Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A verdade veste-se de versões


Crônicas Curitibanas
A verdade veste-se de versões

Rodolfo chegou ao trabalho com o nariz queimado. Risco médio bem ao lado do olho esquerdo. Um ferimento qualquer se ele não fosse alto, loiro e de sorriso sedutor. Uma indiferente ranhura se ele não tivesse a instrução curitibana, melhor, lapiana. Rudi é daqueles típicos guris simpáticos e educados, que preservam a família e os amigos como valoriza uma montaria. Um tropeiro moderno a utilizar gel, camisa da Richards e celular touch screen. Por isso, qualquer alteração na face de Rodolfo é um desastre monumental, uma chance para questionar a sua reputação. E a verdade, meus amigos, veste-se de versões.

No trabalho foi exatamente o que fizeram. Alguns com mais ironia, outros com pitadas de maldade. Rodolfo trabalha basicamente com homens. Não revelo onde, pois as mulheres podem atrapalhar a rotinha de trabalho e porque a namorada dele não ficaria feliz. Tanto que ela foi responsável pela queimadura. Viu uma menina dar em cima de Rodolfo e partiu para acertar as contas. Rodolfo, ao tentar separá-las, levou o arranhão da ciumenta. Foi a primeira versão do dia, levantada pelo colega graduado da mesa ao lado. Rodolfo concordou.

– Tens razão.

Que nada, goza o carregador que não tem o segundo grau. Para ele, Rodolfo rasgou o nariz com anzol e inexperiência enquanto mudava de lazer em qualquer ribeirão. E o pior: tudo pra pescar lambari. Rodolfo não negou.

– Também pode ser.

Já seu chefe foi mais lógico. Não menos maroto. Rodolfo estava galopando com Fracionado quando resolveu se exibir. Pra quem, o patrão não definiu. Apenas contou a todos que Fracionado disparou pela chácara e, como é de costume, mudou a direção do galope. Rodolfo foi surpreendido, se desequilibrou, mas se manteve nas rédeas. O saldo deste cavalheiro foi o arranhão nas narinas e a vergonha diante daqueles que o chefe ainda não conseguiu definir quem é. Rodolfo não se opôs.

– Acredito que seja possível.

E as versões foram sendo criadas conforme Rodolfo percorria a empresa. Algumas com mais criatividade, outras com obviedade e hipóteses repetidas. Rodolfo teria se queimado com bituca de cigarro (três opiniões), com a haste do chimarrão (uma tentativa), arranhado pelo gato da namorada (duas), estourado uma espinha, se cortado com o abridor de vinhos (um juízo) e tido uma simples coceira.
– Não nego.
– Estava muito quente.
– Adoro animais.
– Espinha Arranha?
– O abridor pulou com a pressão.
– É, tenho alergia a lenços de papel.

Toda vez que uma nova verdade aparecia, Rodolfo concordava com ela, pois tudo isso o divertia muito, ciente que a negativa de uma versão não é coisa que um cavalheiro faça. Muitas versões sobre um fato não compõe a realidade, uma negação sobre uma versão pode abotoar a verdade. Por isso, Rodolfo foi embora para a casa dos pais esperando por mais duas suposições diferentes e únicas. Chegando lá, viu sua mãe sentada no sofá a tricotar um suéter e assistir missa do padre Reginaldo. Ela, ao ver o talho no rosto do gurizinho, se assustou, saltou e correu em direção ao filho logo o interpelando:

– Meu Rodolfinho, pra mamãezita você pode dizer o que aconteceu. Mamãe acredita.

Elas sempre creem em nossas versões.
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3 comentários:

  1. Mas agora me diz: o que de fato aconteceu?

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  2. Ele raspou o nariz em nylon depois que abaixou a cabeça para retirar gotículas de água

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  3. Ou ele raspou o nariz pq tem mania de roer a unha e com isso deixou uma lasquinha e ao coçar o rosto fez o que fez.

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