Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Por que adoro o Lula


Por que adoro o Lula
(exercício sobre ciúmes e diálogos)

Semanas dessas fui ao interior do Paraná descansar das discussões da capital. De cara, fui ao boteco do Jeremias tomar umas cervejas no copo de requeijão. Estava com sede para ouvir os causos daquele distrito. Por sorte, encontrei com antigo amigo e compartilhamos alguns cascos e estórias. Lá pelas tantas, vendo minha embriaguez, convidou-me a dar uma passadinha na casa de um chegado dele. Íamos comer acerolas e fritar uns peixinhos. Era uma cilada. Sou doido por acerolas e peixinhos frescos fritos. Fui ao hotel, banhei-me e reencontrei o camarada no coreto. Três esquinas dali chegamos a casa das acerolas. Pé carregado daquelas frutinhas bem vermelhinhas. Fomos recebidos pelo comparsa dele de arapuca. Entramos. Despistaram. Levaram-me às frutas vermelhas e deixaram comer enquanto eles trocavam ideias esparsas. Aí, a conversa chegou à política. Subitamente raivoso, o anfitrião disparou impropérios sobre a figura de um homem que exercia fascínio sobre sua mãe. Levou-nos dali, do quintal, até o quarto onde ela permanecia na maior parte do dia.

Lá estava a senhora gorda, tranquila, serena e concentrada a admirar os retratos pregados na parede. A imagem do Cristo crucificado ao centro, a do marido barbeado à esquerda de quem observa e a de Lula empossado à direita de quem o contempla. Notei – sem ser percebido pela matriarca – que o dormitório não tinha mais nenhuma imagem, nem um pequeno porta-retratos com os filhos. Era aquela ausência que atormentava nosso anfitrião. Ao retornamos a sala, sem conter os modos, ele nos conduziu ao sofá para censurar:

– Não é uma besta, uma verdadeira anta?

Contudo, essa inflexão não teve muito fôlego. Foi interrompida pelo outro filho (no caso, filha), que trazia o café com leite a todos e defendia:

– Deixe a mãe com o Lula dela.

Mas o anfitrião não deixou. Prosseguiu a detratar a imagem de Luís Inácio de tal forma e altura que sua mãe pudesse ouvir as queixas do quarto.

– Veja este Bolsa Família, só sustenta vagabundo fracassado. E nem foi eles que inventaram.

A irmã devolveu.

– Ué, mas você não trabalha e vive à custa da aposentadoria da mamãe. E pouco importa quem inventa a lâmpada, mas quem distribui a luz para todos.

– Eu só sei que ele é um espertalhão que aproveita da ingenuidade do povo.

– Ele tira proveito da inteligência popular para enfrentar as artimanhas de lacaios.

– Nordestino analfabeto.

– Destino perseguido!

Neste ponto, tive até uma cobrinha em intervir. Sou cearense, pombas. Diria que existem áreas cuja inteligência é mais importante do que a intelectualidade, como na conciliação necessária para aquele momento. E concluiria com “estudar o amor não faz de ti um amante quando se estuda a casca e não o recheio”. Mas isso seria utopia e lirismo demais. E a política externa a Bobbio mostra que algumas pautas se vencem quando não damos importância a elas. Algo que meu amigo não lera, pois ele estimulou:

– Ah, vá lá, ele é muito simpático.

– Cafu era simpático, mas perna-de-pau.

– Se futebol e política se jogassem apenas com ternos a Itália seria imperial.

– Mas ele é um desclassificado...

– Foi preterido algumas vezes, não desistiu e virou profissional...

– Mas é um non sense...

– Você só acha isso porque por onde anda ele levanta a taça sem esquecer de suas origens

Confesso que toda essa discussão fez-me entender cada vez mais a postura da nossa senhora. Ela se cansou da incessante busca pela preferência de seus filhos. Matreiramente se ausentou deste embate tal qual eu fugia da carapuça de meu amigo – ele tentava revelar meu juízo sobre o presidente – retornando ao quarto dela. Sentei-me na pontinha da cama, observei os três quadros e tive uma sensação de descanso, harmonia e prosperidade.

– Sabe por que eu adoro o Lula? Porque a barba dele parece macia. Jeremias também usava barba quando eu o conheci. Depois tirou. Rezo para que ele não descubra meu gosto pela barba fofa do Lula. Acho que me mataria. Jeremias era da Arena.

_________

www.twitter.com/manoloramires

bloginparana

Nenhum comentário:

Postar um comentário