Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A Síndrome de epifania de Gaga



Crônicas Curitibanas

Seu Gaga tinha um hábito comum aos cristãos católicos. Ele fazia o sinal da cruz toda vez que passava em frente duma igreja. Pra cima, umbigo, ombro direito ao esquerdo, beijinho na mão, amém! Automático quase que automato, como se levasse a mão a boca durante um espirro. Viu Igreja = assoprou amém. E tinha essa conduta por fé, por medo do padre que lhe perguntava na confissão se “reverenciavas teu Deus e teus imediatos?”, porque seu filho achava graça e para ser reconhecido pela comunidade. Nunca lhe bastava a dança das mãos. Ele sempre se fazia ouvir:

- Amém!

Até aí é tudo corriqueiro. Poucos se incomodariam com ritual tão consagrado. Alguns até repetiam a palavra. Como eu, que lembrei de ter feito muito disso diante da igreja quando era criança. Só não saudava o cemitério. Mas seu Gaga cumprimentava desde mocinho. Aliás, ele tinha cortesia com tudo e para esse tudo sempre tinha um símbolo específico. Comportamento que, com certeza, era mais curioso do que apenas saudar um monte de covas. Se ainda reverenciasse isoladamente, vá lá, todavia, o centro da cidade era pequeno e seus recintos eram muito próximos: igreja, banco, hospital, prefeitura, fórum, restaurante, concessionária automotiva e outros...
Ao sinal da igreja já fomos apresentados: testa abaixo, sobe, cruza, beija e professa. Só desconhecemos o gesto que seu Gaga faz quando passa pelo banco federal, hospital, prefeitura e outros. Primeiro, o que está mais perto da igreja é a agência bancária. Por lá ele esfrega o dedão, o indicador e fura bola em alusão ao cifrão, bate palmas três vezes e completa:

- Venha, venha!

Alguns metros dali se abraça fortemente, se encolhe um pouco e depois “explode num Xô-Xô!” para afastar as doenças que venham do hospital. Afastava as enfermidades e as pessoas. E já diante da prefeitura as atraia ao fazer um gesto de colocar os bolsos para fora, descalçar-se, estender as mãos e implorar:

- Não me venham com mais impostos!

Mas o pessoal da prefeitura, só por sacanagem, de vez em quando lhe entregava uma folha apenas com código de barras. Nenhuma cifra ou indicação de local a pagar, apenas . Muito embora seu Gaga não percebia que o tomavam por tonto Ele logo partia, fascinado que já estava pela concessionária de carros e pelo restaurante a meia quadra. O homem corria, segurava um volante imaginário, trocava marchas, esfregava a barriga circularmente e batia os indicadores em alusão aos talheres, completando:

- Vire a Bem esquerda Apetite!

E o centro terminava no Fórum. Findava mesmo, uma vez que ele foi preso após bater nos punhos rapidamente, dar uma volta sobre si dizendo “a liberdade é quadrada”. Ao insulto recebeu voz de reclusão do inexperiente promotor que alegou desacato. O homem ergueu o Código de Normas e Costumes Municipais, o baixou, bateu duas vezes com a mão espalmada, beijou o livro e sentenciou:

- Estais preso!

Que pena. Há dois quarteirões dali fica uma biblioteca.

@manoloramires
blogINparana
Manolo Ramires

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