segunda-feira, 24 de maio de 2010
Confiar, mas Conferir
Temos que nos unir, por isso vou relatar o que me aconteceu por ter depositado todos os créditos na malvada que eu vivia exibindo como ótima parceira.
A empresa onde trabalho, estava encaminhando os homens para fazer exame de próstata. Era uma campanha de prevenção.
- Não vou fazer este exame! Disse a um colega.
- Que bobagem companheiro. Hoje em dia é comum fazer este exame. Todos os homens fazem. Não tem nada de mais.
- Mas onde é que eu vou fazer isso?
- Vou lhe dar o cartão de um Urologista excelente. Um grande profissional. Além de me dar o cartão com o endereço, Astolfo, explicou o procedimento durante o exame detalhando o odioso toque retal. Mas falou também da extrema importância de fazer o bendito.
- Nem precisa me dar o cartão. Só me diga o endereço e vou lembrar.
- Tem certeza?
- Claro, minha memória é de elefante. Eu guardo tudo!
- Mesmo assim fique com o cartão: Rua 21 de Abril 2432. O telefone está em baixo.
- Está bem. Já que é pra fazer então vamos lá!
Imediatamente liguei marcando a consulta com o Urologista para aquela mesma tarde. Guardei o cartão em algum lugar sem prestar atenção onde.
Lá vou eu em direção ao consultório do especialista. Não estava com o cartão mas lembrava o endereço: Rua 24 de Maio 2342. O consultório era verde musgo com janelas altas. Entro... A recepcionista me acolhe com um sorriso. Procura meu nome na agenda...
- Tem certeza que está com a consulta marcada para hoje?
- Claro! Se não for hoje não volto mais!
- Calma Senhor! Não estou encontrando seu nome. Minha colega da manhã deve ter esquecido de anotar seu nome.
- Então vou embora. Não quero mais fazer nada!
- Calma... Faltou um cliente do próximo horário. Vou encaixá-lo.
Pediu que eu assinasse alguns papéis e entrou na sala que deveria ser o consultório do médico.
Eu tremia. Minhas mãos geladas suavam. Para relaxar mexi na carteira. Derrubei todos os papéis que estavam ali dentro. Mal deu tempo de juntá-los e ela volta sorridente: - Pode entrar. Dr. Astrogildo está a sua espera!
- Boa tarde Doutor!
- Boa tarde jovem. Pode deitar ali- disse apontando-me para um sofá estranho. -Fique calmo.
- Preciso tirar a calça?
- Contenha seus impulsos! Pode tirar os sapatos se quiser, e deite-se ali.
Sem entender nada obedeci. Tirei os sapatos e deitei.
- É a primeira vez que consulta esta especialidade?
- Sim. E já estou arrependido.
- Já desejou matar seu pai alguma vez?
- Já, aos nove anos, quando brincávamos de guerra com uma espingardazinha d'água.
- Já desejou alguma coisa com sua mãe?
- Quando era garoto desejei que ela viajasse, pra eu ir numa festa que ela tinha proibido.
- Diga tudo o que lhe vier na cabeça.
-Tudo o que lhe vier na cabeça!
- Diga tudo o que sentir vontade.
- Tudo o que sentir vontade!!!!
- Assim não dá! O Senhor está sendo rebelde!
- Eu, rebelde?!
- Está bem. Começo uma frase e o senhor completa, certo?
- Bem... Certo... Mas...
- Uso binóculo para...
- Escuta aqui Doutor, o que esse binóculo tem a ver com minha próstata?!!!
- Ideia fixa. O Senhor tem ideia fixa!
- Isto aqui é uma maluquice! O Senhor é um maluco! Eu vou embora!!!!
Saio da sala cuspindo marimbondos. Na recepção a jovem sorridente me aborda e diz:
- O Senhor deixou cair este cartão antes de entrar no consultório. Acho que é o endereço do seu Urologista.
Por isso juro que de agora em diante nunca mais vou confiar cegamente em minha memória.
Identificação genérica
Crônicas Curitibanas
Curitiba tem dois tipos de curitibanos: os que nasceram aqui e os que gostariam de ter nascido nesta cidade. E, geralmente, os curitibanos genuínos não são tão curitibanos quanto os curitibocas. Isso ocorre porque os gestados na capital têm um olhar para o mundo. São cosmopolitas e aceitam com mais facilidade o “estrangeiro”, o gaúcho com seu chimarrão, o paulista com suas saudades, os catarinenses e mineiros que deixam suas mulheres e até nordestinos como eu. Ou seja, toda essa gente que não é curitibana nem curitiboca, pois traz convosco sua cultura e miscigenação.
O curitiboca é a pessoas nascida na região metropolitana ou o pé vermelho que simula ser da capital, inclusive falando leitê quentê, torcendo o nariz para paulistas e gaúchos e crendo que Curitiba é mais fria do que Paris. Gente como a mulher que encontrei no chaveiro/sapateiro. Ela estava a arrumar sua mala de viagem. E mal sabe ela que curitibano não conserta mala, compra outra. Já o curitiboca reforma e diz ser nova. Igualzinho a essa senhora que solicitava o serviço fiado ao sapateiro de Astorga. Ele que não é curitiboca, pois se orgulhava de sua pequena cidade. Diferente dela, ao se deparar com a vergonha duas vezes.
Na primeira, enquanto chorava desconto, fazia suas curitiboquices. “Sou preconceituosa. Não admito viadagem”. Ora, jamais um curitibano ia se expor assim, mesmo compartilhando dessa opinião. E ela seguiu informando a todos que um amigo de seu filho é gay e que sua prima é sapatão. “Deus não permite isso”, pregava enquanto o sapateiro, nem curitibano nem curitiboca, ria-se da declaração e rabiscava a ordem der pagamento.
“40 reais?”
“É o ofício que Deus me deu, senhora. Dele não se discorda. E olha que faço o preço de curitibano”.
Foi neste ponto que ela calou-se, mostrando sua segunda vergonha. Foi nesta observação que se engasgou brevemente e pigarreou:
- Sabe que fiquei uma semana soluçando quando descobri que não era Cu-ri-ti-ba-na.
Depois contou da decepção de nascer em Cornélio Procópio, diferente de suas três irmãs, invejáveis curitibanas, e de como escondia este pecado original. E, tendo desnudado a origem, partiu, no fiado, para voltar daqui uma semana, pegar e pagar a mala, espero, e viajar para Matinhos dizendo que ia para “Caiobá com sua mala da Cavezzale”.
É mesmo muito Curitiboca!
sábado, 22 de maio de 2010
Eleitoras paixões
Lendo, dia desses, um pocket livro de Freud, intitulado “O futuro de uma ilusão”, onde ele discute a origem do fenômeno religioso e seu papel no processo de controle dos impulsos humanos, num determinado momento, ao discorrer sobre a cultura, defende que ela precisa ser construída sobre a coerção, pois os “homens não são espontaneamente inclinados ao trabalho” e que “argumentos nada podem contra suas paixões”.
Sem dúvida, duas premissas bastante fortes e com potencial explosivo muito grande. Principalmente se considerarmos o peso das ideias de moralidade sob as quais somos educados desde a mais remota idade em nossa casa e na escola bem como pela formação judaico-cristã reproduzida, mesmo que inconscientemente, por grande parte dos seres que habitam essa porção ocidental do globo terrestre.
Mas um de vocês poderia objetar que Freud escreveu isso há quase cem anos e que de lá pra cá, muita coisa mudou. As relações de trabalho, por exemplo, sofreram profundas transformações. A jornada de trabalho é, hoje, limitada a um número específico de horas diárias e ou semanais, assim como diversas garantias legais foram estabelecidas, visando assegurar diversos direitos aos trabalhadores. Tudo isto é verdade. E se também é fato que alguns retrocessos importantes vêm sendo feitos nestas conquistas, não ousaria discordar que as condições de trabalho são muito melhores hoje do que há um século.
Agora, o paradigma do trabalho como condição para subsistência persiste e, com ele, a ética da exploração do homem pelo homem. No campo mental, a sujeição se opera por meio da ética do consumismo. Padrões de conduta e de consumo são impostos muito veladamente por meio da publicidade ou da propaganda. Um outro autor, o estadunidense W. B. Key, inclusive, referiu-se ao tempo presente como “A era da manipulação”, em livro que leva este exato nome. E a manipulação, meus caros, se opera exatamente no obscuro e incompreensível terreno das paixões.
E é aqui, no campo das paixões, que cada vez com mais frequência somos aprisionados e subjugados. Já expressei em outra oportunidade esta ideia de que somos suficientemente apaixonados pela nossa própria visão de mundo (http://inexorabilidades.blogspot.com/2010/04/eleicoes-e-verdades.html), pelas nossas crenças, que não conseguimos enxergá-las como elas de fato são: percepções particulares e, muitas vezes, irrefletidas da realidade.
E é com base na defesa apaixonada desses valores herdados não se sabe exatamente de onde, de quem ou porque, que vamos repetindo e repassando ideias parciais, algumas vezes apenas verossímeis, como se fossem verdadeiros dogmas incontestes e imutáveis.
E eis aí a grande armadilha que nos aguarda neste ano eleitoral. Sabedores dessa nossa humana característica, os candidatos – todos – irão dialogar com as nossas paixões e não com o nosso intelecto. Buscarão nos seduzir com palavras soltas, jingles e slogans vazios, criados por marqueteiros de plantão, ao invés de tentarem nos convencer por meio do diálogo franco com a nossa razão. Ao invés de uma escolha consciente de um projeto político, eles apostarão em nossa irresistível tendência à renúncia. Renúncia ao que pensamos ser o melhor para o país. Renúncia à possibilidade de acabar ou ao menos diminuir o sofrimento cotidiano que nos é imposto pelos maus governantes, que nós mesmos elegemos, ano após ano. Dentro do mesmo processo de renúncia à criticidade em favor da sedução. Vendida como a mais pura e cristalina expressão da racionalidade humana. E depois, como sempre ocorre, uma vez baixada a poeira das festividades de campanha, novo choque de realidade: o sofrimento continua. Tudo permanece o mesmo.
Afinal, não é mesmo ilimitada nossa capacidade de nos sacrificarmos por aquele ou aquela que nos seduz?
Por André Luís Fernandes Dutra – Em 20 de maio de 2010.
terça-feira, 18 de maio de 2010
As almas mortas da Assembleia Legislativa
(Esta crônica contém Hyperlinks)
Eu acredito que os deputados e diretores da Assembleia Legislativa do Paraná devem considerar Chichikov seu grande guru neste momento. E explico. Chichikov é um grande personagem de Gogol cujas qualidades são repulsivas, mas toleráveis. Afinal, Chichikov é um herói dissimulado e cretino que se esconde na capacidade de ser perspicaz, meticuloso e audacioso. A nós interessa saber que Chichikov mui habilidosamente adquiriu fortuna e fama no lombo do povo, sempre se valendo das brechas estruturais do governo e do serviço público. Algo semelhante com o que fizeram conosco agora.
Mas o que fazia esse senhor além de andar bem vestido, de ter bom diálogo em diversos extratos sociais e possuir postura que impressionava todo mundo a ponto de ninguém desconfiar de sua vida pregressa? Ele simplesmente comprava servos falecidos para, de posse dessas almas mortas, registrá-las “em seu gabinete” e requerer seus vencimentos. Uma técnica tão antiga e tão atual, mas que só agora o nosso Ministério Público atentou para isso.
Por outro lado, também há um traço muito interessante de se observar em Chichikov. É a sua desfaçatez perante o flagrante. Cinismo dele como o dos agentes da Assembleia. O personagem de Gogol estava em constante viagem por “sítios e fazendas” de gente humilde em busca de trouxas para aplicar o seu golpe. Ele contava com a ignorância e desinformação alheia – assim como os Chichikovs atuais – para agir e pouco se importar em ser desmascarado conquanto que a notícia publicada não chegue aos currais eleitorais. Em suma, torcendo para que a notícia da TV não seja vista ou entendida claramente pelo eleitor. E assim agia indiferente a ser processado, pois controlava a lei, como agem os deputados que só farão algo se perceberem-se ameaçados nos votos.
Por fim, só espero que os Bibinhos e políticos não tenham o mesmo destino fortuito de Chichikov. Ele não foi preso. Também desejo que vocês leiam o romance de Gogol e não se deixem embair na condução deste caso como ocorreu com o estúpido Selifán.
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bloginparana
Manolo Ramires
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Pra você viver mais
segunda-feira, 10 de maio de 2010
A Dieta da Moda.
Ainda bem que todas as semanas, as revistas da moda anunciam uma dieta diferente. Já fiz todas: a dieta da melancia, a dieta da uva, a dietas dos sucos, a dieta do sorvete (sério!) e tantas outras que não lembro mais o nome. E cada vez o espelho é mais cruel e enfático: - Gorda!!! E o pior, é a sensação de culpa que fica: - Será que fiz algo errado?
Estou justamente neste doloroso questionamento, quando meu telefone toca. Vou atende-lo com toda a depressão por ter fracassado mais uma vez diante da balança.
- Alo!
- Oi, é Gabi. Acabei de aprovar uma dieta infalível!
- Já estou desanimada com essas dietas! Mas que voz estranha é essa?
- Estou fanhosa, com uma bruta gripe. Mas a dieta funciona mesmo. Perdi quatro quilos! É fantástica. Maravilhosa!
- Jura?
- Sério mesmo! Você tem que fazer!
- Mas qual é essa maravilha?
- É a dieta da minhoca.
- Como funciona?
- Você tem que pegar três minhocas na primeira noite de lua cheia, as vinte horas. Colocá-las num recipiente com água filtrada. No dia seguinte, exatamente as seis horas, devolve-las no mesmo local onde pegou e na mesma posição. Durante toda a semana, o único líquido que pode tomar é a água que elas ficaram de molho durante a noite.
- Que coisa nojenta, credo!
- Nojenta por que? Antes, você lava muito bem em água corrente e tira toda a terra!
- E funciona mesmo?
- To falando! Perdi quase cinco quilos na última lua. Aproveite hoje, pois é a primeira noite de lua cheia.
- Mas claro. Vou experimentar, não custa nada!
- Você vai sentir o resultado logo no segundo dia!
- Obrigada amiga! Agora vê se cuida dessa voz e dessa gripe assassina!
- Tá bem, vou cuidar. Beijos.
Mal desligo o telefone, e já me preparo para passar o final de semana no sítio. Melhor, vou ficar lá durante uma semana e voltar super enxuta. Com certeza, lá não vai faltar minhocas. Escrevo tudo, nos mínimos detalhes a dieta maravilhosa:
1) As minhocas devem ser retiradas as vinte horas de uma terra bem fofinha. (claro né!)
2 )Lavadas em água corrente, retirando toda a terra. (menos mal)
3) Colocadas de molho em água filtrada para uma semana, num recipiente grande.
4) No dia seguinte, ás seis horas da manhã, devolver as minhocas no mesmo local e... Na mesma posição... Mas como? Minhoca é igual dos pés a cabeça...
Ah, claro! Problema resolvido... Separei três fios de linha amarelo ouro para marcar as minhocas. Amarelo dá sorte!
Pego alguns bagulhos e me mando. Era cedo ainda. Chego no sítio no inicio da tarde. Ansiedade é imensa. Reli pela quadragésima vez a receita. Estava tudo bem claro na minha mente.
Na hora exata lá estou, literalmente catando minhocas. Seu Jerônimo, o caseiro achou estranho mas acompanhou todo o processo iluminando com uma lanterna e me protegendo com um guarda chuva imenso, porque chovia. Chovia...
Enfim acho as três maravilhosas semexentes, lambuzantes, escorregadias. Com o máximo cuidado, amarro o fio amarelo em cada uma, identificando a posição em que devem ser devolvidas no dia seguinte. Não foi tarefa fácil, mas consegui. As jovens revoltadas, foram lavadas em água corrente e imersas na água filtrada, conforme a receita.
Quase não consigo dormir. E se ela morrerem afogadas? Levanto-me a cada meia hora para dar uma espiada. Elas estavam ótimas, nadando maravilhosamente.
Finalmente amanheceu com chuva é claro. Cinco e meia já estou em pé colocando minhas companheiras num copo para devolve-las a seu habitat natural.
- Seu Jerônimo! Vamos comigo devolver as minhocas para a terra?
- Que religião é essa que a Senhora tá seguindo Dona?
Não respondo. Seria muito complicado dar todas as explicações e ainda ser taxada de maluca.
Lá vamos nós. Seu Jerônimo me protegendo com o guarda chuva, eu transportando três minhocas emputecidas. Então foram devolvidas no mesmo local e na posição marcada pelo fio amarelo. O fio foi retirado com muita luta. Pronto...
Depois deste ritual, começo a complicada dieta da minhoca. Sentia náuseas ao tomar aquela água. Mas fazer o que? Era o único líquido que podia se tomar durante a semana. Tudo por uma boa causa. Dona Filó, esposa de Seu Jerônimo, cuidou muito bem de mim. Todas as tardes, bolinho de chuva. Pão de fubá. Pamonhas.Tapiocas.Bolo de chocolate na ceia das dez. Arroz a carreteiro no almoço, e todas as delicias possíveis. E o chá de minhocas a cada duas horas...
Quando retorno do meu retiro dietético, vou correndo para a balança. Tenho vontade de gritar.
Estou com cinco quilos a mais! Decepcionadissima, ligo para Gabi:
- Aquela dieta das minhocas é uma verdadeira roubada, e além de tudo não dá certo. Ganhei cinco quilos!!!!
- De que minhoca você está falando? Ficou louca?
- Da dieta que você me ensinou!-
- Eu falei mandioca! M A N D I O C A!!!!! Você pirou?
Desliguei o telefone, p. da vida. Jurei para mim mesma que nunca mais falaria com fanhosos, ainda mais para tratar de um assunto tão sério. Agora vou esperar a próxima lua cheia e fazer tudo de novo, mas dessa vez com o ingrediente principal certo.
Mas será que bolo de milho verde pode? Vou ligar para Gabi...
Ferdinanda.
No ônibus
Vou falar. Ainda que não queiram. Vou falar porque agora quem tem que ouvir são vocês. E tem mais: vou gritar, berrar, explodir seus ouvidos, criar neles um zumbido ensurdecedor, um eco eterno e insuportável. Vou levá-los, vocês todos, a um estado de mais pleno desespero.Ouviram?!
Não, certamente eles não ouviram. Pois, pela enésima vez, não tive a mínima coragem de falar. Só pensei (claro!). Mas bem que eu gostaria de, ao menos uma vezinha, perder uma de minhas máscaras - aquela que me faz manter a compostura apesar da raiva - e gritar, gritar em alto e bom tom. Sem medo. Sem piedade. Sem receio qualquer. Ah, como eu queria. Mas só mentalizo, mentalizo, mentalizo, como se fosse uma oração: "Desliguem esse funk que eu quero ler em paz!"
Vai que uma hora funciona.
domingo, 9 de maio de 2010
Só pra macho (Opus 9)
Princípio da incerteza e tia Mira (Opus 8)
Ciúme do vizinho do 1003 (Opus 7)
Apresentação para um antigo cliente.
Levou quase uma hora na frente do espelho.
Ressurreição em vida (Opus 6)
A manhã de cada dia (Opus 5)
Diabas (Opus 4)
A confeitaria (Opus 3)
Ninguém Merece (Opus 2)
Milla (Opus 1)
Intempéries
Do alto da janela, no prédio onde trabalho no centro de Curitiba, posso ver o incessante movimento da rua. Naquele agitado ir e vir ininterrupto, o sol vai decididamente se retirando de cena, cedendo lugar a pesadas nuvens, carregadas, ameaçadoras. Tudo muito rápido. O forte vento levanta e joga longe as folhas das árvores caídas no chão. Em poucos minutos, como um terrível monstro marinho a chuva se precipita sobre a cidade. E aquela clara e luminosa tarde de verão curitibano, é tingida de matizes sombrios. As pessoas, pegas de surpresa, esgueiram-se rapidamente, disputando palmo a palmo os escassos lugares sob as marquises.
Nas ruas, o trânsito logo se torna uma loucura. Impacientes atrás do vai-e-vem do limpador de para-brisas, alguns motoristas buzinam insandecidos.
De repente, o semáforo começa a piscar no amarelo intermitente. É o caos. Alguns pedestres se aventuram por entre os carros e seguem seus caminhos. Pastas sobre as cabeças na ilusória tentativa de se proteger. Enquanto outros se espremem e se xingam mentalmente nos quase inexistentes espaços protegidos rente às paredes.
Não tarda muito e aparecem os vendedores de guarda-chuvas.
- “É dez reais o guarda-chuva”, imagino ser o anúncio feito em voz firme por um deles.
E enquanto a chuva segue impiedosa, confortavelmente observo este belo espetáculo urbano. Um tanto surreal, eu diria. Afinal, diante de tanta tecnologia, tanto desenvolvimento, como é que ainda somos surpreendidos pelas repentinas mudanças de humor do clima?
Vou confessar uma coisa: sou fascinado por esse tema. Tenho especial interesse e curiosidade sobre as súbitas transformações. Pode acreditar. Fico intrigado e começo a ponderar hipóteses para os eventos. Mesmo sendo um desses leigos cegos e um tanto surdos nessas questões meteorológicas, me atrevo a mirar o horizonte a fim de visualizar as tais massas de ar que se chocam e provocam os vendavais que castigam a nossa cidade.
Nada vejo. A não ser claro, os imensos borrões de cinza chumbo, muito além da vidraça da janela que me protege dos golpes impiedosos da chuva que galopa no lombo do vento.
O nosso humor, muitas vezes, também se altera desse jeito. Impetuoso como uma criança mimada, se fecha de repente ante uma mínima contrariedade. Em outros casos, essa desacomodação psíquica vem de carona com a carranca do tempo. Se tem sol, sorrimos alegremente para o mundo. Se predominam nuvens, sobretudo naqueles dias em que elas se decompõem em pequeníssima gotículas de água gelada, nos recolhemos dentro de uma concha e ali ficamos, amortecidos.
Mas é só o sol abrir os olhos e ensaiar, basta o ensaio, uns breves passos e parece que a vida e a felicidade ressurgem alvissareiras. Sem que os ventos precisem empurrar a frente fria da tristeza e da solidão rumo ao imenso oceano das ilusões perdidas e das incertezas.
Basta o céu abrir caminho para o sol e tudo se resolve. Cessam as buzinas, o sinal volta a funcionar, esvaziam-se as marquises e sorrindo nos despedimos daqueles desconhecidos amigos de infortúnio.
Por André Luís Fernandes Dutra – Em 06 de abril de 2010.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
Cacau dourado lia
Era cedo da tarde. Sei disto, pois acabara de retornar do almoço. Após saborear uma quase saborosa refeição vegetariana. Pois é. Tenho me dedicado aos pratos leves. Devido à orientação de meu cardiologista, tenho me obrigado a ser comedido nas refeições. Nada de carne gorda. Vermelha. Frituras. Evitar doces. Sobretudo o chocolate. O interessante nesta história é que nunca fui aficcionado por tais guloseimas. Mas o colesterol está alto. Fazer o que? Mudar a dieta. Mas, não sei se feliz ou infelizmente, já estou até me acostumando. O fato é que estava, como de costume, sentado diante de minha mesa, na repartição. Enquanto organizava as atividades a serem executadas no turno de trabalho que se iniciava, analisando, separando, classificando, selecionando cada uma das tarefas, colegas conversam animadamente. Alheio aquele burburinho de vozes, pacientemente sigo meu trabalho.
De repente, daquele incompreensível mosaico de vozes e sons sobrepostos, concorrentes entre si e com a incansável campainha do telefone, com as buzinas dos automóveis, na via pública, com o canto nada ritmado dos celulares, chega a meus ouvidos, com a clareza e nitidez do violino que emerge solitário após o silêncio de uma breve pausa da orquestra, aquelas três palavras. Soltas. Independentes. Casualmente derramadas uma após a outra. Conduzindo-me em divagações várias. Bizarras. Para os que seguiam entusiasticamente a conversa, tais palavras não causaram qualquer furor. Não representaram qualquer possibilidade de devaneios. Penso, mesmo, que seus cérebros decodificaram-nas como uma sentença legal. Um artigo de lei. Talvez como as indicações de uma bula de remédio. Ou, ainda, como as especificações técnicas de um aparelho de som.
- “Cacau dourado lia”.
De imediato, sem que tivesse a menor possibilidade de controlar o ritmo ou o rumo de meus pensamentos, vi-me sentado confortavelmente à beira mar. Sol escaldante. Calor brasileiro. Cerveja gelada no copo. O ir e vir de pernas e braços e vultos e sombras na areia. Meninas bonitas. Jovens atletas. O casal de velhinhos. A mãe e o filho colhendo conchinhas. Um gordo fanfarrão mastigando um daqueles espetinhos. E a uns poucos metros dali, sentado numa cadeira marrom, sob um guarda-sol amarelo, estava ele. O senhor Cacau Dourado que lia tranquilamente um volumoso livro. Alheio ao sol. Ao mar. Ao vento. Às pernas e vultos. Intrigado, fico a analisar aquela distinta, porém nada convencional criatura. O que estaria lendo? Talvez estivesse debruçado sobre a obra de Jorge Amado, especialmente escrita em sua homenagem. Talvez não. Quem sabe seu gosto fosse mais erudito, voltado aos grandes filósofos como Nietzsche, Kant, Kierkegaard. Ou poderia estar imerso no apaixonante universo da música brasileira, folheando paginas com obras de Aldir Blanc.
E eis que me percebo de volta à minha mesa. Sugado abruptamente para a crua realidade. Novamente aprisionado naquele irritante burburinho de vozes e sons desencontrados. Aguço minha audição a fim de pescar um sentido qualquer naquela conversa de doidos. Percebo, então, que as colegas falavam sobre o paredão do programa televisivo Big Brother que havia sido formado por três dos participantes, chamados respectivamente de Cacau, Dourado e Lia. Assim, mesmo. Nesta sequência. Sem qualquer imaginação ou criatividade. Sem devaneios. Tão distante das pernas bonitas de vultos de atletas moças ou não...
Por André Luís Fernandes Dutra – em 02/03/2010.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Ciúme de você
Francisco Berlusconi era uma cruza de português com italiano, morou por toda a vida no Bexiga. Aproveitando o boom econômico do Paraná na última década, veio de mala e cuia para Curitiba. Montou um restaurante e estava bem financeiramente.
Berlusconi gostava de circular pelo restaurante e cumprimentar os clientes. Certo dia bateu o olho numa bela mulher, daquelas que dispensam comentários ou quem sabe uma descrição mais apurada. Era, Ângela Sorella, uma típica representante de Santa Felicidade. Berlusconi apressou-se para saber mais do currículo da moça.
- Bom dia! Me chamo Francisco Berlusconi e sou o dono deste estabelecimento. Como se chama?
- Ângela Sorella, mas pode me chamar de Sorella, trabalho aqui no centro e gostei da comida daqui.
- Fico feliz, qualquer reclamação me procure! Prazer em conhecê-la!
- Obrigada, foi um prazer também.
Berlusconi suava frio ao despedir-se mas sentiu que a moça foi receptiva e havia uma pequena chance de “se dar bem” num futuro próximo.
Os dias passaram, férias, carnaval e começou o ano, em março. Berlusconi doente pelo “Parmera”, buscava na tabela do campeonato, algum jogo do seu time do coração, aqui em Curitiba. E não deu outra, Atlético e Palmeiras iriam se encontrar no dia cinco de abril. Os olhos do rapaz brilharam: - vou convidar a Sorella para ir ao jogo! Pensou.
Ingressos comprados, coragem adquirida, Berlusconi aguardou a moça sentar-se à mesa, aproximou-se rapidamente e, procurando manter o controle, tascou:
- Bom dia Sorella, vejo que tá com fome hoje!
- Estou sim, não tomei café pela manhã...
- Quero fazer um convite, se não for atrapalhar é claro.
- Convite?
- Sim, domingo tem jogo do Parmera aqui em Curitiba e gostaria de convidá-la para me acompanhar. Aceita?
- Hummm... domingo não tenho nada para fazer... aceito!
- Ótimo! Vou comprar os ingressos! Bom, vou deixar você almoçar então!
Berlusconi saiu feliz da vida afinal Sorella seria uma excelente companhia para esse jogo tão aguardado.
Domingo, cinco de abril, o moço aguardava a bela italiana em frente ao estádio, como haviam combinado nos telefonemas que trocaram nesse período. De repente, Berlusconi avistou uma moça, toda de verde, identificou o fardamento do grande Parmera que cobria o corpo dela. Ela aproximou-se e ele pode notar também o short minúsculo, de cor verde que Sorella estava usando.
- Porco dio, Sorella! Você me aparece com esse shortinho pra assistir o jogo?
- Bom dia Francisco!
- Não sei se vai ser um bom dia...
- Que houve, Chico? Amaciou a moça...
- É´... esse shortinho que você está usando. Vou acabar me incomodando!
- Chico, tá calor!
- Bom, fazer o que! Vamos entrar?
Seguiram os dois e acomodaram-se no mais belo meio-estádio do país. Ficaram naquele cantinho destinado aos adversários. Berlusconi olhava pra cima, passavam algumas nuvens. Por via das dúvidas andava com o kit Curitiba, para as eventualidades não tão eventuais como chuva, sol, frio, calor e vento, que acontecem ao mesmo tempo, no mesmo dia.
Começou o jogo!
Chico e Sorella formavam um belo par. Ela um belo par de pernas evidenciado pela falta de pano sobre elas. Ele, aquela mistura de português com italiano, meio vermelho devido ao vinho ingerido anteriormente, porque na Arena só servem água mineral.
- Goool! Grita o narrador, meio sem graça, com noventa por cento do estádio calado.
- É´ goooollll do Parmera! Grita Berlusconi, que aproveita e abraça a Sorella que retribui. Ela pula, rebola e canta!
Terminado o primeiro tempo, os dois seguem para o barzinho do estádio e bebem bastante água, afinal ainda faltam quarenta e cinco minutos de jogo.
De volta ao lugar escolhido, sentam.
- Chico empresta o rádio pra eu escutar os comentários?
- Claro! Fica com ele só me dá um fiozinho quando começar o jogo.
- Ta´, te dou um fiozinho...
Era impossível que a moça passasse desapercebida naquele pequeno espaço. Torcedores e integrantes da Mancha Verde já haviam prestado atenção naquele shortinho.
E seguiu o segundo tempo. O jogo estava eletrizante. O Atlético atacando direto, o Palmeiras se defendendo e buscando o contra-ataque. Bola na trave. Berlusconi roendo as unhas. O fiozinho caiu da orelha, ele roeu parte dele.
- Gooooolllll, do Palmeiras! O estádio emudeceu.
Torcedores do Porco, a Mancha Verde, Chico e Sorella foram à loucura!
- Esse é meu Parmera! Dizia Chico enlouquecido.
De repente, na cadência da batucada presente, o estádio ouve:
- Sorella, Sorella, Sorella! Era a Mancha Verde com seu novo grito de guerra!
Berlusconi enraivecido gritou:
- Mas que falta de respeito, seus... porcos!
Pegou a moça pelo braço e saiu esbravejando do estádio. O radinho? Ficou pelo caminho, com o fiozinho roído.
Já na rua, passa um carro tocando uma canção do Roberto Carlos. Sorella olha para o rapaz e diz:
- Ah, Chico você está com ciúmes?
- Tô sim, tô montado num porco!
- Da próxima vez vê se vem de vestido bem comprido ouviu?
- Ta´ Chiquinho, se acalme!
- Chiquinho, coisa nenhuma vou esperar aqueles tarados aqui!
- Chiquinho, vamos embora, não vale à pena, você vai morrer.
- Morrer que nada, eles vão ver só o peso do meu braço.
- Chiquinho, vamos embora? Vamos pro Shopping comer uma pizza?
-Tá bom, mas antes você vai trocar esse shortinho indecente, antes que eu vire um...
- Porquinho violento? Perguntou Sorella carinhosamente.
- É... respondeu o moço, meio sem graça!