Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O mito de eterno presente

O mito do eterno presente

Por todo lado e cada vez com maior frequência tenho ouvido as pessoas lamentando o individualismo e a indiferença tão marcantes nestes nossos dias. Seja para destacar a distância cada vez maior entre os próprios vizinhos de porta nos edifícios, nos condomínios de casas ou sobrados, seja reclamando, no mais das vezes, da postura egocêntrica e egoísta no trânsito, onde ninguém dá a vez ao outro, ou não se respeita o pedestre nem mesmo na faixa que lhe é especialmente reservada. Isto sem falar naqueles, que não são poucos, que fazem manobras repentinas e sem a devida sinalização. Como se fôssemos obrigados a adivinhar o que eles estão pensando.

Tais atitudes refletem o espírito que anima as relações sociais, políticas, econômicas dos dias atuais. A contemporaneidade, pós-modernidade ou, para muitos estudiosos e pensadores, a pós pós-modernidade. De todo modo, conceitos que não passam de meras palavras artificialmente enfeitadas para nos manter aprisionados neste ideal de tempo único, instantâneo.

Não lhes parece mesmo curioso como este modelo social de “eterno presente” se impôs tão rápida e definitivamente? Quem não se amolda é taxado de anacrônico, conservador, velho. O passado e o futuro deixaram de ser balizas a justificarem uma escolha ou uma renúncia. As experiências acumuladas no tempo são menosprezadas e o fazer cotidiano não visa a construção de um porvir melhor, mais humano ou fraterno.

Não. O que importa é o prazer que posso garantir agora. Mesmo que o preço a pagar por isto seja o isolamento, a perda do contato com o outro e com o mundo. O que explica o ocaso dos relacionamentos e da família. Muitos adolescentes – e também uma grande quantidade de adultos – passam horas a fio em frente aos computadores participando de envolventes competições de jogos on line. Realizam-se no espaço cibernético, estabelecendo laços com avatares e nicknames. Nomenclaturas ultra-modernas para as máscaras humanas, sob as quais negamos aquilo que de fato somos: seres frágeis, indecisos, carentes de compreensão e afeto verdadeiro.

O resultado desta ausência de diálogos e contato humano é o aumento de doenças como a ansiedade e a depressão, agravadas em muito pelo estresse, outro traço característico destes tempos de pressa.

Talvez, inclusive, seja exatamente aí que se encontrem alguns dos elementos capazes de explicar a apatia que nos assola e nos mantém conformados e inertes diante do absurdo espetáculo de violência e corrupção.

Aprisionados nesta ilusão de busca frenética de uma autorrealização imediata, perdemos a consciência de quem somos, do que queremos e do porquê vivemos deste modo e assim permanecemos. Vagando inconscientemente rumo ao nada.
E esse esvaziamento da humanidade dos seres humanos parece ser o destino inevitável desta ética hedonista que nos massacra.

Por André Luís Fernandes Dutra – Em 05 de maio de 2010.

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