Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Memórias


Memórias
(À minha mãe)
blogINparana



A neta assiste televisão. São sete e meia da manhã. Ela está despreocupada no sofá. Sua avó desce a escada. Ela está pasma. A neta nem lhe dá bola. Mas a avó se aproxima.

- O que você está fazendo aí?
- Nada.
- E a missa?
- Esqueci completamente.

O sofá fica vazio. As pantufas são abandonadas. A escada é golpeada rapidamente. Os degraus são tocados suavemente. O armário abre-se. Uma calça jeans, uma camiseta e uma sapatilha são arrancadas das gavetas. O quarto recebe mais um corpo. O pijama é despido. A cama é sentada. As roupas são vestidas. O guarda-chuva é pegado. A escada é novamente utilizada. Aos ponta-pés. Ao balé. E o guarda-roupa, no quarto revirado, fica aberto.

Um pouco mais tarde, enquanto o carro é deslocado, lembra-se:

- Filhinha, você tirou o frango da geladeira?
- Era para tirar, vó?
- Eu não te avisei?
- Será que a Lourdes pode fazer isso?
- Você está com o celular aí?
- Alô?
- Lourdes, querida, você pode tirar o frango para o almoço?
- É pra fritar, dona?

Na igreja, a missa não anda. O sono geral toma conta. E começa a chover. O sermão parece para surdos. Mas a chuva bate o ponto de saída. O sol entra no seu turno. É o momento da comunhão. Centenas de preces são entoadas.

- Ides em paz e recordes de Deus, Nosso Senhor.

De volta à casa, o frango está bem frito, as três mulheres ocupam a mesa e o almoço está servido. Um garfo é tombado sobre o prato. A avó abaixa a cabeça. Ouve-se o choro.

- Tudo bem, vovó?
- Dona, se lembrou do sermão?
- Não, minhas queridas, deixei o guarda-chuva na paróquia.

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Manolo Ramires
www.twitter.com/manoloramires

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Velho Ranheta

Depois que o ministro da Saúde recomendou a prática de mais sexo para hipertensos, seu Ataúlfo se apressou em mudar de canal. Não tinha escutado direito a informação porque o ministro recomendava exercícios físicos também. Mas a expressão ‘fazer mais sexo’ lhe despertou ideias libidinosas. Percorreu duas outras emissoras e não encontrou a notícia. Talvez já tivesse sido exibida ou censurada por jovem editor. Foi somente na terceira tentativa que ouviu toda a fala de José Gomes Temporão: sexo para hipertensos.

Era com ele. Só podia ser com ele. Os sintomas eram sentidos claramente naquele sofá. E clareza tamanha só tinha um remédio: praticar. Excluiu a recomendação dos exercícios repetitivos e se concentrou na imagem do vuco-vuco. Correu até a sonolenta parceira e propôs fazerem um amorzinho. Afinal, ele estava ofegante e sentia uma pressãozinha na cabeça. Ela negou. Ele explicou que era recomendação de seu médico, o ministro. Ela riu e virou-se de lado enquanto Ataúlfo se sentia pálido.

No dia seguinte a notícia foi reprisada, o que o deixou nervoso e um pouco tenso. Teve que ir caminhar. Foi à padaria. E no balcão, diante da jovem atendente, perguntou se ela tinha assistido o jornal. “Não”. Contou a notícia. “Sério?” E fez a proposta do amorzinho. “Se enxerga, tiozinho”, ouviu enquanto o seu coração tonteava de decepção.



Mais tarde, em casa, suas mãos tremiam enquanto segurava o mouse. Na tela, os olhos turvos liam no Portal do Governo a imprudente recomendação. E saiu novamente para a rua soando frio. Entrou na lotérica, mas a fila de aposentados estava grande e no balcão havia um homem. Partiu e entrou no primeiro banco que viu. Já no guichê, disparou: “Oi, amorzinho”. Obteve como resposta risos da moça que contou ser o “terceiro cliente” dela naquele dia.

Irritado e quase chorando, retornou a casa e escreveu ao ministro o seguinte e-mail: “Escute aqui! Sou um velho tarado e quase sem esperanças que ficou mais hipertenso por causa da sua prescrição. Da próxima vez seja mais prudente e ‘combine antes com as russas’, seu Mané!”
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Manolo Ramires
blogINparana
www.twitter.com/manoloramires

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Na interação das pessoas.


Na rua paro e avisto uma mulher a avistar uma árvore. Não só por causa disso, pois o sinal acaba de abrir. para os carros. Mas continuo por causa disso. Ela olha como se procurasse algo: era um ipê-amarelo. Avistava as flores interrogativamente, e eu procurando nela a resposta daquela procura. Não consigo achar algo que me satisfaça. O sinal fecha e eu sigo, então.

Uma leve brisa torna-se uma forte ventania, daquelas que levantam saias e entortam guarda-chuvas. Eu, sem um nem outro, continuo o caminho até a Praça Rui Barbosa. Na calçada, um jovem tenta sem sucesso arrumar os cabelos que, aos cachos, dançam a dança da chuva. O ruminar possíveis palavrões e xingamentos ao vento transforma-o num exemplar cômico, daqueles do tempo de Chaplin em seu cinema mudo. Passo por ele e nem me vê, sua ira aos ventos o cega. Por fim, a chuva cai. Estou com blusa impermeável e tênis fechado, nem ligo. Começa tímida, sem força: quase nem molha. Mas o desespero dos curitibanos é evidente; todos procuram por um toldo ou empunham suas sombrinhas, quase uma arma contra São Pedro. Mas há uma garota com uniforme de colégio que parece não sentir nem o vento nem a chuva. Absorta entre pensamentos, caminha displicente pela chuva que ganha força, engrossa. Noto que levanta o rosto para cima, como se quisesse enxergar quem enviou esse refresco natural. Fecha os olhos e deixa correr as gotas pelo rosto. Só pára o seu contentamento por que se aproxima de mim. Um pouco contida, olha para frente e continua como se não fizesse nada demais. E de fato nem é.

Chove, mas não em toda a cidade, pois vejo que o céu azul lá pras bandas do Estação ainda reina. Só uma nuvem passageira, pra lembrar que nada é definitivo nessa vida, nem mesmo o tempo. Porém sabemos que haverão sempre as quatro estações do ano em um único dia. Por aqui, São Pedro é bipolar, eu diria.

Na Rui Barbosa, ainda não há pombos, transeuntes dos céus curitibanos. Ainda. Só a chuva passar que eles voltam com força total. Dito e feito: a chuva passa. Alguns são tão petulantes que quase tiram a pipoca da mão das crianças . Ao ver o vôo rasante, identifico a arma sendo solta, vindo diretamente em mim, mas num passo para o lado , um senhor que vem atrás torna-se o alvo. Quase solto uma risada alta. E ele, com raiva, quase corre atrás do pombo, mas contêm-se em pegar seu lenço e passar no estrago feito. Olha-me com cara feia, talvez por ter deixado o campo livre para o ataque surpresa. O senhor é oriental; lembrei de Pearl Harbor na hora.

Sabe, passei a gostar mais dos dias chuvosos. Apesar de gostar do frescor da tarde ensolarada, a chuva nos faz prestar mais atenção na natureza ao redor. Fico perdido em pensamentos olhando as árvores e suas goteiras. Quando volto à realidade, noto que meu ônibus já está no ponto. Corro para não perdê-lo, senão só daqui uma hora.

Barba Ruiva

Quarenta Minutos 2

Chego ao tubo 17:15h, saída da escola, tumulto, confusão, brincadeiras e etc. ...

Sobe e desce, fura tubo, empurra, empurra. Vem o expresso, meio no embalo todos entram e se separam.

No expresso mães e filhos ocupam vários bancos.

Sento-me no lugar da menor da turma.

Então, continua o bate papo, ligeiramente interrompido por mim.

- E aí, você vai ver a Su?

- Vou. Sabe onde desce?

- Sei, mas tá longe.

- Você vai entrar?

- Vou.

- Nossa! Esquecemos de trazer água mineral!

- Não dá nada, quando chegar lá eu compro.

- Será que tem onde comprar?

- Deve ter só que é o olho da cara.

- Sabe vou arrumar minha mala e deixar pronta.

- Que mala? A Nova?

- É aquela bem bonita.

- Eu falei pra Andréia que ela tava grávida.

- É eu sei, mas ela disse que não.

- Que nada, ela está passando mal direto, só não quer assumir.

- Ela está com o carinha?

- Acho que não, falei com a mãe dela e ela me garantiu que a Andréia não quer nem saber dele.

- É! Mas ela vai ver só daqui a nove meses.

- Toma, pega a menina!

- Menino venha cá! Senta aqui.

- A Milena é minha filha.

Rola de mão em mão uma maçã toda mordida, não se perde nada nem o cabinho e muito menos as sementes.

Passamos em frente à delegacia e em seguida recomeçam.

- Você sabe que o Luizinho está preso?

- Não quero nem saber.

- Ele estava preso nesta delegacia. Como será que é?

- Não sei! Uma vez uma amiga me disse que parece um túnel, bem comprido e sem claridade alguma.

- Que ruim né!? Você veio visitar ele?

- Não nem pensá!

- Duvido! É só ele ser solto que ele vai aparecê na sua casa.

- Não quero nem pintado de ouro.

- Eu vou visitá ele. Ele tá aqui?

- Não, foi pra penitenciária.

- Mãe, mãe, este é um homem grávido?

- Não moleque, não existe grávido. Esta tira diz que este lugar é preferencial para pessoas idosas, gestantes que nem a mãe, pessoas com criança de colo, deficientes e gordos há,há.

- Sabe, vou lá visitá ele só pra dizer que ele é um otário.

- É , mas daí ele vai ficar mais bravo do que já é.

- Escuta, você viu aquela mala nova que ganhei? Acho que vou por tudo dentro dela.

- Falta muito?

- Tá longe. Milena dê lugar pros outros.

E o texto que eu estava tentando ler – nada.

Enquanto isto o ônibus começa a lotar em cada tubo.

- Sabe acho que quero fazer magistério.

- E você vai ter tempo?

- Não sei não.

- Dá pra Milena esta cartela de adesivo.

- Milena, olha o que a mulher te deu.

- Nossa que bonito! Gatinhos né mãe!

- Vou primeiro colocar no meu celular, diz a mãe.

- Deixa eu ver? Fala a companheira de Baco de Milena.

- É, mas é meu.

- Próxima parada: Comendador Araújo.

- Desço.

- A porta será fechada ...

E o expresso segue em frente...

domingo, 25 de abril de 2010

Celular na praça


Saindo do casarão para a praça, avistei uma senhora com ar de tristeza. Rodeada de sacolas estava sentada em um dos bancos ao redor da fonte. Passei adiante.

A tarefa solicitada era a de que andássemos pela feira ali instalada, em busca de alguma coisa que nos despertasse interesse. E que fosse inspiração para uma crônica.

Sem vontade muita vontade para a caminhada, olhei ao redor e avistei uma colega na barraca de pastéis. A ela me juntei. Pedido feito, sentamos para a degustação e um bate papo. Ao lado uma jovem mãe com duas crianças. Pequenas, no máximo três ou quatro anos. Noite amena, de um verão abrasador que chegava ao fim.

Que bonito, pensei comigo – vem com as crianças para um lanche, uma caminhada na praça, compras na feira. Menos por um detalhe. Ela não estava muito interessada na praça, no passeio, nas compras, nos filhos. Estes, brincavam num canto, ela os controlava com o olhar, mas a sua atenção estava mesmo no celular que mantinha colado ao ouvido falando em alto e bom tom. Coisas que naturalmente só interessavam a ela.

Que coisa irritante, disse a minha colega, com quem tinha dificuldades de conversar – interrompida a cada segundo pelos brados da senhora ao lado.

Ao celular, pessoas vem perdendo a noção de individualidade: a deles e a dos que os rodeiam. Que interesse há em se saber as particularidades umas das outras. Banalidades de suas vidas. Brigas e discussões. Meus ouvidos e todos os outros ouvidos, não merecem isso.

Pouco conversamos minha colega e eu. Quase impossível, a não ser que falássemos mais alto que ela. O intervalo acabou e voltei para a sala de aula sem saber sobre o que escrever. Aquela conversa ao celular tirou-me a concentração.

Visita à UTI

Sigo entre os corredores do hospital, passo pelos seguranças e recebo um adesivo de identificação que coloco de modo robótico em meu peito. Continuo a caminhada que finda em um corredor monocromático.
No corredor monocromático existem doze pessoas e cá estou entre elas velando o silêncio.O nosso grupo é dividido em duplas que procuram consolar-se conversando sobre fé em Deus e fazendo orações,porém, alguns optam por isolar-se falando ao celular, lendo os avisos nas paredes,ou, andando de maneira inquieta nessa curta passarela.
Depois de quinze minutos surge um homem de uniforme verde no corredor monocromático, com uma lista ele anuncia o nome dos pacientes e confere o nome dos visitantes. Abrem-se as portas e lá vamos nós aos nossos trinta minutos de encontro com o amor excessivo, com o medo da perda,com a alegria, com a desolação.Trinta minutos de beijos e abraços infindáveis, de lágrimas e segredos nunca revelados.Trinta minutos estrondosos de vida que ecoarão em nossas frágeis estruturas.

Abri-las não basta!

Abrí-las não basta...

Há que torná-las atrativas, interessantes, dinâmicas,para que os alunos sintam prazer em frequentá-la.
Há que remunerar dignamente os professores,para que também eles sintam prazer em seu trabalho.

Há que acabar com os inúteis ‘conselhos de classe’que só acontecem como ‘pró forma’.

Há que abolir a tal 'recuperação' que também só existe como pró forma ou forma de dar uma satisfação ao pais – pois reprovar alunos tornou-se politicamente incorreto.

ESCOLAS.

Abri-las não basta!


sexta-feira, 23 de abril de 2010

A casa de Joana

- Aí que mora a Joaninha?
- Sou eu! Entre e fique à vontade.
Joaninha desfila de lá para cá de salto alto e lingerie vermelha, enquanto finaliza a maquiagem frente ao espelho. De repente, aproxima-se e sussurra para eu a esperar no quarto.
Por que será que o apelido dessa mulher é Joaninha? Imagino que seja pelo bumbum avantajado. Mas... que mulher estranha, move-se igual uma travesti.
E lá vem Joaninha toda espalhafatosa para despertar-me dos pensamentos e tirar-me da letargia:
- Então, meu bem... qual será a posição?
- Posição?
- Sim meu filho! De ladinho, de costas?O que vai ser?
- E vê se escolhe logo, tá! Em seguida, tenho outro cliente com hora marcada, viu!
Que mulher insensível!
Sexo mecânico! Termino, bato as calças, entrego-lhe o dinheiro e sigo para casa onde encontro a minha digníssima esposa deitada na cama ao lado do nosso pequeno. Aproximo-me e a beijo suavemente, ela acorda e esbraveja:
- Vai dormir na sala, aqui não há lugar para você!
Há oito anos ela tornou-se desafetuosa! Na verdade, desde que o nosso filho nasceu é assim: eu bato as calças, coloco as calças, tiro as calças e durmo em minha casa ou em outra casa qualquer, com minha esposa ou qualquer outra, mulher insensível.

Herois e Heroinas.

Oi, meu nome é chapeuzinho vermelho. Ô inteligente! Claro que é meu apelido. Sempre foi, desde a época que eu era boazinha.
Mas não vou dizer meu nome verdadeiro de jeito nenhum. Nem sob ameaças de cócegas.

Sou uma menina muuuuuuuito má. Hoje vou levar alguns doces para vovozinha que mora no outro lado do bosque. Ela também não é flor que se cheire.

O que ninguém sabe que os doces, bolos e salgados são um disfarce. Na verdade embaixo de todas essas porcarias, digo, iguarias, escondo coisas muito mais interessantes.Por exemplo: pedras de crack, pacotinhos com maconha e outras cossitas do tipo.

É.Comecei cedo mesmo. No portão da escola onde estudo. E olha, que é um colégio caro. Fui iniciada diante do nariz dos diretores, supervisores da escola e sob a passividade cômoda de meus pais. No inicio, só queria ver como era a famosa viagem. Acabei gostando e não consigo mais parar.

Agora, divido tudo com vovozinha uma velha bem moderna que me incentiva no negócio. Ela me ajuda mesmo! Até para vender meu corpo quando falta grana, ela arruma uns clientes bem legais. Alguns chamam isso de prostituição infantil, mas não sou mais infantil.Tenho treze anos! Criança pra mim é até os cinco.

Meus pais nem se dão ao trabalho de saber aonde vou, com quem vou. Basta eu dar uma desculpa esfarrapada qualquer: - Vou estudar na casa da Cinderela - digo sempre.

No caminho da casa da vovó, andando pelo bosque, faço questão de deixar tudo emporcalhado. Deixo muitas garrafas pet pelo caminho, Acendo uma fogueirinha para espantar pássaros e insetos sem me importar se ela pode se alastrar.Tem um riacho onde jogo vários pacotes plásticos e vidros. Essa história de preservar a natureza é tudo balela.

Então, no meio do caminho me dá vontade de experimentar a mari joana... Vai dizer que não sabe o que é isso seu bocó? Pois vai ficar sem saber.Quando estou assim, fumando numa boa, e enchendo de fumaça tudo em volta,aproxima-se de mim aquele lobo idiota com uma conversa fiada. Eu gosto de chamá-lo de Lobobão. Antigamente, bem antigamente mesmo ele se chamava Lobo Mau.

Vejam só o papo careta do camarada:

- Bom dia menina!
- Hum...
- Você não sabe que é perigoso andar sozinha nessa floresta?
- Hum...
- Tem pessoas muito malvadas hoje em dia, que estão poluindo tudo.
- Hum...
- Onde você está indo? Na casa de sua vozinha?
- Hum...
- Você leva muitos salgadinhos e doces para ela?
- Hum...
- Tem que tomar cuidado com saúde daquela senhora! Muitos doces e salgados podem desencadear o diabetes ou aumentar o colesterol.
- Hum... (Será que o idiota não sabe que a má aqui sou eu, e o que tenho na cesta?)
- Mas a manhã já está alta. É melhor você ir andando.

Então tenho uma grande ideia. Vou pedir ajuda da vovozinha para prender este lobo.Podemos sacrificá-lo, tirar a pele e fazer um casaco. Vendendo o casaco poderemos ter mais uma graninha e incrementar nosso negócio... Bem, vocês sabem o qual né?

- Seu bobo, digo, seu lobo! Estou com medo. Você me acompanha até a casa da vovó?
- Claro Senhorita! Será um prazer protegê-la dos perigos.
- Então vamos Lobo Bom. (Idiota lobobão)

Bem, então lá vamos nós até a casa da vovozinha. Já estou com meus planos traçados.
Espero que nenhum desses insuportáveis super heróis, que ainda não viraram a casaca, estraguem meus planos: matar o lobo bom. Ou lobobão... Sei lá...


Ferdinanda.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Deve ser culpa do Bolsa Família.

Tarde dessas, aguardava o vermelhão em um tubo da região central, quando, como de costume, percebi-me interessada por mais uma daquelas conversas típicas de transporte coletivo. Parece que tenho prazer em me entreter com o ridículo, com o irritante, com o fútil, com o banal. Sim, porque eu odeio as tais conversas típicas, mas sempre me pego atenta a uma delas. Não, não. Acho que o prazer está em refletir sobre elas, comentar com os outros, descobrir o que pensam a respeito e criticar, criticar, criticar. Eis o meu verdadeiro prazer. Confesso, sem rubras faces. Mas, vamos ao fato!
A personagem: mocinha magrela, vinte e alguma coisinha – se tanto -, aliança dourada - mas já sem brilho - na mão esquerda, bolsa gasta a tiracolo, jeans e camiseta, cabelo por fazer.
A situação: uma e pouco da tarde, terça-feira quente na fria Curitiba, a mocinha falando ao celular. Do outro lado – provavelmente – o moço com o qual trocou alianças sem brilho.
Agora, sim, a conversa:
- Ah, não, amor, já tô indo pra casa. Cansei de ficar no salão...
(ouve por alguns segundos)
- Ah, pouco movimento, cliente tem, mas cansa ficar esperando entre uma e outra. Não vale a pena! A Vânia também disse que logo vai...
(ouve por alguns segundos)
- Mas a gente tem aquele dinheiro que está comigo, amor... (ouve). Eu já te falei: seis reais.
Arregalo os olhos – acho que até demonstrei, vergonhosamente, o interesse na conversa alheia, mas...
(ouve por alguns segundos)
- Claro que eu almocei, amor, isso você sabe que eu não deixo de fazer... Comi um salgado daqueles com vina e tomei um refrigerante. Bem capaz que eu não ia almoçar, da minha saúde eu cuido.
Agora sim, meus olhos quase saltaram das órbitas. Preocupei-me um pouco por ter denunciado minha falta de educação. Mas logo a dor na consciência cedeu lugar ao meu senso crítico, excessivamente crítico. Se ela estava falando alto, ali, no tubo do vermelhão, era porque não se incomodava que a ouvissem.
- Blá, blá, blá...
O que me questiono é o que leva uma jovem aparentemente saudável, pobre, provavelmente despreparada para o mercado de trabalho - e para vida, diga-se de passagem -, sair do serviço em uma terça-feira ensolarada, almoçar um salgado com vina – e acreditar que está se cuidando -, ter coragem de contar uma coisa dessas para o marido e ainda achar que está cheia da grana – SEISSSS REAIS, para dividir com o moço... Emprego ela tem, só não quer trabalhar. Deve ser culpa do Bolsa Família...
Bem que eu poderia ter me poupado da indignação, continuado na companhia de Maria Gadu, ao invés de manter os fones nos ouvidos – tentando disfarçar – e a música pausada para ouvir melhor a conversa da mocinha. O que me contenta é que a situação me rendeu o prazer de relatá-la um milhão de vezes, ansiosa pela reação das pessoas, louca para criticar a mocinha e, consequentemente, todos aqueles que como ela são um peso social mais por opção que necessariamente por fatalidade.
Já me disseram que estou parecendo Caco Antibes...
O pior é que odeio que prestem atenção quando falo ao telefone. Humm...o que será que contam de mim por aí? Sai de baixo!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Caríssimos,

Convido-os para a leitura de três artigos, assunto para a próxima aula.

http://colheradacultural.com.br/content/20091104225226.000.4-M.php
http://cynthiasemiramis.org/?p=496
http://aeiou.expresso.pt/polemica-humorista-frances-brinca-com-a-morte-de-sarkozy=f576327

Monica

QUARENTA MINUTOS


Chego ao tubo 17:15h, saída da escola, tumulto, confusão, brincadeiras e etc. ...
Sobe e desce, fura tubo, empurra, empurra. Vem o expresso, meio no embalo todos entram e se separam.

Vou para a frente entre a porta 1 e 2, paro ao lado dos bancos preferenciais ocupados por duas mães com seus cinco filhos; mas o que chama atenção é o modo com que ocupam os bancos, uma no banco da frente com uma menina pequena deitada de bruços no banco ao lado e a outra no banco de trás tendo a seu lado uma juvenil, no banco que faz frente com a primeira mãe duas pequenas com não mais de cinco anos, sem contar o menino em outro banco na fila ao lado.

Peço para sentar no lugar da pequenininha, a “mãe” que estava ao lado me olha com um semblante de interrogação, mas pega a menina no colo e depois dá continuidade à conversa com a amiga.

- E aí, você vai ver a Su?
- Vou. Sabe onde desce?
- Sei, mas tá longe.
- Você vai entrar?
- Vou.
- Nossa! Esquecemos de trazer água mineral!
- Não dá nada, quando chegar lá eu compro.
- Será que tem onde comprar?
- Deve ter só que é o olho da cara.
- Sabe vou arrumar minha mala e deixar pronta.
- Que mala? A Nova?
- É aquela bem bonita.
- Eu falei pra Andréia que ela tava grávida.
- É eu sei, mas ela disse que não.
- Que nada, ela está passando mal direto, só não quer assumir.
- Ela está com o carinha?
- Acho que não, falei com a mãe dela e ela me garantiu que a Andréia não quer nem saber dele.
- É! Mas ela vai ver só daqui a nove meses.

Nesse momento ela passa a menina pequena por cima da cabeça para o banco de trás, olha para mim e diz que a mãe é a outra. Pega no colo o pequeno que havia saído do lugar e diz para mim que ele e a Milena (que está sentada de frente para nós) é que são seus filhos.
Rola de mão em mão uma maçã toda mordida, não se perde nada, pois não vi o cabinho e nem as sementes.
Passamos em frente à delegacia e em seguida ela – a que esta ao meu lado – recomeça.

- Você sabe que o Luizinho está preso?
- Não quero nem saber.
- Ele estava preso nesta delegacia. Como será que é?
- Não sei! Uma vez uma amiga me disse que parece um túnel, bem comprido e sem claridade alguma.
- Que ruim né!? Você veio visitar ele?
- Não, nem pensá!
- Há duvido, é só ele ser solto que ele vai aparecê na sua casa.
- Não quero nem pintado de ouro.
- Eu vou visitá ele. Ele tá aqui?
- Não, foi pra penitenciária.
- Mãe, mãe, este é um homem grávido?
- Não moleque, não existe grávido. Esta tira diz que este lugar é preferencial para pessoas idosas, gestantes (que nem a mãe), pessoas com criança de colo, deficientes e gordos há,há.
- Sabe, vou lá visitá ele só pra dizer que ele é um otário.
- É , mas daí ele vai ficar mais bravo do que já é.
- Escuta, você viu aquela mala nova que ganhei? Acho que vou por tudo dentro dela.
- Falta muito?
- Tá longe. Milena dê lugar pros outros.

A menina fica de pé na frente do banco, se aproxima de mim, que até então estava tentando ler o texto de Italo Calvino – Leveza, olha, me observa, vira de costas e sobe no banco de joelhos.
Enquanto isto o ônibus começa a lotar em cada tubo.

- Sabe acho que quero fazer magistério.
- E você vai ter tempo?
- Não sei não.
Separo uma cartela de adesivos para dar a Milena, mas como ela está de costas para mim entrego à sua mãe e me levanto para descer.
- Milena, olha o que a mulher te deu.
- Nossa que bonito! Gatinhos né mãe!
- Vou primeiro colocar no meu celular, diz a mãe.
- Deixa eu ver? Fala a companheira de banco de Milena.
- É, mas é meu.
- Próxima parada: Comendador Araújo.
- Desço.
- A porta será fechada ...

E o expresso segue em frente...
Malu

domingo, 18 de abril de 2010

Tô profundo.

Quando a gente cansa de olhar pra fora, a gente olha pra dentro. É assim com os ônibus: de vez em quando ando por rotas em que não há nada pra ver pelas janelas; outras vezes, já enjoei das perspectivas repetidas e não consigo, realmente, observar nada que está fora. Daí eu leio.

Falei de “olhar pra dentro” e meu exemplo pode tê-los enganado, mas eu queria ser profundo. Porque hoje eu tô profundo, sabe? Mas ao mesmo tempo o exemplo não disfarçou muita coisa porque afinal... Sabe de uma coisa? Vou deixar de introdução: leiam!

Leminski ficou famoso por ser beberrão, comunista e pagar a conta do bar com poemas escritos em guardanapo. E por ter escrito uma lista de coisas a fazer antes de escrever "um bom poema". Vinícius também listou coisas necessárias "para viver um grande amor". (Não falei que estava profundo? Mas, melhor do que ser profundo, é sê-lo ao lado dos grandes. Num próximo texto, chamarei a ambos de Lele e Vini, tamanha a intimidade).

A professora indica uma lista de premissas interessantes para uma boa crônica: falar sobre o outono, meditar sobre as verduras da feira próxima ou exercitar a criação de diálogos verossímeis. Nenhuma dessas coisas me inspira muito. “Vai pra janela, olhar pra fora”.

Resolvo, então, olhar pra dentro. De mim e do livro de lugar-comum, como chamo meu caderno de aleatoriedades. Há de tudo aqui: aulas de francês, notas do núcleo de prática jurídica, letras de música, sonhos anotados com pressa, exercícios de estilo de tipografias, monstrinhos saindo de xícaras de café, o rascunho do início do capítulo final do romance que tentei escrever, observações da orientadora sobre minha monografia e divagações sobre amizade. Ah, há também o e-mail do curso de sânscrito para crianças.

Posso descrever a boba empolgação logo depois de sua aquisição, ainda intocado. Apesar de barato, possui contracapa em papel cartão 650g (como uma prancheta) e pauta na cor preta (a tradicional, azul clarinho, me deprime de tão feia). Ou posso digredir sobre o que tanto escrevi nele: lembrar dos dias em que me acompanhou, no bolso ou na mochila, e das ocasiões em que fiz cada anotação. Consigo abstrair dos escritos, pelo tom ou pela letra, como estava: se queria dançar ou matar o primeiro que me passasse pela frente.

Acho que o mais interessante, mesmo, é o olhar pra dentro: usando o caderno como  espelho. Ali estou eu, transcrito, dum jeito que qualquer um dotado do mínimo de loucura necessário à tarefa poderia escrever uma biografia se o roubasse. Ou fazer uma colagem teatral pós-moderna, ou, até mesmo, um romance de formação (Gente, como isso soou intelectual: combinou com os óculos que eu insisto em usar.)

Creio que seria mais fácil dizer que a última coisa escrita nele foi uma crônica. Não uma crônica comum: uma daquelas bem profundas. Começa assim: “Quando a gente cansa de olhar pra fora, a gente olha pra dentro (...)”.

Tuca.

Agradecimentos ao twitter da @vanifacts, pela tag que inspirou o título, e à @samantamanta, pelos coffee monsters que sempre desenho. =)

Diálogos....


Observando diálogos e entre eles alguns monólogos (quantos não acreditam estabelecer uma comunicação e estão na realidde falando sozinhos?), penso que esta interação é nata ao ser humano.
Queremos falar, expressar nossas opiniões, sentimentos e tudo o mais que for possível através das palavras. Fazemor rir, chorar, pensar... Mas o fator primário é atrair a atenção para que possamos nos sentir próximos, pertencentes á algum lugar, um grupo...
Tem-se a impressão, algumas vezes,, que mesmo deixando claro nossas ideias ainda somos mal interpretados e que uma crônica pode ser a saída para 'discutir' o assunto pendente.
O outro em questão pode até não ler, mas o que importa neste caso foi o que eu escrevi!
Falei tudo o que pensava e agora? Me identifico? Revelo-me ou deixo o mistério no ar?
Quem sabe deixar em 'off' seja mais interessante. E quem disse que meu texto é interessante?
Ah, sei lá... esse diálogo está muito monótono...
Você nem fala nada...
Vou indo, volto outro dia quando tiver assunto.
Caríssimos,

Montei os marcadores, como prometido. Peço que cada um de vocês agora, ao postar, incluam seu nome exatamente como constam dos marcadores (é uma caixinha logo no final do espaço reservado à postagem).

Caso eu não tenha grafado o nome de vocês como desejado, levo o notebook na próxima aula e alteramos.

Abraços e até quinta,
Monica

sábado, 17 de abril de 2010

Fissão Nuclear

Um dia sentado na praça, sentindo o vento no rosto e pensando em qualquer coisa,respirei fundo e chorei. O mais trancafiado, dolorido e libertário choro. Era como se a torneira fosse aberta e não tivesse mais como fechar. E ao mesmo tempo eu sorria, como se visse graça naquela cara de bobo que fazia ao chorar. O corpo tremia igual vara verde. Eram espasmos jorrando corpo à fora. Uma revolta interna que finalmente chegou à superfície e com isso alcançara a liberdade. Eu trancafiava aqueles sentimentos misturados em forma de angústia. E, tal qual uma bomba, explodiu.
Fui sentindo a poeira baixar, cada fragmento plainando no ar até encostar no chão. A vista que estava turva, embaçada, agora conseguia avistar o horizonte. O mundo não havia acabado, nem mesmo sentido sequer abalo com a voracidade da bomba. O dia fazia sol, com vento refrescante.
Limpei os olhos com as mãos e funguei a coriza. Nada havia mudado. As pessoas andavam normalmente pela rua, passando pelo meio da praça e seguindo adiante. Respirei fundo e levantei. Abri um sorriso e segui adiante tão leve quanto uma molécula de hidrogênio.

Barba Ruiva

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sonhos de um cão

Sou um cachorro sem nome,sem raça, sem coleira que anda sem rumo pelas ruas de uma cidade sem coração durante as horas,os dias, as noites a vida...

Eu e meus companheiros amamos e desfrutamos a nossa liberdade. Até então, eu latia dizendo que achava divertido as grandes emoções com que nos deparamos, contando apenas com incertezas, precariedades e perigos.Mas na realidade, eu e meus amigos caninos sempre escondemos uns dos outros grandes segredos:as nossas fantasias e temores.

Agora que o tempo passou e não sou mais tão jovem, essa vida de boêmio já não me faz a cabeça. Meu momento para essas loucas aventuras passou.

Na noite passada, talvez pelo efeito do vinho que roubamos do bar da esquina e entornamos tudo de uma só vez,sonhei enquanto dormia,as vezes sonho acordado também, com uma casa linda.Era a casa dos meus sonhos:uma residência com um quintal seguro, enorme enfeitado com grandes árvores, onde crianças bem cuidadas e amadas corriam.

Tinha um jardim com flores coloridas, e diariamente algumas delas eram colhidas pela mãe dos pequenos para enfeitar a sala de estar. Um papagaio percorria livre pelas árvores, e apesar de poliglota, não era fofoqueiro e nem metido a besta.
Não faltava o cheirinho delicioso de bolo de fubá, que tornava azuis as tardes de sábado.

Nas noites frias, eu podia dormir próximo ao calor de uma lareira admirando a luz quente, acolhedora e macia do fogo.Como não podia faltar numa casa, um gato folgado dormia ronronante sobre minhas costa. Mas era bom,pois me aquecia...
No verão eu dormia na varanda olhando as estrelas. As vezes sentia a luz da lua nos olhos. Ah, isso me lembrava a rua... Mas sem saudades.

Quando amanhecia, as crianças assim que acordavam corriam dos seus quartos e eram acolhidas e abençoadas por seus pais.E depois de um farto café da manhã, iam para a escola sempre brincando comigo e me chamando pelo nome que me deram.Como é bom ter uma identidade e ser único!

Quando não tinham aulas, faziam carícias nos meus pelos negros e diziam: - venha cachorrinho, vamos passear com a gente!
Nas horas de refeições havia uma deliciosa ração composta de carne, e até um osso de sobremesa... Que delicia!

Porém acordei e triste constatei que não passava de um sonho. Mas não vou chorar.Vou secar estas lágrimas teimosas, pois dizem que o cão escolhe seu dono.
Conheço uma casa na Rua dos Eucaliptos onde mora uma menina loura com sardas no rosto.Sei que ela se chama Carmencita. Pois vou parar na frente dessa residencia e quando a garotinha sair para brincar, vou latir com todo o meu charme fazendo cara de bom bicho.

Então, certamente ela vai dizer: - venha cachorrinho lindo. Vou cuidar de você!

Assim vou conseguir viver num mundo melhor que esse mundo cão que vivo agora.
AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU...


Ferdinanda.

A alta costura nos binários curitibanos


Crônicas Curitibanas

A nova moda da estação em Curitiba é guinchar carros e motos. Coleção introduzida com inúmeros binários, faixas amarelas e placas ovais. Moda clean em que os modelos dos carros só estão de passagem. Sempre de desfile. Sem chance de estacionar na passarela das ruas. Mas é claro que alguns estilistas insistem – por desatualização ou estilo retrô – na paradinha, melhor, na pose. E são esses estilistas que fazem a nova coleção da Diretran ficar bem na foto.

Moda como a dos agentes de trânsito, típicos críticos de estilo e glamour. São eles que confeccionam as tendências das avenidas. Como a agente que, sorridente, chama o reboque: “Atenção, tesoura para Punto vermelho, ano 2009, flex, trio elétrico, rodas liga-leves, na Brigadeiro com a Vicente”; ou “necessito urgente de gloss para Prisma prata na Visconde”.

Geralmente, esses códigos e manuais informais são combinados durante o almoço, quando até fotos dos artigos e vestidos – carros e motos – são trocados e comentados pelos especialistas: “Eu apreendi um gol”. “Démodé”. “Eu retive um C3”. “Esse tem estilo”. “Sabe que gosto de Clios e do Ka”? “Pois eu, há dois dias, apreendi um Jetta”, contou a agente como se participasse de um evento de Versace.

O curioso nesta nova moda é o público comum que vai nos carros e motos. Ele costumeiramente não sabe aderir às novas tendências com garbo e retidão. O tal manual de etiqueta. Como no caso do homem que teve seu Mini Cooper amarelo com faixas frontais azuis pedagiado por estacionar no Centro. Corrijo a imprecisão: …teve o fraque recolhido por vestir-se inapropriadamente em passarela central. Pois não é que o lord recusou a se despir daquela avenida. Não, não era desobediência à elegância. Ele apenas rechaçava o costume do caminhãozinho que o levaria. Bateu o salto: “Meu Cooper não vai neste Agrale”. Traduzindo: “Prada não combina com moda Renner”. E ficou neste “provador” até que chegasse um guincho cujo “corte” permitisse que o seu modelito pudesse ser exibido nos novos binários da cidade. É muito fashion.

Manolo Ramires


terça-feira, 13 de abril de 2010

Assim sou eu.

Transitar pelas ruas, ônibus, shoppings e outros espaços públicos me faz querer os espaços vazios. Aqueles espaços onde não há ninguém. Nem mesmo lojas, nem lanchonetes. Nada. E nem mesmo os parques, porque hoje em dia estão cheios de famílias barulhentas. Não há mais lugar para o esperado sossego. Mas aí não se tem mais nada para se fazer, esse é o problema. Porque eu só observo.

Eu odeio, detesto, abomino. Procurarei outros sinônimos no dicionário para isso que eu sinto, por hora esses já me bastam. Essa aversão que sinto pelas pessoas, em específico as crianças. Sim, pois são muito barulhentas. Choram por qualquer coisa; quando não são apáticas, tal qual bonecos manipulados pelos pais, e não é do tipo dos bonecos de hoje em dia que interagem com frases feitas e tudo mais: são caladas, mudas telepáticas. E quando resolvem botar a mão aonde não devem? Geralmente bagunçam ou quebram alguma coisa. Os pais? Isentam-se por ser uma criança, como se todos tivessem que agüentar os frutos das suas irresponsabilidades. Eu as odeio e pronto.

Não existindo as crianças, ficaria feliz: que perfeito extermínio. Mas digam-me: o que fazer com os pais? Sim, pois são eles alguma coisa sem as crianças? Elas são o reino deles. Sem elas, eles ficam intragáveis. Senhores da razão, com exemplos e causas e efeitos aos montes para defender as suas teses, provando que estamos sempre errados. Mas na verdade acho que os pais são seres completamente manipulados. É só fazer o que eles querem, ou fazer com que eles achem que estamos fazendo o que querem. Aí então você consegue qualquer coisa. Até as crianças sabem disso. Eu os detesto e pronto.

Mas esqueci dos seres intermediários: os jovens. Nem adultos, nem crianças. A mistura da birra infantil com a pseudo-sabedoria adulta. Esses seres se sentem sempre superiores às crianças, pelo simples fato de serem mais velhos; superiores aos adultos, pois o frescor do novo lhes é a verdade para o mundo, tentando assim mudar toda e qualquer concepção da vida, aquela aprendida pelos pais durante a vida toda(30 ou 40 anos?), derrubada por simples frases sem sentido: Você tá pirando mãe, tudo é relativo! Einstein revira-se na cova, certeza. Eles serão (ou tentarão) sempre ser superiores a tudo e a todos. Eles têm o poder da informação! Mas nem sabem usá-lo, coitados. Não sabem nada sobre coisa alguma. Eu os abomino e pronto.

Sim, ainda tem mais algum ser que tenho repulsa: os idosos. Ô racinha, viu! Nem preciso falar muito para demonstrar a raiva que sinto. Eles sabem de tudo e de todos, a idade funciona como se fosse um doutorado sobre qualquer assunto que exista na face da Terra e arredores. E a birra resgatada da infância? Essa vem com tanta força que consegue ser pior que a infantil. E por ser ancião, por vezes esquece-se de quase tudo: datas, pessoas, coisas, lugares, sobretudo da vergonha. Ocorre com eles o que nas crianças chama-se de "inocência", sendo a desculpa para toda e qualquer falácia cometida, perde-se o pudor mesmo.

Enfim, cansei até de falar sobre coisas que não gosto, mas eu precisava. Preciso, aliás. Sempre. E nem preciso me aprofundar sobre cada um, pois conseguem ser condenados por suas próprias ações. Somente eu tenho esse direito de reclamar de algo, pois sou quem os faz assim como são. Eu os transformo nas melhores ou nas piores pessoas do mundo. Eu na verdade os deixo viver nesse mundo. Só quero mostrar o problema deles: a inveja. Nunca estão satisfeitos com o que são. No fundo, mas bem no fundo mesmo, todos querem ser o outro e por isso se apropriam de características que passaram da sua idade ou nem sequer fez parte dela. Uma maneira de voltar ou subir na escala etária. Nunca conseguirão, porém. Tentando, eles se tornam essa bagunça insuportável que eu tenho vontade de exterminar da face de qualquer mundo ou galáxia. Sim, eu sou extremista, mas não sou Deus. E é dessa forma que eu me apresento: Prazer, eu sou o Narrador.

Barba Ruiva

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A verdade veste-se de versões


Crônicas Curitibanas
A verdade veste-se de versões

Rodolfo chegou ao trabalho com o nariz queimado. Risco médio bem ao lado do olho esquerdo. Um ferimento qualquer se ele não fosse alto, loiro e de sorriso sedutor. Uma indiferente ranhura se ele não tivesse a instrução curitibana, melhor, lapiana. Rudi é daqueles típicos guris simpáticos e educados, que preservam a família e os amigos como valoriza uma montaria. Um tropeiro moderno a utilizar gel, camisa da Richards e celular touch screen. Por isso, qualquer alteração na face de Rodolfo é um desastre monumental, uma chance para questionar a sua reputação. E a verdade, meus amigos, veste-se de versões.

No trabalho foi exatamente o que fizeram. Alguns com mais ironia, outros com pitadas de maldade. Rodolfo trabalha basicamente com homens. Não revelo onde, pois as mulheres podem atrapalhar a rotinha de trabalho e porque a namorada dele não ficaria feliz. Tanto que ela foi responsável pela queimadura. Viu uma menina dar em cima de Rodolfo e partiu para acertar as contas. Rodolfo, ao tentar separá-las, levou o arranhão da ciumenta. Foi a primeira versão do dia, levantada pelo colega graduado da mesa ao lado. Rodolfo concordou.

– Tens razão.

Que nada, goza o carregador que não tem o segundo grau. Para ele, Rodolfo rasgou o nariz com anzol e inexperiência enquanto mudava de lazer em qualquer ribeirão. E o pior: tudo pra pescar lambari. Rodolfo não negou.

– Também pode ser.

Já seu chefe foi mais lógico. Não menos maroto. Rodolfo estava galopando com Fracionado quando resolveu se exibir. Pra quem, o patrão não definiu. Apenas contou a todos que Fracionado disparou pela chácara e, como é de costume, mudou a direção do galope. Rodolfo foi surpreendido, se desequilibrou, mas se manteve nas rédeas. O saldo deste cavalheiro foi o arranhão nas narinas e a vergonha diante daqueles que o chefe ainda não conseguiu definir quem é. Rodolfo não se opôs.

– Acredito que seja possível.

E as versões foram sendo criadas conforme Rodolfo percorria a empresa. Algumas com mais criatividade, outras com obviedade e hipóteses repetidas. Rodolfo teria se queimado com bituca de cigarro (três opiniões), com a haste do chimarrão (uma tentativa), arranhado pelo gato da namorada (duas), estourado uma espinha, se cortado com o abridor de vinhos (um juízo) e tido uma simples coceira.
– Não nego.
– Estava muito quente.
– Adoro animais.
– Espinha Arranha?
– O abridor pulou com a pressão.
– É, tenho alergia a lenços de papel.

Toda vez que uma nova verdade aparecia, Rodolfo concordava com ela, pois tudo isso o divertia muito, ciente que a negativa de uma versão não é coisa que um cavalheiro faça. Muitas versões sobre um fato não compõe a realidade, uma negação sobre uma versão pode abotoar a verdade. Por isso, Rodolfo foi embora para a casa dos pais esperando por mais duas suposições diferentes e únicas. Chegando lá, viu sua mãe sentada no sofá a tricotar um suéter e assistir missa do padre Reginaldo. Ela, ao ver o talho no rosto do gurizinho, se assustou, saltou e correu em direção ao filho logo o interpelando:

– Meu Rodolfinho, pra mamãezita você pode dizer o que aconteceu. Mamãe acredita.

Elas sempre creem em nossas versões.
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domingo, 11 de abril de 2010

A Volupia do Orvalho.

A madrugada é quente. Muito quente. A lua cheia não poderia faltar nessa noite, fazendo parte do cenário e sendo testemunha ocular de tudo o que ocorreu. Olha calada cada detalhe e fleumática, misteriosa esconde o que pensa.

Estou sem um pingo de sono. Saio da cama e vou andando até o jardim. O cenário que me deparo é mágico. O perfume das flores se manifesta exacerbado. Uma brisa morna sopra suavemente me acolhendo. Tudo é tão suave...

No céu, astros azuis cintilam distantes apagados pelo brilho da lua. Alguns pirilampos vagam perto das flores. Fecho os olhos para desfrutar esse momento com toda a intensidade. Fico torcendo para que não seja um sonho, apesar de tanta beleza e paz.

Ouço então, um delicado sussurro vindo do canteiro de rosas, que fica embaixo de um cajueiro. A lua tornava todo o panorama ainda mais vibrante. Parecia um coração enorme pulsando no meu jardim em plena madrugada. Minha curiosidade vence o medo, e me aproximo silenciosa...

Vou tentar colocar em palavras o que ouvi e assisti e que sempre guardarei comigo armazenado na memória. Era um diálogo num tom calmo, afetuoso aproximadamente assim:

- Ah! Esse perfume... Esse perfume me inebria, enlouquece...
- Acho que você diz isso para todas as rosas.
- Não! Por favor... Não repita mais tal blasfêmia. Minha vida é tão breve. Você é tão linda...
- Já estou cansada de ouvir sempre a mesma coisa! Seja mais criativo.
- Eu te amo!
- Eu pedi para ser criativo! Todos me dizem isso...
- Minha vida é tão curta. Deixa-me ser feliz por um momento...
- Como poderia fazê-lo feliz? Você aí em cima...(Ri colocando a mão na boca)
- Ah, como queria por um momento apenas, desfrutar o veludo de suas pétalas. Sentir a doçura do néctar contido no seu cálice... Aspirar mais de perto o seu perfume. Seu cheiro tem um pouco, ou muito da magia dos deuses.Você é a minha deusa. Preciso de você para ser feliz por um minuto apenas...
- Hã... Tá começando a ficar criativo. Gosto de elogios. Continua...
- Sua voz é tão suave. Você é a rainha que impera nesse jardim. Pudesse eu por um segundo, me aconchegar em sua maciez... Então diria que minha vida que é tão breve valeu a pena.
- Não seja dramático! Olhe ao redor: existem muitas outras semelhantes a mim.
- É você que eu amo. É você que eu quero. É por você que nasci aqui tão perto.
- Já ouvi coisas semelhantes tantas vezes... Mas acho que ninguém falou com tanto carinho.
- É tão tarde... Por favor me faz feliz enquanto existo... Minha vida é efêmera...
- Não basta pra você, admirar-me aí de cima?
- Preciso acariciá-la com toda a ternura que guardo na alma. Senti-la perto. Deixe-me tocá-la com minha candura e leveza, assim partirei feliz.
- Então venha! - Disse a rosa vermelha entreabrindo as pétalas.

E uma brisa suave moveu delicadamente o orvalho apaixonado, da folha de cajueiro até a flor.

Não sei o que se passou ali, mas minutos depois talvez por felicidade o orvalho explode e transforma-se em centenas de partículas enfeitando todas as pétalas da rosa, que brilhava vaidosa na luz do luar.

De repente acordo com um raio de sol tocando meus olhos e sentindo cócegas no rosto. Estou deitada na grama com os cabelos repletos de folhas secas. Uma joaninha passeia na minha face enfeitando-me o nariz.

Não sei se foi sonho ou magia da lua. Nunca vou saber. Mas lá estava a rosa refestelada, despreocupada, despudorada aos beijos com um colibri.


Ferdinanda Embrião.

sábado, 10 de abril de 2010

Numa noite fria...



Sozinha no quarto, numa dessas aconchegantes noites geladas de Curitiba, ela tem um sobressalto. Precisa ver gente. Sente uma necessidade louca de contato humano. Pensa em sair.
- Mas já é tarde! Tá frio à beça!
- Deixa de ser boba, vai ficar morgando em casa por quê?
- Morgando, ora essa! Até parece.
- Morgando sim senhora! Parece uma tiazona encalhada, toda entrouxada dentro da casca. Com medo da vida.
- Ah! Me deixa. Eu tô bem assim.
- Está bem assim, uma ova. Eu que sei. Esquece queridinha quem é que passa as vinte e quatro horas do dia ouvindo a imensa ladainha de suas lamúrias?
- Lamúrias?
- Lamúrias, sim. E das mais irritantes.
- Tá bom. Mas ir pra onde? E fazer o que? Ninguém vai ser maluco o suficiente pra querer sair comigo nesse frio e a essa hora.
- Hum, sei não! Aposto que...
- Para! Não começa. Ele não...
- Ele não? Como assim, ele não?
- Ele não.
- Ah tá! Vai querer bancar a durona agora! Pra cima de mim. Ah! Vê se te enxerga criatura. Quem não te conhece que te compre. Pega logo este telefone e liga pra ele.
- Será?
- Lógico. Anda.
- Melhor não.
- Por que não?
- Ah! Sei lá.
- Deixa de frescura. Liga pro cara!
- Mas o que eu vou dizer? Não. Não vou ligar. Pronto. Tá decidido. Vou chamar uma pizza e ver um filme na TV.
- Liga pro cara!
- Ele vai achar que eu sou uma oferecida...
- Liga pro cara!
- E se ele...
- Liga logo pro cara!
Nisso, pela janela, vê um grande clarão seguido de um barulho aterrador. O forte trovão deixou a cidade às escuras.
Num impulso, passou a mão no telefone. Mudo. Sem sinal.
Tateia desesperadamente o quarto à procura do celular. Sem bateria.
- E agora?
- Agora, vira pro lado e vai dormir sua tonta! Arremata mordaz como um punhal, a voz impiedosa da sua consciência.

Por André Luís Fernandes Dutra – Em 08 de abril de 2010.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Com a bênção de São Cristóvão.

Não que eu me preocupe demasiadamente com as conversas alheias ou sofra de uma grave sociofobia, mas a idéia de trafegar em um transporte coletivo me causa arrepios: pensar que serei obrigada a ouvir ridículas e absurdas tagarelices provenientes de todos os lados ou, pior, muito pior, pensar que alguém pode entender que estou extremamente solitária na companhia de meu livro - nunca saio sem levar um - e resolver trocar palavrinhas sem nexo comigo.
Eis que hoje não houve escapatória e fui obrigada a encarar um biarticulado daqueles um tanto lotados. Logo de início percebi que não seria uma tarefa fácil, mas tentei manter o humor. O primeiro ônibus a chegar lotou, lotou de uma maneira que se resolvesse entrar nele certamente viraria uma sardinha enlatada. Então resolvi, calmamente, sem qualquer indignação, esperar pelo próximo carro. Em pouquíssimos minutos, mas suficientes para que a plataforma de embarque ficasse repleta de indivíduos pouco educados, apressados e potenciais tagarelas sem assunto, surge o que todos acreditavam ser o próximo vermelhão. RECOLHE 14 HORAS, dizia a plaqueta grudada no pára-brisa do ônibus, que parou fora da plataforma de embarque.
Naquele momento, 14 horas; a plaqueta era clara; o motorista parou fora do local onde habitualmente se embarca. Mas não, isso não foi o suficiente para que aqueles indivíduos pouco educados, apressados e potenciais tagarelas sem assunto percebessem que aquele não era o ônibus que há horas esperavam. Fiquei quietinha à espera do próximo. Mas o bando movimentou-se para lá, em direção ao ônibus, a postos como em um campo de batalha. A porta de entrada obviamente não se abriu. E...foi como se mundo estivesse desmoronando para aqueles indivíduos que, diante de suas espertezas, sequer perceberam que logo atrás estava o tão esperado transporte. Reclamações, xingamentos ao motorista, comentários sem pé nem cabeça... Meu São Cristóvão!!!
Após esse rápido episódio, já aconchegada em um banco individual, para evitar qualquer companhia que não fosse Eça de Queirós, percebo uma senhora suspeita adentrando ao ônibus. E eis que minha suspeita imediatamente se confirma: ela era mesmo uma tagarela sem assunto. E, durante um bom tempo de minha viagem, seus diálogos pareciam misturar-se com os de Padre Amaro. Era impossível não ter ouvidos e mente invadidos pelas palavras incessantes da agradável senhorinha.
Soube que hoje ela tirou o dia para pisar sem querer nos pés das pessoas, mas sorte que ela pisa bem devagarzinho. Soube que Amaro era um menino muito mentiroso. Soube que hoje ela tinha andado em 16 ônibus e ainda pegaria mais 08, e olha que a maioria deles eram desses de 04 portas e não 05. Soube que, por decisão da Marquesa, Amaro iria para o seminário aos 15 anos. Soube que a tagarela foi várias vezes ao Hospital de Olhos, sofre de dor nas pernas, mas não são varizes como o caso da mulher que sentava ao seu lado: é artrose. Porque depois dos 40... Soube que no seminário Padre Amaro tinha fantasias com a imagem da Virgem. Soube que não guardar dieta de parto faz a mulher ficar louca. Soube que o pároco, no confessionário, nem tocava no assunto das tais fantasias. Soube que a tal da loucura é facinho de curar: é só ter outro filho e se resguardar direitinho os 40 dias...Soube que se eu não me incomodasse tanto com as conversas alheias... Se eu não fosse tão anti-social com os pobres desconhecidos... Tudo seria bem mais simples.

Fabíola Rangel

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Feira das vaidades.

"Eu vou na feira da fruta, só pra ver o que a fruta tem", cantalorei, seguindo até a feira. As frutas tem de cor amarela, laranja e verde; tem ácido, bagaço e semente. Pode ser banana, uva ou limão. Assim, transito entre olhos ávidos por beleza, doçura e saúde. Todos estão em busca de algo que em princípio não entendo o que. Vago entre os seus pensamentos, anseios e medos. Entre um aperto no mamão e uma cheirada na goiaba, transito entre as frutas. Posso até imaginar o que se passa nesse mercado de carne frutífera. Todas com suas cores, vibrantes ou opacas, vendem-se: sua pele, sua carne, seu ser. Mas nada mais me chamou a atenção do que a discussão entre uma Beterraba e um cacho de Uvas, disputando posição de destaque. Era mais ou menos assim:

- Saia daqui, sua aproveitadeira! Vai ser sempre a experimentada e nunca a comprada, disse a Beterraba.
- Eu? Não, jamais! Eu sou sempre a experimentada porque me desdobro em muitas para saciar várias bocas sedentas do meu sumo, da minha carne. E você, alguém te come crua?, responderam em coro as Uvas.
- Eu? Não, jamais... Eu sou um pouco dura,sou da terra, sabe. Mas tenho muitas vitaminas, e depois de um banho quente, o corpo ferve e amolece, facilitando as bocanhadas. Suculenta, animo até anêmico!, arrebatou a Beterraba

Foi só isso que ouvi. Fui embora, não tinha dinheiro suficiente para ver o que a fruta tem. Logo alguém chegou degustando as uvas, uma mão para cada uma. Com a Beterraba foi diferente: quem conhece, e gosta, já pega e leva embora. Ninguém precisa ver o que farão com ela, está implícito nas Beterrabas.

Barba Ruiva

Oráculo de Mercúrio* ou Sedex 10?



Mercúrio (Hermes na mitologia grega) é o deus romano da eloqüência, do comércio, dos viajantes e até dos ladrões. Serviu como mensageiro de Júpiter.
Oráculo era uma expressão usada para designar o lugar onde se supunha que as divindades consultadas, davam respostas a respeito do futuro, assim como para designar a própria resposta dada.

Por isso, Oráculo de Mercúrio é onde se invoca a rapidez e agilidade de Mercúrio, quando se deseja uma resposta rápida à qualquer tipo de dúvida ou aflição – no amor, nos negócios, na família, com amigos e filhos. Confia-se nele por sua fama em prestar serviço que supera qualquer Sedex 10.
No entanto, diz a crença, a resposta evidentemente não nos é dada por Mercúrio, cochichando aos nossos ouvidos – já imaginaram quanto trabalho ele (Mercúrio) teria vindo diretamente aos vinte e poucos alunos, ao mesmo tempo?
Há que se prestar atenção ao seu redor, ouvir conversas alheias, sons da cidade para, interpretando-os, receber a resposta.

Esse curso de crônicas me parecia, a cada aula, diferente de tudo o que já presenciei.

Informações e esclarecimentos recebidos e entendidos – mas não totalmente cridos – lá fomos nós, solitários andantes das quintas à noite na feirinha no Largo.
Supersticiosa, mas não fanática, eu sou. O ceticismo aflora em certas circunstâncias. Ou quem sabe a ausência de idéias para que tipo de pergunta fazer!
Sem nenhuma pergunta em mente, encontrei a professora, e lhe disse:
- Eu deveria ter trazido o casaco. Está frio aqui fora.
E ela, de pronto:
- Você acaba de me dar a resposta ao que invoquei ao Oráculo.
Pasmem! Levei um susto pela rapidez daquela entrega.
E concluí que, efetivamente, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deveria contratar os serviços de Mercúrio.
Poderoso, esse mensageiro deus greco-romano!!!


(Sandra Maria Martins)

*Mercúrio era o deus romano encarregado de levar as mensagens de Júpiter. Era filho de Júpiter e de Bona Dea e nasceu em Cilene, monte de Arcádia. Os seus atributos incluem uma bolsa, umas sandálias e um capacete com asas, uma varinha de condão e o caduceu. Quando Proserpina foi raptada, tentou resgatá-la dos infernos sem muito sucesso. Era o deus da eloquência, do comércio, dos viajantes e dos ladrões, a personificação da inteligência. Correspondia ao Hermes grego, protetor dos rebanhos, dos viajantes e comerciantes: muito rápido, era o mensageiro. O planeta Mercúrio provavelmente recebeu este nome porque se move rapidamente no céu. http://pt.wikipedia.org/wiki/Merc%C3%BArio_(mitologia)

Que Susto!

-Parabéns!Fiquei feliz em saber que você se tornou escritora!

-Eu escritora? Não entendi!

-Pesquisei seu nome no Google, só pra ver, e tive essa agradável surpresa!

Surpresa fiquei eu, quando alguém que há tempos não vejo, e mora do outro lado do oceano me dá por telefone a noticia que sou escritora... E eu que nem sabia disso!
Claro, fui confirmar no Google e constatei que estão postadas as crônicas que escrevo como exercício das Oficinas de quinta feira.

Juro, fiquei envergonhada por não ter cogitado o óbvio, e usado um pseudônimo para me proteger por enquanto. Na minha santa inocência e empolgação, não sei exatamente como, imaginei que só teriam acesso a leitura das benditas a nossa Professora, os colegas que me ajudam crescer com comentários e críticas, e as pessoas que porventura acessassem o blog por uma curiosidade insana.

Como ainda me considero principiante na arte literária, tratei logo de trocar meu nome verdadeiro por Ferdinanda Embrião. Assim, por enquanto não serei reconhecida por outras pessoas alheias ao curso, até que adquira o traquejo peculiar e a segurança de uma verdadeira escritora.

Como sou extremamente instável, pode ser que mude de idéia assim que passe o susto de ser pega no pulo por alguém de tão longe. Talvez daqui uns dez ou quinze minutos. Não sei...

A única certeza, é que por enquanto estou em fase de gestação como cronista.Um embrião ainda. Nas próximas semanas, se tudo correr bem, serei elevada a categoria de feto.
E assim espero poder continuar me desenvolvendo e finalmente nascer bem saudável no final do ano. Se não for abortada é claro!

Nesse período gestacional, necessito de uma alimentação saudável enriquecida com muuuuita leitura, troca de idéias e aulas com nossa Professora Monica.

Ferdinanda Embrião

O penetra


Crônicas Curitibanas



Ele chegou ao hall do Castelo do Batel. Muito embora não tenha convite eletrônico ou timbrado. Foi durante a Domino, Valse Française de André Claveau. Ou em algum momento de Dors, Mon Amour. Alguns dançantes, distraídos com a melodia, não o perceberam. Outros espectadores logo o notaram e torceram o nariz. Poucos haviam alertado da possível petulância dele vir fora de época. Já certa parcela dos convidados utilizava como estratégia ignorá-lo. Ser frio com ele também. Aquela coisa de se escandalizar para dentro. Só que desta vez bem encolhidinhos. Alguém pergunta se não foi possível cerrar-lhe a porta, espantar, ameaçar com arma de fogo. Quem sabe uma lareira ou moderno climatizador de ambientes. Conjecturas estúpidas. Seu espectro já defenestra para dentro. Pelas portas do fundo, pelo assoalho, pelo teto, pela nesga da janela e até pelo buraco da fechadura da entrada principal. Sempre sem nenhuma faina. Um desavisado invoca urgência do maître e da hostess, da segurança e da guarda-de-rua para expulsá-lo. Mas Outono, que oferece o baile, lamenta. Informa que todos esses empregados encontram-se de braço cruzados e a esfregarem as mãos. Como se fosse uma greve por prestar serviço não combinado. “A terrível insurgência da ralé”, identifica os culpados a madame que trouxe previamente sua casimira e que acompanha o penetra escorregar pelas mesas, intimidar os homens e assanhar as damas sob seus coques. Há desconforto geral. Buxixo também. Todos abandonam elegantemente o salão principal do Castelo. Um a um, aos pares e até em ménage. Ademais do infortúnio, já se inspiram com o novo clima em uma total renúncia aos bons modos. Pensam em novas prendas e aromas. Combinam sopas eslavas com vinhos cabernet sauvignon e fondue com capuccino. Acertam presentes. Os homens pensam em jaquetas de couro nelas; as mulheres imaginam gorros, luvas e echarpes para eles. La salle est vide. A música não tem mais nota. E triunfante o penetra ressoa: “Tu invadistes as orgias do Verão, agora eu tomar-te-ei as inconstâncias dos balés”. E partiu em busca de outros salões, salas e saletas enquanto atrás de suas espaldas Outono despencava.


Manoel Ramires

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Quinta-feira treze.


Eis que saio à procura de respostas. Perguntas de fato, exatas, elaboradas não tenho. Ou as tenho aos montes. Depende. Vivo a perguntar. Por vezes não sei bem o quê, nem pra quem, nem por quê. É tudo meio obscuro. Mas pergunto, pergunto, pergunto. Desde os meus três anos. É, desde os três procuro respostas plausíveis para perguntas incertas.
Naquela noite de quinta-feira, saí pela feirinha com ouvidos atiçados. Mente inquieta. À espera de um sopro da sabedoria mercuriana. Embora nada de concreto tivesse perguntado, esperava uma resposta dele. Transbordava de ansiedade. Será que ele viria? Será que ele sabe soprar respostas mesmo sem perguntas exatas? Deve saber sim. Um deus sempre sabe das coisas.
Então me aventurei a andar por ali. Coincidentemente encontrei um colega de trabalho. Muito coincidentemente! Até então eu não sabia que se tratava de um colega de trabalho. Soube ali. Um bancário como eu. Padecedor do Banco do Brasil S/A como eu. Esperando por um sopro de Mercúrio como eu. Da conversa surgiram não poucas respostas para não poucas perguntas incertas que andava me fazendo a respeito do meu ofício de gosto duvidoso. Engraçado, vieram também algumas respostas, dicas úteis para minha eterna aflição: perder peso (sabe que me convenci a nem comer um pastel naquela noite!). Um pouco mais de prosa. Sai um pra cá, outro pra lá. Precisávamos nos concentrar. Era preciso ouvir o sopro do Oráculo. Por um momento pensei: será mesmo um colega bancário? Não seria ele o próprio Mercúrio?
Ando mais um pouquinho. Só mais um pouquinho. E de súbito acordo. Sim, pois eu só podia mesmo estar sonhando. O que fazia eu ali, em uma feira noturna, no Largo da Ordem, em Curitiba, em pleno século XXI, esperando por um sopro do tal Oráculo de Mercúrio?! Um tanto quanto cética, passo longe de crendices e superstições. Quem dirá acreditar em oráculos. Há tempos desenvolve-se Ciência. Pra quê? Pra que tanta pesquisa, tanto empenho? Pra acreditarmos em oráculos? Deus me livre! É até pecado - dizem.
Com tanta coisa melhor pra fazer, eu ali perdendo meu tempo com bobagens. Me benzo com o sinal da cruz. Desvio a escada. Sigo a caminho de casa rezando pra que nada me aconteça. Porque depois que quebrei aquele espelho...

Fabíola Rangel

Quebra Cabeça.

Vejam: agora tudo é mar e mar. Tudo céu e céu. Tudo infinitamente azul.
E a imensidão das águas é tamanha que não é possível ver a linha do horizonte. Onde está o horizonte?

Lá está a ilhazinha longínqua, isolada porém abrigando tanta vida. E já fez parte de um continente um dia! Mas por alguma razão foi depreendendo e distanciando-se. Lentamente... Continuamente...

Lenta e continuamente de forma invisível para olhos que só conseguem ver o que é macroscópio. Inaudível, aos ouvidos que não escutam os gritos do silêncio. Inodora aos olfatos que desconhecem o odor acinzentado do medo. De maneira tépida para que a desesperança fosse reconhecida por tatos inexperientes. Insípida aos paladares que não detectam o sabor das águas que pedem um olhar. Enfim, imperceptível a todos os sentidos menos aguçados que já não reconhecem os alertas do sexto sentido.

E assim foi , se afastando e avançando mar adentro o pequeno pedaço de terra que sentia-se diferente do restante do continente. E o continente por sua vez, tentava distanciá-la cada vez mais reforçando a hipótese da estranheza sem compreende-la.

A principio, deslocava-se devagar com certa cautela. Até que um dia inesperada e inexplicavelmente um furacão lançou o pedaço de terra para muito longe ao mar.
O que vemos agora é uma pequena ilha perdida no oceano.

Se observarmos com atenção, de um plano mais alto como para uma foto de vista aérea, percebemos que está protegida pelas profundezas das águas com um tom azul escuro. Porém nas proximidades, há um contorno com uma coloração mais clara e límpida, com águas serenas e mornas que convidam para um mergulho seguro. E em seu redor, existe uma praia de areias brancas e macias aquecidas pelo sol. Estão vendo?

Com certeza, em algum lugar do continente ficou faltando um pedacinho de terra, da mesma extensão e formato dessa ilha perdida no oceano. Se fantasiarmos que o local onde esteve inserida manteve-se inalterado, apesar das intervenções impiedosas da natureza, estaremos concedendo-lhe esperança de um retorno.

Mas antes de tudo é imprescindível aguardar que uma chuva mágica, revigorante caia suave e continuamente sobre a ilhota e transforme sua frágil vegetação numa floresta densa, com árvores frondosas, fortes o suficiente para protege-la de qualquer agressão. Sábias e perpicazes para alertá-la dos engodos .

Então um vento impetuoso poderá deslocá-la carinhosamente, e como num jogo de quebra cabeça acoplá-la outra vez em sua fenda.

Ferdinanda Embrião.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Viver é Prejudicial a Saúde.

- Cuidado! A panela de alumínio faz mal a saúde.

Com a melhor das intenções uma amiga me deu o alerta. - Quando você enxuga uma panela de alumínio com guardanapo ele fica cinza, não fica?
- Acho que fica...
- São as substâncias tóxicas do pó do alumínio.
-Tudo bem. Essas panelas estão velhas mesmo... E essa teoria de que "panela velha é que faz comida boa", está ultrapassada.

Com dor no coração jogo todas as panelas de alumínio no lixo substituindo por teflon. Meu armário ficou uma gracinha. Todo arrumadinho. Todo pretinho com panelas novinhas em folha. Algumas semanas depois, a mesma amiga me telefona dando a noticia: - Você sabia que o teflon é cancerígeno?
- Não diga! Mas logo agora que troquei todas as panelas?
- Soube a semana passada num congresso: teflon é um composto de polímeros de fluocarbono.
- Poli fluo o que?! Fale tudo de uma vez o que faz mal a saúde, e eu substituo de uma pancada só a cozinha inteira se for preciso!

- O microondas!
- Mas por que? Ele me ajuda tanto. Dele não abro mão. Nem venha!
- Disseram que os alimentos colocados no microondas, são submetidos repentinamente a um calor brutal por vibrações térmicas. Assim nascem os radicais livres que afetam até as funções cerebrais. Entendeu?
- Não, mas você falou tão bonito que nunca mais vou usar o malvado. E se ele afeta as funções cerebrais, podem me deixar gagá. Não quero correr este risco. Vai virar enfeite...

- Tem mais...
- Mais ainda? Fala... Prendo a respiração para ouvir.
- O papel filme é um grande vilão!
- Aquele papel, ou melhor, plástico fininho, bonitinho com cara de gente boa que me ajudava a proteger os alimentos?
- Sim, ele mesmo!
- Santa Genoveva! O que mais faz mal?
- A panela de pressão!
- Ah, para vai...Vamos deixar de falar em panelas.

- Além das panelas, o telefone celular é um grande malfeitor.
- Então conte tudo. Mas espere um pouquinho, vou sentar de um jeito mais cômodo. Pronto.
- A camada do ôzonios está praticamente destruída.Temos que fazer a nossa parte não usando mais desodorantes ou perfumes.
- E o que tem a ver meu desodorante com essa tal camada de ozônio?
- É um aerosol que contribui para a destruição dessa camada que funciona como um filtro. Aerosois são uma das causas do efeito estufa pois penetram na estratosfera e...
- Ta bem. Vou jogar fora meus perfumes e desodorantes.

- Ah! Já ia esquecendo: higiene em excesso também é prejudicial!
- O que?!!!
- Sim, temos que dar ao nosso organismo a oportunidade de criar resistência. Com muita limpeza tiramos essa propriedade do corpo.
- Hã... Então só nos resta andar sujas, sem desodorante e nos tornar adeptas da dieta da luz. E de preferência num lugar bem isolado do planeta onde ainda exista a tal camada de ozônio...

- Você adivinhou meus pensamentos! Quando começamos?

Faço de conta que a ligação caiu e não atendo mais o telefone. Bendita seja a identificação de chamadas, que até agora ninguém disse que faz mal a saúde!


Colibri Inquieto

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Autênticas Alucinações.

Amanhece antecipadamente. Apressada, ajusto aparência. Avalio. Aprovo. Atrapalhada, acolho-me aceitando apoio acordado.

Anteriormente, ambicionava aplicar aptidões adequadas: Arquitetura, agronomia, administração... Até Astronomia Astronáutica! Almejava amplas aquisições. Atualmente, assustadoras áudio ameaças atrapalham as aspirações avacalhando-me: - Aparência avolumada! Adiposa! Aloprada! Amarfanhada! Apregoam apontando-me. Agora arredia, apenas anelo anular as atitudes atrevidas.

Ariane, atenciosa assistente atenua: - Apague as acusações amada; acalme-se!
Amigas avessas aliam-se aos arrogantes anúncios advertindo-me: - Alucinações auditivas! Aquiete-se, acomode-se!

Ah! Ainda acontecem alarmantes aparições apocalípticas, aterrorizantes. Apavorada, atiro-me apelando: - Ajudem-me! Aparecem ali atrás! Avisam-me apáticos: - Ameaças ausentes! Aparentam alucinoses as assombrações... - Amigas assim? Aguço as antenas! Ajuízo aborrecida. Amargurada, ausento-me.

Ando... Aspiro aromáticas açucenas amarelas aveludadas. Apaziguo-me. Aconchego-me. Adormeço... Acompanho andorinhas. Alcanço alturas astronômicas, ares azuis, aquecidos, acolhedores. Alegre, assobio afinadíssima, agradáveis árias. Alforriada, arranco as amarras, aleluia!!! Alço aventuras agradáveis. Avisto aves: águias, albatrozes, azulões, arapongas. Até abutres... Amigos adjacentes, autênticos.

Adquiro alterações avançadas. Abro as asas, afasto-me... Absorvo ânimos autônomos. Afoita atinjo altitudes aumentadas. Abismada, avalio arrebatadora aparência azulada. Atípicos alentos aplacam-me as aflições.

Aproprio-me aristocrática alongado-me além, arremessando-me as aragens afetuosas. Alcanço altocumulos, a abóbada acarneirada. Alívio aprazível, admirável apaixona-me. Assumo absolutamente âmago alegre, arrojado amável.

Alguém aparece anunciando aos alaridos: - Acorda!!! Almoço!

Ferdinanda Embrião

Sobre oráculos e outras crendices

Sobre oráculos e outras crendices

Soube, por ouvir dizer, que entre os gregos, havia quem acreditasse no “Oráculo de Mercúrio”. Segundo esses, aquele que tivesse uma dúvida ou que estivesse diante de um daqueles obscuros problemas da vida, independente da sua importância, bastaria sair às ruas, ir ao encontro das pessoas, que a resposta lhe seria “soprada” pelo deus Mercúrio. Outros, mais otimistas, acreditavam que inclusive outros deuses viriam em seu auxílio.

Fico a pensar comigo mesmo em quão fascinante é isso. Em como tem gente que consegue acreditar nesse tipo de coisa. Gratuitamente. Sem sentirem-se incomodadas. Sem qualquer necessidade de investigação racional, de apurar logicamente a plausibilidade das crenças e superstições que povoam o imaginário coletivo. Desde a infância, passando pela adolescência, somos assombrados por uma grande teia de crendices. E uma vez adultos, não tratamos de problematizá-los. Enfrentá-los lucidamente. Não. Nos deixamos ficar assim, inertes nesse assombro. Como se ele fizesse parte de nossa história, de nossa vida.

Algo como aquela tia solteirona que um dia chega de surpresa para uma visita e mansamente vai ficando. Até que se torna um elemento da casa. Um móvel. Como aquele vaso estampado colocado ao pé da escada há tantas gerações que já nem se sabe ao certo sua origem. A não ser pela avó que, quando viva, costumava dizer que era uma relíquia de família. Que um ancestral já esquecido no tempo o recebera de presente das mãos do próprio imperador da China. Ou, então, como o velho sofá ou o velho piano.

Não lhes parece que o mesmo ocorre com as superstições? Não sabemos nada sobre suas origens, mas as temos como naturais. Tão verdadeiras e incontestáveis como o vaso e o sofá.

Desafiado pelo tal “oráculo” saí a campo. Mas para qual problema da vida vou buscar uma resposta? Como provar honestamente que se trata de uma grande bobagem, sem uma questão a resolver?

Para meu espanto, bastou colocar o pé na praça e ver, ao longe, algumas pessoas conversando animadamente, para meus ouvidos receberem, exatamente como um “sopro”, a resposta àquelas indagações mentais: “Vou a aula amanhã ou não?”. Pronto. Estava ali o problema da vida a resolver. Agora já podia confrontar o tal oráculo. Já tinha pretexto para testar o deus ou os deuses e deusas.

- “Será que foi o tal deus quem me inspirou essa resposta?”, pensei intrigado.

De todo modo, me fui ao encontro das gentes. Hesitante, desconfiado. Não pode ser. Não faz o menor sentido. Esse papo de oráculo não cola.

Continuei a andar e a observar o entorno. Se foi mesmo uma resposta do tal deus, se o tal oráculo de fato funciona, vou achar resposta pra essa novo “dilema”. Afinal, realmente não sei se vou a aula amanhã.

Parei para comer uma tapioca. Ouvidos alertas, olhos atentos. Nada.

Findos os trinta minutos disponíveis para a brincadeira, retornei ao trabalho, sem a minha resposta. Radiante com a minha vitória sobre os deuses.

Mas em minha mente persistia a dúvida: “Será?”.

Por André Luís Fernandes Dutra
(http://inexorabilidades.blogspot.com/)