Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 27 de junho de 2010

Memórias (ou À Casa de Minha Infância)


Meus pais estão vendendo a casa. A casa de minha infância. Mas como?! Se lá ainda estou escondida atrás da porta esperando a chegada de papai do trabalho; ainda posso ouvir os latidos brincalhões de Pink – que há anos já alegra o dito céu dos cãezinhos -; rir e correr sem pressa com minhas irmãzinhas mais novas; sujar-me de terra úmida de orvalho.
Eles estão vendendo a casa. Precisam respirar novos ares, vizinhar novos vizinhos, habitar novos espaços. Mas permaneço ali, no quintal, com as outras duas. Sim, elas também estão ali ainda. Pequenas. Uma bem magrinha. Outra bem bochechuda. Brincando comigo. Saltitantes, sorridentes, as três. Sob o olhar doce de nossos pais, jovens, encostados ao muro daquela casa.
Dizem que vão demolir. Demolir nossos brinquedos jogados pela calçada; as ameixas amarelas; os abacates cremosos. Vão demolir nossos namoradinhos batendo palmas em frente ao portão; nossos sonhos flutuantes pelo ar; a chegada ofegante do colégio; o fazer do dever de casa sobre a mesinha da sala; a vinda da catequese.
Dizem que vão demolir a casa. Solto lágrimas e derramo gargalhadas. Demolir como?! Se estamos todos ali, como na infância, como sempre. Eu, elas, pai, mãe, Pink. Inconscientemente felizes.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Segredos de Cozinheira

Sempre foi assim, quando mais preciso Raimunda liga avisando que vai atrasar. Dessa vez não foi diferente.

- Dona Rita, vou me atrasar hoje. Preciso passar na sortista antes de ir. Dizem que ela vai embora e tenho que passar lá pois essa é das boas. É a madame Crocodila...
- Logo hoje? Preciso que você de um jeito em tudo. "Ele" vem aqui essa noite e eu é que vou preparar nosso jantar. -A senhora vai preparar ?! Coitado do moço, que foi que ele fez?
- Não achei graça nenhuma. Vê se não demora muito, por favor.
- Fico aí essa noite pra ajudar, mas madame Crocodila tem que ler minha sorte. Assim que ela me atender vou correndo.
- Está bem. Venha rápido.

Espero. Espero. Espero e nada de Raimunda. Vou comprar os ingredientes para o jantar. Mas o que? Peixe! Claro, é um excelente prato para uma ocasião importante.
- Moço, qual o melhor peixe que tem aqui?
- Depende do gosto do freguês dona.
- Mas, se o freguês não conhece?
- Ah, então leve esse aqui. Esse é dos bons.
- É. Esse tem cara de boa gente mesmo.
- Leve que a senhora não vai se arrepender.
- Como é o nome desse ?
- É... Bem... É tainha. Tainha!
- E como se prepara tainha?
- Dizem que no forno fica ótimo.
- Obrigada!

Que bobagem é só temperar, colocar no forno, assar e servir com vinho branco. Mais fácil do que tirar doce de crianças, se fosse no tempo em que as crianças não eram bocudas. Coloco aquele pacote em cima da pia e olho aquele ser com cara de peixe morto. Faço duas perguntas: - como é que eu tempero você bichinho? Cadê Raimunda?

Três horas da tarde e finalmente chega aquela desalmada. -Dona, a fila estava enorme mas valeu a pena. Madame Crocodila é boa mesmo...
- Deixe essa crocodila pra depois e me ensine temperar essa tainha.
- Isso aí não é tainha Dona. É pescada e não ta com cara muito boa.
- Mas da pra temperar?
- Ah, pra temperar da. A senhora vai fazer ao molho, assim?
- Não! Assado.
- Aqui tem também uma receita de tainha assada. Agora é só fazer de conta que isso é tainha, que está ótima e rezar muito.
- Rezar por que?
- Olhe só a cara dele. Depois, tinha que estar temperado desde hoje cedo.
- Hoje cedo Raimunda? E porque não me disse?
- E a senhora avisou? Pensei que ia preparar aquele inhoque pré cozido.
- Me deixe a receita e por favor, de um jeito em toda a casa.
- Vou começar por seu quarto.

Começo ler e preparar. Sal a gosto. Pimenta a gosto. Caldo de um limão... Não tem, vai de laranja mesmo. Coentro. Manjericão.
-Raimunda cadê?
-Esses temperos acabaram faz é tempo.
Continuo: depois de temperado colocar ao forno com fogo brando, regado ao vinho branco. Faço tudo conforme o figurino. Prosseguindo a leitura: servir com arroz a grega e salada.

-Raimunda, você sabe preparar arroz a grega?
-Sei não dona Rita. Minha especialidade é arroz a carreteiro.Quer que eu prepare um com a sobra da carne de ontem?
-Está bem Raimunda. Prepare seu arroz e eu faço uma salada.
-Dona Rita, esse peixe ta com uma cara estranha. Um cheiro forte. E se o moço ficar com diarreia? Vai pegar mal viu! É o primeiro jantar dele aqui.
-É só colocar mais um copo de vinho branco, e ligar o forno.
-Dona Rita, é muito cedo!
-São quase sete horas. Deixe em fogo baixo que vai dar certinho o horário. Enquanto isso vou tomar um merecido banho. Preciso relaxar um pouco.

Passa-se uns quarenta minutos e Raimunda me chama. - Dona Rita! Acho que a senhora deu muito vinho para o bicho, embebedou o coitado. Ele desmanchou inteiro.

Tive vontade de gritar. De jogar aquela meleca na parede. De esganar o dono da peixaria. De enforcar Raimunda que conseguia ficar tranquila numa hora como aquela.
Mas respirei fundo e contei até cem... Então tomei uma sábia decisão e agi na maior calma. Usei do telefone.

- Amor, o que você acha da gente jantar naquele lugarzinho romântico essa noite? Estava aqui finalizando nosso jantar mas lembrei daquelas musicas... Fiquei tão emocionada!
- Claro querida. As dez está bem para você?
- Está ótimo! Até mais.

-Raimunda, amanhã quero saber tudo sobre madame Crocodila. Vou jantar fora hoje.

Só para mulheres (Opus 15)

Mulheres, vocês que tanto amo, podem achar pejorativa a palavra, mas este recado é para que entendam o que se passa do lado de cá. Para nós não nasce feita, se faz com a vida.  A idade exata para tornar-se uma não existe, acontece. Nada se perde tudo se transforma.
Assim como o vinho que se movimenta na taça o andar dessa mulher possui poesia, alegria. Teve até um cara que descreveu isto como a garota de Ipanema, mas isso nos dias atuais melhorou. Seu andar não se faz com as pernas paralelas, suas pernas se entrecruzam no caminhar, um pé frente ao outro; tic, tac. Seu balanço possui um ar selvagem, mas terno e embriagante. Podemos acompanhar por horas, lembrem-se somos homens, e entendemos, como num passe de mágica, os versos do poema que se entrega pelo ar.
O fatal é o cheiro que viaja até encontrar nossas narinas roxas de excitação, devidamente comunicadas do que esta para chegar. Seu cheiro, que mais parece um complexo aromático do melhor vinho, prende e escraviza os desejos. Aí, já estamos quase rendidos, e não conseguimos ver nenhuma luz do outro lado do rio.
Perdoem a modéstia nesse momento, mas a transformação é o fato mais curioso, e devo confessar que a culpa foi nossa. Eu, mesmo com o desempenho de um Sancho Pança, já fui culpado. Sem nós não ocorreria, e sendo assim somos peça fundamental desta química. Por quê? Somos o motivo que desencadeou sua evolução.
O nocaute final é o visual. Pois é, imaginava-se que viria primeiro, e de fato sim, mas somente se completa com os outros sentidos já frouxos. Bonita vocês sempre serão depois do fato consumado. Digo dessa transformação, aquiete.
Mas deixe-me falar agora, em nome da maioria dos homens, que ao serem encantam. Encatam pelo jeito de menina sapeca que fica na sua áurea. As roupas a denunciam, como uma carta de alforria. Fantásticas nesse momento, tudo para nós fica para traz, inclusive os dias tenebrosos de TPM, e as numeras horas de espera. Só alegria que contagia, felicidade que vaza.
Hoje vemos que esta excitação adquirida independe de nós e temos ciúmes. Poxa! Tudo era para nós e agora não. Desculpem, devo me recompor, tenho de manter a forma de homem.
Vocês se transformam, por exemplo, com o sucesso de suas conquistas profissionais, e por aí se vão. Nós? Sendo sincero, ficamos como acessórios ilustres ao seu favor.
Mulheres! Não nos abandonem, ainda temos muito para dar.
O que importa é que hoje todas rumam para serem bonitas, muitas se transformando, é um mar de beldades. Até você mulher, que fica em casa com seus afazeres poderá se transformar, pois hoje são completamente independentes de nós para ser resultado desta mudança.
 Nós, aqui, continuamos com os mesmos sentidos que nos levam a chamá-las de gos-to-sas.

Curitiba (Opus 14)

Detesto Curitiba.      
Lá pela manhã, ao ir para o trabalho, já sou entubado. Aguardo poucos minutos e começo a figuração na lata de sardinha, que mais parece à embalagem daquela com molho de tomate. Vermelho. Não bastasse isso a dita condução se move feito cobra cega, ou melhor, um gigantesco minhocão. Por sorte tem um caminho único, só para ele. Imagine se locomover entre os carros nas ruas já inchadas.
Mais mudanças ocorrem e os carros aqui já estão ficando bipolares. Foram doadas rotas de fugas, melhor, os chamados binários. O que ainda é um câncer em Curitiba são os mosquitos de aço, as motos. Digo que não têm culpa nenhuma estes seres, pois são destinados aos espaços vazios entre os carros. É claro que existem os maníacos que em motos são piores que em carros, ou na direção da lata de sardinha.
Voltando aos entubados. O máximo, o clímax é chegar à UTI de integração, os terminais. Lá habitam todos os entubados: alegres, religiosos, céticos, mal humorados (grande maioria), namorados… Curitiba se acha, e hoje ninguém se encontra neste caos. Da moderna e exemplar, hoje se apresenta caótica, travada e burocrática. Findou-se a saudosa Curitiba, onde podíamos nos divertir num simples passear, num café na Confeitaria das Famílias. Hoje um vazio invade a todos.
Conta-me um amigo; o que mais lhe assombra é o espaço de tempo entre sua chegada em casa, e a chegada de sua esposa. O silêncio parece cortar feito diamante, e nesse tempo só tem a seu cachorro que nada fala. Nestas horas o tempo não se contrai, dilata. Toda agitação do dia se desfaz. O silêncio antes esperado, agora fica agonizante. É assim, hoje o vazio na cidade assusta, outrora era predominante e confortava.
               Mas como sou um inveterado saudosista tenho de confessar que amo Curitiba, pois o verdadeiro amor só existe pelos defeitos, sejam pelo excesso de beleza ou pela falta de sentido.

Memórias de criança (Opus 13)

Quando pequeno sempre fui dado a travessuras. Os corretivos assumiam diversas formas, e em certa época veio na forma de dar medo. Entrei na linha. Foram tantas as aventuras que destoa da pessoa educada de hoje.
Um clássico foi à tentativa cientifica de criança em comprovar as sete vidas de um gato. Num dia amarrei um tijolo na perna do infeliz e delicadamente o joguei rio abaixo. Pobre bicho morreu. Deduzi que as outras seis já havia gasto, e dei o primeiro experimento finalizado. Aí, mamãe me achou.
Tem uma que o meu irmão não esquece. Nos finais de tarde pegávamos a varas de pescar do papai, e sentados na varanda da casa tínhamos a pescaria invisível. No balanço, num ir e vir arremessávamos na busca do peixe imaginário. Divertíamos muito, mas eis que, quem vos fala não poderia deixar em branco. Num lance digno de cinema, a linha foi para traz e na volta cravo o anzol nas bochechas rosados de meu irmão. O pior que só percebi, quando depois de duas puxadas a linha não veio. Olho para traz e vejo meu irmão na cor branco fosco, e então minhas pernas se afrouxaram, o sangue foi tudo para os pés. Matei meu irmão! Desandei a chorar e sai correndo. Aí, mamãe me achou.
Outro dia, ovos voaram pela cozinha, era eu tentando acertar meu irmão. Brincávamos de guerra, e nossas bombas explodiam de modo a dar gosto. Teve uma que tinha até gás paralisante... Foram duas dúzias que deveria durar o mês todo. A cozinha ficou como um campo de guerra, suja que só vendo. Bem, aí mamãe me achou.
Noutra vez, final de tarde, o carreto com a lenha chegou, o que também devia durar um mês. Calma, não queimei tudo... Seu Pedro deixava em frente a nossa casa, e tínhamos que colocar para dentro do quintal. Então, eu e minha criatividade sedutora bolamos o arremesso de peso. Imagina, um perfeito atleta juvenil. Certo dia papai chegou mais cedo e nos ajudou. Eu, eu mesmo, em um de meus potentes arremessos acerto a nuca do veio, melhor papai. Vixe! Já era calvo, e toma uma paulada... Papai virou com os olhos saltando pelo rosto. Eu? Quase me mijei todo. O que fiz? Vazei. Bati em retirada, mas aí mamãe me achou.
Quando mamãe me achava não tinha escapatória.
Agora, já no ano de 2010, em visita a casa da mãe as lembranças enchem os olhos deste quarentão. A cobertura da casa acumula as provas das travessuras. Ainda está forrada de tocos de mangueira, como chicotes domésticos, a única forma de por na linha aquele menino tão inocente e puro.

Sobre o amor ou algo assim (Opus 12)

Meu nobre, naquele tempo o amor me parecia como um conto de fadas. Podia dar certo sem custos. Hoje vejo o amor como algo que nunca se torna total, não se atinge por completo.
Quando temos somos atormentados pelo medo de perdê-lo, e senão temos o medo ainda é maior, de nunca encontrar nosso pólo positivo.
Há diversas formas de amor, e uma única forma de amar é para imbecis. Mas o amor nunca será definitivo, assim como a palavra de Deus. O livre arbítrio é fatal para o amor. Acreditava que era completo como os anjos, mas Lúcifer é a prova que o amor é instável. Anjos não são santos.
O amor é o motivo de viver, e viver é incerteza. O verdadeiro Deus dos seres humanos é o amor. Não possui, e nem possuirá explicações nunca. Apenas existe e deve ser aceito como um milagre, pois é real. Sem amor não vivemos.
O amor pode mudar, basta não saber segurá-lo. Segurar o amor não é prendê-lo, é dar-lhe liberdade, é deixar que respire, é viver com o vento ao rosto.
Ainda assim, sou um imbecil. Ter um amor, só isso. Eu como escritor, e ele como meu leitor.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Endecha a Saramago


Manolo Ramires - bloginparana
Jornalista e Cronista

Naquele dia ninguém morreu. Quisera muito este cronista abrir os periódicos, visitar os obituários, abrir sítios e ver os telejornais com a notícia de que naquele dia alguém sequer partiu. Mais isso seria uma tremenda tolice como desejar a vida eterna com suas rugas, a felicidade esquizofrênica, a desumanização de Cristo ou dar um elefante de prenda via Sedex. Se ninguém morrer, natural será que ninguém vá parir neste mundo e ele, aos poucos, se transfiguraria numa monarquia de párias.

Por isso foi que naquele segundo subseqüente refleti quão importante é um ídolo nietzschiano a nos guiar por sentenças simples, com seus diálogos entre vírgulas e provocadores. A nos arrefecer com seu sarcasmo lusitano e a nos fazer agradecer pelas bofetadas em nossa mente.

E meio sem esquadro, notei que naquele minuto posterior calou em mim o silêncio para que o grito sussurrasse pela liberdade do corpo, do formato e da forma que tocasse uma sonata em sua memória. Pois naquele dia 18 de junho de 2010 ele, José Saramago, naquele dia ele morreu.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Miniconto: AVISO PRÉVIO

Miniconto
Contos de Realidade e Simulacro


Noutro dia, pegou o celular pré-pago e contou a mãe que havia conquistado o emprego, prometendo para dali 45 dias, quando possuísse primeiro ordenado completo, uma pizzada. Quem sabe uma churrascada. São só noventa dias.
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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Mulheres bonitas (Opus 11)

Olha só, existem vezes que quero ter, mas a natureza não permite. Desejo as mulheres bonitas, daquelas que só Nelson Rodrigues sabe descrever.
Umas das conclusões da teoria rodriguiana é que as mulheres bonitas são destinadas aos inteligentes. Caso de nosso nobre amigo póstumo, o que de longe não habita minha praia. Pela lógica, sou assim um burro. Só as feias me desejam. É, é isso, e como diria Nelson, não adianta insistir: o replay é burro.
Insisto em querer, como obsessão. Aos que não gosto, persigo. Aos que amo sou frouxo de dar dó. Parece paixão pelo Fluminense, mas sou Atlético do Paraná.
Mas voltemos às mulheres. Elas são a minha condição humana para ser trágico. Quando não amo uma única, como a maioria dos imbecis, sou de todas. Não presto, mas sou adorável. Ser adorável não atrai as bonitas. As bonitas precisam de um messias, e eu sou um inveterado pecador.
A droga em minha vida são as mulheres, e por este vício entrego meu corpo como uma promessa em dia de ação de graças. O biótipo não ajuda, mas o que atrai é a condição selvagem de ser homem.
Cara bonito com mulher bonita, não se cria. Cria chifres.
Hoje não tenho mulheres, nem as feias, tenho um psicanalista. O consolo? O psicanalista é uma mulher bonita, e muito parecida com minha antiga professora.

Amante (Opus 10)


Amigo, tenho por mim que serei, em curto espaço de tempo, um defunto ilustre no fundo dos olhos daquela mulher. Ela irá relevar minhas faltas, pois vou me adaptar facilmente a seus gostos. Sou incondicionalmente cúmplice de suas vontades, desejos.
Aliado maroto a sua crise de rebeldia, deixarei acender e apagar sua chama de desejo por toda noite que puder roubar dela. Não tenho ciúmes, e sou sempre dado a amores novos. Preencho vazios. Coração não fica na ponta do medo, aproveita intensamente os segundos que não terminam. Vivo.
Amigo, espero que ela esqueça o que muitos dizem. Tenho um coração quente e sou amarrado pelo corpo. O suor das mãos dela é o tempero da minha fome.
Tá! O ibope vem aumentando, e tenho agenda cheia, mas nunca me esqueço da mulher. Ligo quando menos espera. No que faço não existe profissionalismo. Já imaginou Don Juan empregado? Não pode ser. Amo todas as mulheres, e transformo suas necessidades escondidas em atrevimentos reais.
Dou flores na tarde morna; beijos na nuca; trago arrepios que se espalham no corpo dando a notícia da paixão; fogo; falo na hora exata de sua vontade; beijo; ser dela quando estivermos sós; forte na medida certa; gozo; cafajeste para corromper honestamente o coração; deixar o tempo para os outros e dar-lhe vida; intensidade; morder os lábios carnudos dela e transformá-los em beiço pronto para o choro quando partir; fazê-la sentir-se criança querendo mais, e mais, e mais.
O romance pode escrever nossa história, e a novela que veja em casa.
Eu? Sou uma crônica: leve, ligeiro, alegre e sedutor.
Amigo, aquilo de querer, ainda me levará até ela.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A Síndrome de epifania de Gaga



Crônicas Curitibanas

Seu Gaga tinha um hábito comum aos cristãos católicos. Ele fazia o sinal da cruz toda vez que passava em frente duma igreja. Pra cima, umbigo, ombro direito ao esquerdo, beijinho na mão, amém! Automático quase que automato, como se levasse a mão a boca durante um espirro. Viu Igreja = assoprou amém. E tinha essa conduta por fé, por medo do padre que lhe perguntava na confissão se “reverenciavas teu Deus e teus imediatos?”, porque seu filho achava graça e para ser reconhecido pela comunidade. Nunca lhe bastava a dança das mãos. Ele sempre se fazia ouvir:

- Amém!

Até aí é tudo corriqueiro. Poucos se incomodariam com ritual tão consagrado. Alguns até repetiam a palavra. Como eu, que lembrei de ter feito muito disso diante da igreja quando era criança. Só não saudava o cemitério. Mas seu Gaga cumprimentava desde mocinho. Aliás, ele tinha cortesia com tudo e para esse tudo sempre tinha um símbolo específico. Comportamento que, com certeza, era mais curioso do que apenas saudar um monte de covas. Se ainda reverenciasse isoladamente, vá lá, todavia, o centro da cidade era pequeno e seus recintos eram muito próximos: igreja, banco, hospital, prefeitura, fórum, restaurante, concessionária automotiva e outros...
Ao sinal da igreja já fomos apresentados: testa abaixo, sobe, cruza, beija e professa. Só desconhecemos o gesto que seu Gaga faz quando passa pelo banco federal, hospital, prefeitura e outros. Primeiro, o que está mais perto da igreja é a agência bancária. Por lá ele esfrega o dedão, o indicador e fura bola em alusão ao cifrão, bate palmas três vezes e completa:

- Venha, venha!

Alguns metros dali se abraça fortemente, se encolhe um pouco e depois “explode num Xô-Xô!” para afastar as doenças que venham do hospital. Afastava as enfermidades e as pessoas. E já diante da prefeitura as atraia ao fazer um gesto de colocar os bolsos para fora, descalçar-se, estender as mãos e implorar:

- Não me venham com mais impostos!

Mas o pessoal da prefeitura, só por sacanagem, de vez em quando lhe entregava uma folha apenas com código de barras. Nenhuma cifra ou indicação de local a pagar, apenas . Muito embora seu Gaga não percebia que o tomavam por tonto Ele logo partia, fascinado que já estava pela concessionária de carros e pelo restaurante a meia quadra. O homem corria, segurava um volante imaginário, trocava marchas, esfregava a barriga circularmente e batia os indicadores em alusão aos talheres, completando:

- Vire a Bem esquerda Apetite!

E o centro terminava no Fórum. Findava mesmo, uma vez que ele foi preso após bater nos punhos rapidamente, dar uma volta sobre si dizendo “a liberdade é quadrada”. Ao insulto recebeu voz de reclusão do inexperiente promotor que alegou desacato. O homem ergueu o Código de Normas e Costumes Municipais, o baixou, bateu duas vezes com a mão espalmada, beijou o livro e sentenciou:

- Estais preso!

Que pena. Há dois quarteirões dali fica uma biblioteca.

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Manolo Ramires