olhe para as crianças famintas de todos os cuidados, paradas nos sinais. Tão abusadas e abusivas tentando roubar alguém. Perceba quanto ódio existe naqueles olhos infantis. Infantis aqueles olhos?! Veja na rua de cima as prostitutas ainda meninas que oferecem seus corpos em desenvolvimento. Um esperto lucra com esse doce comércio. Sim, a vida é bela, sorria! A esperança é a última que morre, pois você sempre perece antes. E a senhora esperança gargalha de sua fé dizendo num sussurro zombador: otário! Isso é clichê, quem espera nunca alcança.

O que vale é a beleza interior. Claro, desde que seja o interior de uma mansão decorada com quadros valiosíssimos, tapetes persas e lustres de cristais. Agora, se você for pobre, careca, baixinho, obeso e mal vestido o ditado não lhe cabe mesmo que o senhor seja genial e tenha uma alma generosa. A falta de dinheiro nunca traz felicidade. Nem pense em ser feliz com um salário mínimo, morando num subúrbio, cinco filhos em volta e um aluguel para pagar. As luzes? Já cortaram há muito tempo. Principalmente aquelas do final do túnel. A escuridão é total e não há saída. O trem se aproxima e vai esmagar tudo o que estiver na frente.

Não diga com quem anda, pois ninguém quer saber quem é você. Essa verdade é sua apenas e deverá ser escondida. Macaco velho e colocou a mão na cumbuca? Vencido pela fome, pelo ódio enganado foi enganado e engaiolado. Feito o bem. Bem feito?

Vendo bons conselhos. Tenho aqui na minha bolsa ótimos, fresquinhos. Faço descontos especiais. Aproveite! Devagar não se vai longe, então pare de vagar. Ande rápido, corra. Nunca faça o eu digo e jamais faça o que eu faço. É loucura! Brinque com fogo para se queimar e queime-se muito. Aja. Não pense. Pensar o que? Pensar por quê? Aja sem pensar. Aja, mesmo que seja sob um comando insano. Não pense, não reaja. Aja...

Não tinha sementes de girassol, então plantei um gira sol e entrei numa fria, pois nasceu um gira lua. A chuva encobriu a lua e a flor morreu por não ter a quem seguir. Morreu afogada.

Olhe o trem... Está próximo, está chegando, apitando. Vai comprimir tudo. Estraçalhar todos nesse túnel sem saída.



Ceres.



domingo, 29 de agosto de 2010

Escrever. Escrever?

Ainda sou aprendiz no campo literário. Às vezes olho com mal disfarçada inveja, no bom sentido, para pessoas que dominam essa arte. São como mágicos, transformando estímulos visuais em pinturas fantásticas ou em fotografias admiráveis usando simples palavras escritas, enfeitadas com metáforas ou outros recursos linguísticos. Os acontecimentos banais são convertidos em crônicas rítmicas, coloridas, bem humoradas e recheadas de deliciosas ironias nas entrelinhas.
Tem dias que ouço minhas vozes interiores gritando e questionando: - quando você vai fazer isto com desenvoltura? Por que ficar travada sem deixar com que as idéias fluam? Claro que tento sempre silenciá-las com desculpas esfarrapadas alegando a falta de tempo, um bloqueio emocional, os programas políticos, os políticos, a eterna crise econômica, a monotonia. Ou procuro calar o torturante interrogatório inventando uma emocionante estória sem pé nem cabeça: enquanto dormia, uma bruxa malvada entrou nos meus pensamentos e roubou-me a fantasia; roubou-me a poesia; roubou-me também a ironia e toda a capacidade de criar. Então definitiva e dolorosamente concluo e confesso que nem mais aprendiz sou, simplesmente não sei escrever. Culpa da bendita bruxa sinistra.

Ceres.

sábado, 21 de agosto de 2010

Rupturas.

Ambrósia arrancou as amarras burlando bravamente cláusulas clássica. Cantarolou crítica contrariando costumes. Depois discorreu desafiando dogmas. Extasiada, espiou estrelas esplêndidas. Fascinada fantasiou feliz, galgando galáxias. Gestos hábeis, hipnóticos, incógnitos indicavam jeitosos jogos jocosos. Luminosa, livre, leve mergulhou mágica magistral nas nuvens nascendo novamente. Ousada, objetou objetiva preceitos, praxes, preconceitos.
Questionou quocientes. Rompeu receptáculos rigorosos. Suntuosa somou talentos transcendentes. Ultrapassou ultimatos usurpadores. Usou velozes variáveis xeretas zerando zumbidos zombadores. Alforriada amanhece bailando. Brilha; canta delicadamente. Eu encantada espreito...

Ceres.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Memórias (ou À Casa de Minha Infância)


Meus pais estão vendendo a casa. A casa de minha infância. Mas como?! Se lá ainda estou escondida atrás da porta esperando a chegada de papai do trabalho; ainda posso ouvir os latidos brincalhões de Pink – que há anos já alegra o dito céu dos cãezinhos -; rir e correr sem pressa com minhas irmãzinhas mais novas; sujar-me de terra úmida de orvalho.
Eles estão vendendo a casa. Precisam respirar novos ares, vizinhar novos vizinhos, habitar novos espaços. Mas permaneço ali, no quintal, com as outras duas. Sim, elas também estão ali ainda. Pequenas. Uma bem magrinha. Outra bem bochechuda. Brincando comigo. Saltitantes, sorridentes, as três. Sob o olhar doce de nossos pais, jovens, encostados ao muro daquela casa.
Dizem que vão demolir. Demolir nossos brinquedos jogados pela calçada; as ameixas amarelas; os abacates cremosos. Vão demolir nossos namoradinhos batendo palmas em frente ao portão; nossos sonhos flutuantes pelo ar; a chegada ofegante do colégio; o fazer do dever de casa sobre a mesinha da sala; a vinda da catequese.
Dizem que vão demolir a casa. Solto lágrimas e derramo gargalhadas. Demolir como?! Se estamos todos ali, como na infância, como sempre. Eu, elas, pai, mãe, Pink. Inconscientemente felizes.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Estudor (Opus 18)

Sabe aquele caderno em espiral é mentiroso, mas o caderno grampeado é verdadeiro.
Os bloquinhos de anotações são depósitos de ilusões, e o marca-texto é provocação.
A borracha apaga pecados, e o grafite sempre em dúvida, é indeciso. O lápis de cor faz teatro, enquanto o guache enfeita os desejos. Papel almaço resume histórias, o editor de texto salva da sedução. Planilha de cálculo faz as contas dos beijos, e os olhos fazem as vezes do coração.
Livro é suporte do monitor que escraviza, e a impressora já está bipolar. O lixo é boa companhia para os erros do crescimento, mas o telefone é fofoqueiro, escandaloso.
Régua cansada se entorta, e a caneta seca, sem tesão.
Cadeira conforta as nádegas surradas com suor pelo medo de ficar com zero.
Os armários guardam notícias em pastas fruta-cor, e caixas pretas não se revelam.
Pincel atômico vazou de tanto rir, pelo calendário que desmaiou.
E assim, a vida fugiu do compromisso da dor.
 

Sympósion em comédia (Opus 17)

Muito fácil viver quando se tem o que beber, e se este líquido for o vinho o caminho torna-se prazer. Pretensão? Sim, pois o vinho dilata o tempo e asfalta a estrada.
Antigamente e nos dias de hoje este líquido precioso sempre é o combustível para alimentar conversas e amizades. O amigo Plat, melhor Platão, fazia boas reuniões em que as conversas eram capazes de distrair o tempo ali na Grécia Antiga. Tenho saudades das apresentações com músicas e danças feitas por escravas endiabradas (elas não bebiam). Coisa de arromba, da hora.
O vinho é a prova cabal que o tempo é contínuo canal de ligação entre a realidade visual e os sentimentos. O vinho leva a viver em quatro dimensões.
Reuniões ou encontros, seja lá o que for, são o culto as virtudes quando banhadas pelo vinho. Mas nem só virtude o vinho revela, tem as mais ridículas atitudes.
Tudo no inicio vem com carga formal de comportamento, mas aos poucos, um gole após o outro, o interior se expõe. A alma se revela límpida e cristalina, e tudo começa com sorriso de cumprimento.
Uma rodada na taça e os estágios de evolução vão se formando em cada um. O calor vai se espalhando pelo corpo, e quando menos se espera a face fica na cor de vinho rose. Aí, não se pode mais precisar quando às tontas atitudes começam. Neste momento fique atento, irá perceber vozes maiores nos cantos do encontro.
O sorriso é sempre o azeite de oliva de toda esta salada que se desencadeia.
Não existe o momento certo de parada, a maioria perde do ponto descida.
Teorias se formam por chatos que são soltos; olhos ficam com labirintite; línguas ficam escorregadias na boca; palavras batem na parede da razão, escapam da boca; alguns cheiram a água que acompanha; terremoto se apresenta em lustres que balançam.
Desculpe se não me apresentei, meu nome é Baco.

Adamastor (Opus 16)

Você, assim como Adamastor, pode viver achando que sabe de tudo, porém o que os olhos vêem é apenas passado. Quer prova, dou-lhe a mais óbvia; o sol que tanto admiramos é a imagem do que ele foi há oito minutos. As estrelas são neste momento ilusões.
Quando jovem Adamastor sabia de tudo, pura convicção. Com o passar dos anos este gigante da razão descobre que viver não é tão simples assim. Descobre outras realidades, e ao longo dos anos, com perda e ganho se verá em quatro dimensões.
No caso de nosso amigo chega a certo ponto da vida, lá onde o orgulho faz a curva, que percebe que o mundo a sua volta é muito mais que três dimensões apenas. Muito mais do que os olhos podem ver. É aquele momento onde tem o choque emocional, e descobre que o tempo não tem passado ou futuro, é tudo presente. Alguns dizem que é amadurecimento, eu vos digo ser consciência do sentimento. A consciência que a condição humana é trágica.
Adamastor vive se queixando que quando jovem tudo era mais simples, que a vida parecia fluir, o tempo mero detalhe. Pobre amigo, ainda preso as masturbações. Está com lapso de tempo.
Existem muitos perdidos ao nosso redor, pessoas que ainda não conseguiram sentir a realidade em quatro dimensões. Viver nesta realidade é perceber que o espaço onde vivemos está totalmente ligado ao tempo. Tempo não tem ordem cronológica, é um contínuo. Tempo é sentimento. Lembranças ditas do passado fazem parte de um continuo espaço-tempo: viver. O passado e o futuro habitam o nosso presente, então é tudo sentimento no aqui e agora.
Muito físico? Sim, mas interpretar a realidade não é para fracos.
Senão não tiver coragem cai fora, corte os pulos, morra.

domingo, 27 de junho de 2010

Memórias (ou À Casa de Minha Infância)


Meus pais estão vendendo a casa. A casa de minha infância. Mas como?! Se lá ainda estou escondida atrás da porta esperando a chegada de papai do trabalho; ainda posso ouvir os latidos brincalhões de Pink – que há anos já alegra o dito céu dos cãezinhos -; rir e correr sem pressa com minhas irmãzinhas mais novas; sujar-me de terra úmida de orvalho.
Eles estão vendendo a casa. Precisam respirar novos ares, vizinhar novos vizinhos, habitar novos espaços. Mas permaneço ali, no quintal, com as outras duas. Sim, elas também estão ali ainda. Pequenas. Uma bem magrinha. Outra bem bochechuda. Brincando comigo. Saltitantes, sorridentes, as três. Sob o olhar doce de nossos pais, jovens, encostados ao muro daquela casa.
Dizem que vão demolir. Demolir nossos brinquedos jogados pela calçada; as ameixas amarelas; os abacates cremosos. Vão demolir nossos namoradinhos batendo palmas em frente ao portão; nossos sonhos flutuantes pelo ar; a chegada ofegante do colégio; o fazer do dever de casa sobre a mesinha da sala; a vinda da catequese.
Dizem que vão demolir a casa. Solto lágrimas e derramo gargalhadas. Demolir como?! Se estamos todos ali, como na infância, como sempre. Eu, elas, pai, mãe, Pink. Inconscientemente felizes.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Segredos de Cozinheira

Sempre foi assim, quando mais preciso Raimunda liga avisando que vai atrasar. Dessa vez não foi diferente.

- Dona Rita, vou me atrasar hoje. Preciso passar na sortista antes de ir. Dizem que ela vai embora e tenho que passar lá pois essa é das boas. É a madame Crocodila...
- Logo hoje? Preciso que você de um jeito em tudo. "Ele" vem aqui essa noite e eu é que vou preparar nosso jantar. -A senhora vai preparar ?! Coitado do moço, que foi que ele fez?
- Não achei graça nenhuma. Vê se não demora muito, por favor.
- Fico aí essa noite pra ajudar, mas madame Crocodila tem que ler minha sorte. Assim que ela me atender vou correndo.
- Está bem. Venha rápido.

Espero. Espero. Espero e nada de Raimunda. Vou comprar os ingredientes para o jantar. Mas o que? Peixe! Claro, é um excelente prato para uma ocasião importante.
- Moço, qual o melhor peixe que tem aqui?
- Depende do gosto do freguês dona.
- Mas, se o freguês não conhece?
- Ah, então leve esse aqui. Esse é dos bons.
- É. Esse tem cara de boa gente mesmo.
- Leve que a senhora não vai se arrepender.
- Como é o nome desse ?
- É... Bem... É tainha. Tainha!
- E como se prepara tainha?
- Dizem que no forno fica ótimo.
- Obrigada!

Que bobagem é só temperar, colocar no forno, assar e servir com vinho branco. Mais fácil do que tirar doce de crianças, se fosse no tempo em que as crianças não eram bocudas. Coloco aquele pacote em cima da pia e olho aquele ser com cara de peixe morto. Faço duas perguntas: - como é que eu tempero você bichinho? Cadê Raimunda?

Três horas da tarde e finalmente chega aquela desalmada. -Dona, a fila estava enorme mas valeu a pena. Madame Crocodila é boa mesmo...
- Deixe essa crocodila pra depois e me ensine temperar essa tainha.
- Isso aí não é tainha Dona. É pescada e não ta com cara muito boa.
- Mas da pra temperar?
- Ah, pra temperar da. A senhora vai fazer ao molho, assim?
- Não! Assado.
- Aqui tem também uma receita de tainha assada. Agora é só fazer de conta que isso é tainha, que está ótima e rezar muito.
- Rezar por que?
- Olhe só a cara dele. Depois, tinha que estar temperado desde hoje cedo.
- Hoje cedo Raimunda? E porque não me disse?
- E a senhora avisou? Pensei que ia preparar aquele inhoque pré cozido.
- Me deixe a receita e por favor, de um jeito em toda a casa.
- Vou começar por seu quarto.

Começo ler e preparar. Sal a gosto. Pimenta a gosto. Caldo de um limão... Não tem, vai de laranja mesmo. Coentro. Manjericão.
-Raimunda cadê?
-Esses temperos acabaram faz é tempo.
Continuo: depois de temperado colocar ao forno com fogo brando, regado ao vinho branco. Faço tudo conforme o figurino. Prosseguindo a leitura: servir com arroz a grega e salada.

-Raimunda, você sabe preparar arroz a grega?
-Sei não dona Rita. Minha especialidade é arroz a carreteiro.Quer que eu prepare um com a sobra da carne de ontem?
-Está bem Raimunda. Prepare seu arroz e eu faço uma salada.
-Dona Rita, esse peixe ta com uma cara estranha. Um cheiro forte. E se o moço ficar com diarreia? Vai pegar mal viu! É o primeiro jantar dele aqui.
-É só colocar mais um copo de vinho branco, e ligar o forno.
-Dona Rita, é muito cedo!
-São quase sete horas. Deixe em fogo baixo que vai dar certinho o horário. Enquanto isso vou tomar um merecido banho. Preciso relaxar um pouco.

Passa-se uns quarenta minutos e Raimunda me chama. - Dona Rita! Acho que a senhora deu muito vinho para o bicho, embebedou o coitado. Ele desmanchou inteiro.

Tive vontade de gritar. De jogar aquela meleca na parede. De esganar o dono da peixaria. De enforcar Raimunda que conseguia ficar tranquila numa hora como aquela.
Mas respirei fundo e contei até cem... Então tomei uma sábia decisão e agi na maior calma. Usei do telefone.

- Amor, o que você acha da gente jantar naquele lugarzinho romântico essa noite? Estava aqui finalizando nosso jantar mas lembrei daquelas musicas... Fiquei tão emocionada!
- Claro querida. As dez está bem para você?
- Está ótimo! Até mais.

-Raimunda, amanhã quero saber tudo sobre madame Crocodila. Vou jantar fora hoje.

Só para mulheres (Opus 15)

Mulheres, vocês que tanto amo, podem achar pejorativa a palavra, mas este recado é para que entendam o que se passa do lado de cá. Para nós não nasce feita, se faz com a vida.  A idade exata para tornar-se uma não existe, acontece. Nada se perde tudo se transforma.
Assim como o vinho que se movimenta na taça o andar dessa mulher possui poesia, alegria. Teve até um cara que descreveu isto como a garota de Ipanema, mas isso nos dias atuais melhorou. Seu andar não se faz com as pernas paralelas, suas pernas se entrecruzam no caminhar, um pé frente ao outro; tic, tac. Seu balanço possui um ar selvagem, mas terno e embriagante. Podemos acompanhar por horas, lembrem-se somos homens, e entendemos, como num passe de mágica, os versos do poema que se entrega pelo ar.
O fatal é o cheiro que viaja até encontrar nossas narinas roxas de excitação, devidamente comunicadas do que esta para chegar. Seu cheiro, que mais parece um complexo aromático do melhor vinho, prende e escraviza os desejos. Aí, já estamos quase rendidos, e não conseguimos ver nenhuma luz do outro lado do rio.
Perdoem a modéstia nesse momento, mas a transformação é o fato mais curioso, e devo confessar que a culpa foi nossa. Eu, mesmo com o desempenho de um Sancho Pança, já fui culpado. Sem nós não ocorreria, e sendo assim somos peça fundamental desta química. Por quê? Somos o motivo que desencadeou sua evolução.
O nocaute final é o visual. Pois é, imaginava-se que viria primeiro, e de fato sim, mas somente se completa com os outros sentidos já frouxos. Bonita vocês sempre serão depois do fato consumado. Digo dessa transformação, aquiete.
Mas deixe-me falar agora, em nome da maioria dos homens, que ao serem encantam. Encatam pelo jeito de menina sapeca que fica na sua áurea. As roupas a denunciam, como uma carta de alforria. Fantásticas nesse momento, tudo para nós fica para traz, inclusive os dias tenebrosos de TPM, e as numeras horas de espera. Só alegria que contagia, felicidade que vaza.
Hoje vemos que esta excitação adquirida independe de nós e temos ciúmes. Poxa! Tudo era para nós e agora não. Desculpem, devo me recompor, tenho de manter a forma de homem.
Vocês se transformam, por exemplo, com o sucesso de suas conquistas profissionais, e por aí se vão. Nós? Sendo sincero, ficamos como acessórios ilustres ao seu favor.
Mulheres! Não nos abandonem, ainda temos muito para dar.
O que importa é que hoje todas rumam para serem bonitas, muitas se transformando, é um mar de beldades. Até você mulher, que fica em casa com seus afazeres poderá se transformar, pois hoje são completamente independentes de nós para ser resultado desta mudança.
 Nós, aqui, continuamos com os mesmos sentidos que nos levam a chamá-las de gos-to-sas.

Curitiba (Opus 14)

Detesto Curitiba.      
Lá pela manhã, ao ir para o trabalho, já sou entubado. Aguardo poucos minutos e começo a figuração na lata de sardinha, que mais parece à embalagem daquela com molho de tomate. Vermelho. Não bastasse isso a dita condução se move feito cobra cega, ou melhor, um gigantesco minhocão. Por sorte tem um caminho único, só para ele. Imagine se locomover entre os carros nas ruas já inchadas.
Mais mudanças ocorrem e os carros aqui já estão ficando bipolares. Foram doadas rotas de fugas, melhor, os chamados binários. O que ainda é um câncer em Curitiba são os mosquitos de aço, as motos. Digo que não têm culpa nenhuma estes seres, pois são destinados aos espaços vazios entre os carros. É claro que existem os maníacos que em motos são piores que em carros, ou na direção da lata de sardinha.
Voltando aos entubados. O máximo, o clímax é chegar à UTI de integração, os terminais. Lá habitam todos os entubados: alegres, religiosos, céticos, mal humorados (grande maioria), namorados… Curitiba se acha, e hoje ninguém se encontra neste caos. Da moderna e exemplar, hoje se apresenta caótica, travada e burocrática. Findou-se a saudosa Curitiba, onde podíamos nos divertir num simples passear, num café na Confeitaria das Famílias. Hoje um vazio invade a todos.
Conta-me um amigo; o que mais lhe assombra é o espaço de tempo entre sua chegada em casa, e a chegada de sua esposa. O silêncio parece cortar feito diamante, e nesse tempo só tem a seu cachorro que nada fala. Nestas horas o tempo não se contrai, dilata. Toda agitação do dia se desfaz. O silêncio antes esperado, agora fica agonizante. É assim, hoje o vazio na cidade assusta, outrora era predominante e confortava.
               Mas como sou um inveterado saudosista tenho de confessar que amo Curitiba, pois o verdadeiro amor só existe pelos defeitos, sejam pelo excesso de beleza ou pela falta de sentido.

Memórias de criança (Opus 13)

Quando pequeno sempre fui dado a travessuras. Os corretivos assumiam diversas formas, e em certa época veio na forma de dar medo. Entrei na linha. Foram tantas as aventuras que destoa da pessoa educada de hoje.
Um clássico foi à tentativa cientifica de criança em comprovar as sete vidas de um gato. Num dia amarrei um tijolo na perna do infeliz e delicadamente o joguei rio abaixo. Pobre bicho morreu. Deduzi que as outras seis já havia gasto, e dei o primeiro experimento finalizado. Aí, mamãe me achou.
Tem uma que o meu irmão não esquece. Nos finais de tarde pegávamos a varas de pescar do papai, e sentados na varanda da casa tínhamos a pescaria invisível. No balanço, num ir e vir arremessávamos na busca do peixe imaginário. Divertíamos muito, mas eis que, quem vos fala não poderia deixar em branco. Num lance digno de cinema, a linha foi para traz e na volta cravo o anzol nas bochechas rosados de meu irmão. O pior que só percebi, quando depois de duas puxadas a linha não veio. Olho para traz e vejo meu irmão na cor branco fosco, e então minhas pernas se afrouxaram, o sangue foi tudo para os pés. Matei meu irmão! Desandei a chorar e sai correndo. Aí, mamãe me achou.
Outro dia, ovos voaram pela cozinha, era eu tentando acertar meu irmão. Brincávamos de guerra, e nossas bombas explodiam de modo a dar gosto. Teve uma que tinha até gás paralisante... Foram duas dúzias que deveria durar o mês todo. A cozinha ficou como um campo de guerra, suja que só vendo. Bem, aí mamãe me achou.
Noutra vez, final de tarde, o carreto com a lenha chegou, o que também devia durar um mês. Calma, não queimei tudo... Seu Pedro deixava em frente a nossa casa, e tínhamos que colocar para dentro do quintal. Então, eu e minha criatividade sedutora bolamos o arremesso de peso. Imagina, um perfeito atleta juvenil. Certo dia papai chegou mais cedo e nos ajudou. Eu, eu mesmo, em um de meus potentes arremessos acerto a nuca do veio, melhor papai. Vixe! Já era calvo, e toma uma paulada... Papai virou com os olhos saltando pelo rosto. Eu? Quase me mijei todo. O que fiz? Vazei. Bati em retirada, mas aí mamãe me achou.
Quando mamãe me achava não tinha escapatória.
Agora, já no ano de 2010, em visita a casa da mãe as lembranças enchem os olhos deste quarentão. A cobertura da casa acumula as provas das travessuras. Ainda está forrada de tocos de mangueira, como chicotes domésticos, a única forma de por na linha aquele menino tão inocente e puro.

Sobre o amor ou algo assim (Opus 12)

Meu nobre, naquele tempo o amor me parecia como um conto de fadas. Podia dar certo sem custos. Hoje vejo o amor como algo que nunca se torna total, não se atinge por completo.
Quando temos somos atormentados pelo medo de perdê-lo, e senão temos o medo ainda é maior, de nunca encontrar nosso pólo positivo.
Há diversas formas de amor, e uma única forma de amar é para imbecis. Mas o amor nunca será definitivo, assim como a palavra de Deus. O livre arbítrio é fatal para o amor. Acreditava que era completo como os anjos, mas Lúcifer é a prova que o amor é instável. Anjos não são santos.
O amor é o motivo de viver, e viver é incerteza. O verdadeiro Deus dos seres humanos é o amor. Não possui, e nem possuirá explicações nunca. Apenas existe e deve ser aceito como um milagre, pois é real. Sem amor não vivemos.
O amor pode mudar, basta não saber segurá-lo. Segurar o amor não é prendê-lo, é dar-lhe liberdade, é deixar que respire, é viver com o vento ao rosto.
Ainda assim, sou um imbecil. Ter um amor, só isso. Eu como escritor, e ele como meu leitor.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Endecha a Saramago


Manolo Ramires - bloginparana
Jornalista e Cronista

Naquele dia ninguém morreu. Quisera muito este cronista abrir os periódicos, visitar os obituários, abrir sítios e ver os telejornais com a notícia de que naquele dia alguém sequer partiu. Mais isso seria uma tremenda tolice como desejar a vida eterna com suas rugas, a felicidade esquizofrênica, a desumanização de Cristo ou dar um elefante de prenda via Sedex. Se ninguém morrer, natural será que ninguém vá parir neste mundo e ele, aos poucos, se transfiguraria numa monarquia de párias.

Por isso foi que naquele segundo subseqüente refleti quão importante é um ídolo nietzschiano a nos guiar por sentenças simples, com seus diálogos entre vírgulas e provocadores. A nos arrefecer com seu sarcasmo lusitano e a nos fazer agradecer pelas bofetadas em nossa mente.

E meio sem esquadro, notei que naquele minuto posterior calou em mim o silêncio para que o grito sussurrasse pela liberdade do corpo, do formato e da forma que tocasse uma sonata em sua memória. Pois naquele dia 18 de junho de 2010 ele, José Saramago, naquele dia ele morreu.