Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 9 de maio de 2010

A confeitaria (Opus 3)

Por vezes tenho medo de viver, exceção se faz quando por volta das sete horas da manhã vou à confeitaria. Sento-me no lugar aparentemente já reservado pelas atendentes, que de imediato me trazem o número um: café com leite médio e um pão de queijo. Normalmente, para isolar-me de outros seres humanos levo algo para ler. Puro disfarce. Agora, confesso que o tratamento relaxante que busco é olhar a vida alheia. É, é isto mesmo, observar as pessoas, aqueles espécimes de animais ditos racionais.
Em verdade os seres humanos podem ser racionais na sua visão meu senhor, por que nas dos outros são estranhos e cheios de defeitos. Alguns podem ser admirados, mas são raras exceções.
Mas vamos explorar a confeitaria, ou melhor, seus habitantes.
A atendente é filosófica – creio que todas o são – e o tempo é o melhor assunto.
– Vai chover hoje? Pergunta clássica em cafés.
De certo que é possível, estamos em Curitiba. Aqui tudo é possível, do guarda-chuva ao bronzeador, do casaco pesado a regata branca, da água ao leite quente.
E por falar nisto, por volta das sete e dez chega Marco, não que seja este o nome, porém é o mais apropriado para o momento. Seco e meio adstringente, pede em curtas e simbólicas palavras café com leite e pão com queijo quente. Fixa olhar no que vai comer e arma suas defesas para qualquer conversa.
– Bom dia, seu Marco? Chove hoje?
– Nem vai fazer sol.
Fim da conversa.
Conversa é que não falta ao casal que sempre já está antes de minha chegada – ótimos de serem observados. Ele uns vinte por cento maiores que ela, porém ela, a que tudo indica, se acha a rainha da cocada preta. Discutem a relação – outro assunto clássico em cafés. No início faces serradas, palavras baixas como confissões. No tempo os ânimos se exaltam e nem é bom falar o que sai. Observe quando tiver chance. Mas, como o amor é animal, surgem sorrisos marotos por fim. Em verdade, nunca se chega a acordos no casamento, cede-se pelos desejos, sejam financeiros ou sexuais.
Falando em sexuais, chega à mulher tempranillo. Sim, uma uva de mulher, porque em tudo que é lugar sempre tem uma gostosa de plantão. Se não tem adota-se como, e neste caso uma com perfil espanhol. Observe mais uma vez. Chega despretensiosa como uma crônica, porém o sorriso é uma novela. A cruzada de perna sempre é fatal, tente não fixar tanto os olhos pode ser descoberto. Sempre irá ter alguma parte do corpo para te fisgar, uma barriguinha sobrando, uma causa justinha,... se for leg então o efeito pode ser mais direto.
Em tempo, o estudante, que aqui se retrata não um, mais a grande maioria, chega sempre com cara de sono quando os recursos disponíveis na mochila o permitem. No máximo um cafezinho com o pão com manteiga, e o come na mais lenta voracidade.
            Dá-se meu tempo e tenho ir. Direto ao caixa e acerto a conta, mas a rabeira do olho ainda olho para dar adeus a este universo que tanto bem me faz. A caixa é argentina, fala com o olhar, que sempre remete a um tango, com algo a dizer. Seu sorriso é sempre a última imagem que levo do lugar...

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