Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Não use seu vício como muleta



Deve ter entupido as veias. Sobe com dificuldade no ônibus. São as veias. Chuto que é trombose. Tem até que se escorar nas muletas. Passos sofridos. “Pobre homem”, pensa a mulher que o vê marchando em sua direção. Ele está ofegante. Respira fundo e pede pra mudar de lugar. Parece que deseja ficar próximo à porta. Ela nem reflete, troca. Pobre homem. De perto, a perna aparenta estar bem inchada. Ela repara. “Muita bebida”, diz ele que sequer foi perguntado. “Bebida e cigarro”. Pobre mulher: quem manda dar atenção. Agora aguenta. “Dois anos” – vai informando – “entupindo as veias”. Aproveita, homem, e conta que retorna da Santa Casa. “A mulher me mandou embora, não aguentou mais”, destaca a criatura. Pobre das mulheres. Ele diz que não tem pra onde ir. Tampouco assunto diversificado. Tanto que consegue contar toda vida no trajeto de três pontos. No segundo ela perde o interesse nele. Muito repetitivo: “Dois anos de bebida e cigarro”. Já deu, né. Ninguém mais presta atenção nele ou em suas veias inchadas. Percorrem-se outros dois pontos. O trânsito lento do fim de tarde e os semáforos fechados do dia a dia demonstram estarem com suas veias entupidas também. Por isso, quase ninguém vê as muletas descerem. A mulher pensa: “Dois anos... todos os dias”. Não se esqueça: entupindo as veias. Ele saltita até a entrada do bar enquanto o ônibus parte. Senta e descansa a perna. Malditas muletas...

Manolo Ramires – Crônicas Curitibanas

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