Sobre oráculos e outras crendices
Soube, por ouvir dizer, que entre os gregos, havia quem acreditasse no “Oráculo de Mercúrio”. Segundo esses, aquele que tivesse uma dúvida ou que estivesse diante de um daqueles obscuros problemas da vida, independente da sua importância, bastaria sair às ruas, ir ao encontro das pessoas, que a resposta lhe seria “soprada” pelo deus Mercúrio. Outros, mais otimistas, acreditavam que inclusive outros deuses viriam em seu auxílio.
Fico a pensar comigo mesmo em quão fascinante é isso. Em como tem gente que consegue acreditar nesse tipo de coisa. Gratuitamente. Sem sentirem-se incomodadas. Sem qualquer necessidade de investigação racional, de apurar logicamente a plausibilidade das crenças e superstições que povoam o imaginário coletivo. Desde a infância, passando pela adolescência, somos assombrados por uma grande teia de crendices. E uma vez adultos, não tratamos de problematizá-los. Enfrentá-los lucidamente. Não. Nos deixamos ficar assim, inertes nesse assombro. Como se ele fizesse parte de nossa história, de nossa vida.
Algo como aquela tia solteirona que um dia chega de surpresa para uma visita e mansamente vai ficando. Até que se torna um elemento da casa. Um móvel. Como aquele vaso estampado colocado ao pé da escada há tantas gerações que já nem se sabe ao certo sua origem. A não ser pela avó que, quando viva, costumava dizer que era uma relíquia de família. Que um ancestral já esquecido no tempo o recebera de presente das mãos do próprio imperador da China. Ou, então, como o velho sofá ou o velho piano.
Não lhes parece que o mesmo ocorre com as superstições? Não sabemos nada sobre suas origens, mas as temos como naturais. Tão verdadeiras e incontestáveis como o vaso e o sofá.
Desafiado pelo tal “oráculo” saí a campo. Mas para qual problema da vida vou buscar uma resposta? Como provar honestamente que se trata de uma grande bobagem, sem uma questão a resolver?
Para meu espanto, bastou colocar o pé na praça e ver, ao longe, algumas pessoas conversando animadamente, para meus ouvidos receberem, exatamente como um “sopro”, a resposta àquelas indagações mentais: “Vou a aula amanhã ou não?”. Pronto. Estava ali o problema da vida a resolver. Agora já podia confrontar o tal oráculo. Já tinha pretexto para testar o deus ou os deuses e deusas.
- “Será que foi o tal deus quem me inspirou essa resposta?”, pensei intrigado.
De todo modo, me fui ao encontro das gentes. Hesitante, desconfiado. Não pode ser. Não faz o menor sentido. Esse papo de oráculo não cola.
Continuei a andar e a observar o entorno. Se foi mesmo uma resposta do tal deus, se o tal oráculo de fato funciona, vou achar resposta pra essa novo “dilema”. Afinal, realmente não sei se vou a aula amanhã.
Parei para comer uma tapioca. Ouvidos alertas, olhos atentos. Nada.
Findos os trinta minutos disponíveis para a brincadeira, retornei ao trabalho, sem a minha resposta. Radiante com a minha vitória sobre os deuses.
Mas em minha mente persistia a dúvida: “Será?”.
Por André Luís Fernandes Dutra
(http://inexorabilidades.blogspot.com/)
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Gostei do jogo de certezas e dúvidas quanto ao ceticismo. =)
ResponderExcluirAndré, você precisa ler "As Cartomantes", crônica do Olavo Bilac. Abraços, Monica.
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