Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sábado, 22 de maio de 2010

Eleitoras paixões

Eleitoras paixões.

Lendo, dia desses, um pocket livro de Freud, intitulado “O futuro de uma ilusão”, onde ele discute a origem do fenômeno religioso e seu papel no processo de controle dos impulsos humanos, num determinado momento, ao discorrer sobre a cultura, defende que ela precisa ser construída sobre a coerção, pois os “homens não são espontaneamente inclinados ao trabalho” e que “argumentos nada podem contra suas paixões”.

Sem dúvida, duas premissas bastante fortes e com potencial explosivo muito grande. Principalmente se considerarmos o peso das ideias de moralidade sob as quais somos educados desde a mais remota idade em nossa casa e na escola bem como pela formação judaico-cristã reproduzida, mesmo que inconscientemente, por grande parte dos seres que habitam essa porção ocidental do globo terrestre.

Mas um de vocês poderia objetar que Freud escreveu isso há quase cem anos e que de lá pra cá, muita coisa mudou. As relações de trabalho, por exemplo, sofreram profundas transformações. A jornada de trabalho é, hoje, limitada a um número específico de horas diárias e ou semanais, assim como diversas garantias legais foram estabelecidas, visando assegurar diversos direitos aos trabalhadores. Tudo isto é verdade. E se também é fato que alguns retrocessos importantes vêm sendo feitos nestas conquistas, não ousaria discordar que as condições de trabalho são muito melhores hoje do que há um século.

Agora, o paradigma do trabalho como condição para subsistência persiste e, com ele, a ética da exploração do homem pelo homem. No campo mental, a sujeição se opera por meio da ética do consumismo. Padrões de conduta e de consumo são impostos muito veladamente por meio da publicidade ou da propaganda. Um outro autor, o estadunidense W. B. Key, inclusive, referiu-se ao tempo presente como “A era da manipulação”, em livro que leva este exato nome. E a manipulação, meus caros, se opera exatamente no obscuro e incompreensível terreno das paixões.

E é aqui, no campo das paixões, que cada vez com mais frequência somos aprisionados e subjugados. Já expressei em outra oportunidade esta ideia de que somos suficientemente apaixonados pela nossa própria visão de mundo (http://inexorabilidades.blogspot.com/2010/04/eleicoes-e-verdades.html), pelas nossas crenças, que não conseguimos enxergá-las como elas de fato são: percepções particulares e, muitas vezes, irrefletidas da realidade.

E é com base na defesa apaixonada desses valores herdados não se sabe exatamente de onde, de quem ou porque, que vamos repetindo e repassando ideias parciais, algumas vezes apenas verossímeis, como se fossem verdadeiros dogmas incontestes e imutáveis.

E eis aí a grande armadilha que nos aguarda neste ano eleitoral. Sabedores dessa nossa humana característica, os candidatos – todos – irão dialogar com as nossas paixões e não com o nosso intelecto. Buscarão nos seduzir com palavras soltas, jingles e slogans vazios, criados por marqueteiros de plantão, ao invés de tentarem nos convencer por meio do diálogo franco com a nossa razão. Ao invés de uma escolha consciente de um projeto político, eles apostarão em nossa irresistível tendência à renúncia. Renúncia ao que pensamos ser o melhor para o país. Renúncia à possibilidade de acabar ou ao menos diminuir o sofrimento cotidiano que nos é imposto pelos maus governantes, que nós mesmos elegemos, ano após ano. Dentro do mesmo processo de renúncia à criticidade em favor da sedução. Vendida como a mais pura e cristalina expressão da racionalidade humana. E depois, como sempre ocorre, uma vez baixada a poeira das festividades de campanha, novo choque de realidade: o sofrimento continua. Tudo permanece o mesmo.

Afinal, não é mesmo ilimitada nossa capacidade de nos sacrificarmos por aquele ou aquela que nos seduz?

Por André Luís Fernandes Dutra – Em 20 de maio de 2010.

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