Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Políticos russos “alimentam”causa terrorista

Depois que duas mulheres explodiram no metrô russo, os deputados de lá querem aprovar pena de morte para terroristas. Que os terroristas tropecem em suas pretensões (sic) juntamente com essa ideia brilhante, de uma originalidade do arco daquela velha, a russa que foi pensada com vodka e sopa de repolho, diria Raskolnikoff. Quanta tenacidade desses políticos, hein, irmãos Karamazov. Mandar matar quem quer morrer. Nem um mujique seria tão esperto. Já cogitou? Os políticos institucionalizando a vontade dos lacaios. O fracassado como herói. É condenado e até pode escolher a pena. Como último pedido de vida, ele sorri lascivamente e pede para morrer amarrado a um ônibus em praça pública e com 10 quilos de dinamite. São Petersburgo pelos ares...

Punição para terroristas é pena de vida. Deixem eles vivinhos-da-silva. Uma receita é mantê-los em prisão bem arejada, tudo bem limpinho, alimentando-os bem com kulitch e água gaseificada. Pena de gozar uma vida que vale dois kopeks. E ai-ai do terrorista que não quiser comer. Injete-lhe nas veias uma lasanha, um nhoque, blinis e chá de camomila servido em samovar. Deixe-os bem alimentados. Com suplementos vitamínicos, inclusive. Mantenha a barba e divulgue a imagem deles na mídia como símbolo de bom comportamento. Isso - aos pretensos mártires - os repugnará. Para as mulheres, um pouco do mesmo, dando destaque para as unhas e cabelos soltos.

Puna-os com a vida. Não façam como no Brasil em que os presos mandam mais e estão mais seguros, mais livres e perigosos dentro da cadeia do que expostos às milícias. Eles vivenciam seu cárcere como Graciliano Ramos, como o tal Marcola, que roubou banco “para se entregar a polícia” e depois organizar o PCC.

Interessante isso. Se terrorista quer morrer e bandido quer se preso, um pune-se com a vida e outro com o quê?

Manolo Ramires
bloginparana.wordpress.com

terça-feira, 30 de março de 2010

A Indignação de Ter Tutano

Numa noite quente, estava sentado com meu amigo Ter Tutano num dos botecos da Praça da Ordem. Pois é de ver que ele, apesar de macho, estava com TPM naquela noite! Reclamava de tudo: das filas,dos estudos e principalmente das pessoas idosas.

Nesse momento um senhor com olhar vivo,cabelos brancos sentou-se serenamente, sozinho numa mesa próxima a que estávamos. Pediu uma cerveja bem gelada. Quando começa degustá-la com o prazer das pessoas que sabem desfrutar bem a vida, meu amigo que infelizmente estava no meu lado teve uma crise de indignação. Dessas crises pueris inerentes as pessoas que vivem tardiamente a adolescência.

Com arrogância, tomou para si a responsabilidade de explicar para aquele senhor já maduro, porque era impossível que alguém da "velha geração"(palavras dele) entender, conviver ou mesmo viver no mundo que só pertence aos jovens. Começou o discurso alto e claro, de modo que todos em volta pudessem ouvi-lo:
- "Vocês cresceram num mundo diferente,um mundo primitivo!" Olhou ao redor certificando-se que estava sendo ouvido e se chamava atenção de todos. Então continuou:"- Nós os jovens de hoje, crescemos com Internet, celular, aviões a jato, viagens espaciais. Temos energia nuclear, computadores com grande capacidade. O que vocês faziam quando eram jovens,ô ET?

O senhor se aproveitou do intervalo dessa ladainha, tomou um gole de cerveja e calmamente respondeu: - "Você está certo filho. Nós não tivemos essas coisas quando eramos jovens por que estávamos ocupados em inventá-las. E você, um bostinha arrogante dos dias de hoje, o que está fazendo para a próxima geração?" Foi aplaudido em pé. E eu saí de fininho de perto do meu amigo Ter Tutano.

In Tele Jumencia.

domingo, 28 de março de 2010

Revelações Secretas.

- Não, não pode continuar desse jeito... Não suporto mais esta treva.Vou acabar com tudo isso agora mesmo. Lá do oitavo olho para baixo. Sinto tontura.Fecho os olhos... E num desses momentos de total desequilíbrio, meu corpo despenca lá de cima em direção ao solo.

É nessas circunstâncias que em poucos segundos, inconscientemente, fazemos uma retrospectiva de momentos marcantes de nossas vidas... Como um corpo em queda livre tem uma aceleração constante e uniforme, vou usar dos meus direitos de reproduzir essa queda em câmara lenta, com alguns congelamentos de imagens em momentos específicos. Só assim poderei confessar o inconfessável.Relatos que só vem a tona em situações cruciais.

Aos três anos de idade, matei meu professor de geografia só por que o pobre falou que Maceió era uma cidade litorânea, capital de Alagoas localizada na região nordeste do país. Insistentemente, ele dizia que tal palavra não significava alguém em crise de piti,que após ter amassado vários papéis exibe-os com ar de vitória: amassei ó! Após a execução, depositei o corpo do infeliz numa caixa cor de rosa onde guardava os brinquedos que me davam problemas.

Na semana seguinte, fiz uma operação macabra permutando as cabeças de duas bonecas: uma loura e outra morena. Ela odiaram, choraram mas mesmo assim mantive a troca pois achei que ficaram lindas.

Aos quatro anos(congelar imagem)matei minha professora de história, pois ela insistia que não havia rei na Rússia e muito menos príncipes ou princesas.Coloquei seu corpo na mesma caixa cor de rosa que ocultei o professor de geografia.

Aos cinco anos, matei Papai Noel por razões óbvias: ele simplesmente não existia! O danado continuou me trazendo presentes mesmo depois de morto.

Aos doze, me apaixonei perdidamente por meu professor de matemática de quarenta e dois. Descobri que ele era casado com uma louraça comprida, com ela havia dividido e multiplicado.Dessa operação resultou em dois moleques mal encarados.Desolada, decidi tentar suicídio devorando uma tigela imensa de gelatina de morango. Gelatina light,pois não queria engordar. A tentativa foi frustrada, mas o conteúdo da tigela estava uma delicia. Lembro até agora de ter raspado com a colher os últimos vestígios daquela maravilhosa iguaria adornada com frutas vermelhas.

Aos quatorze anos eu...Não! Não vai dar tempo...Brammmmm...Ai,ai, ai que dor!!! Meu traseiro vai de encontro ao tapete da sala de estar, e a escada capenga cai estrondosamente para o outro lado.

- Eu sempre disse que odiava trocar lâmpadas! Ai que dooor!


Ferdinanda Embrião.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O pastel do mercado

“Tem aí um surpresinha”? O pedido não se deu às cegas. Ele foi feito após minuciosa observação das opções oferecidas e dos ingredientes disponíveis. Não era um investimento de alto risco como comprar ações da Petrobras diante da divisão dos royalties. Estava mais para carta-de-crédito de banco. Nada que pudesse trazer uma congestão ou repulsas palatinas nos próximos desafios.
Era um pedido simples e provocativo: “tem aí um surpresinha?” Mas a senhora ao lado pesquisava freneticamente o cardápio pendurado e não encontrava a opção. Tinha tudo do trivial, pizza, bauru, frango com catupiry e carne. Não tinha, no entanto, nenhuma referência a combinação de sabores que associasse o nome surpresinha. E a surpresa, minha gente, sempre tem como substância uma pitada de curiosidade. Por isso, a senhora ao lado como nova investidora não resiste e indaga: “onde você viu essa opção”?

Não tem, minha senhora ao lado. A surpresinha é sempre jogos aleatórios previsíveis e pré-estabelecidos. Mera figura de linguagem. Tome por exemplo um joguinho de Loto fácil. Ou mega sena mesmo. O prêmio da surpresinha é sempre uma combinação possível de 15 números dentre 25 ou de seis dentre sessenta. Você pode não controlá-los. Mas pode supô-los. E acertá-los?

A atendente do carrinho de pastel do Solar do Rosário tentou. Ela “controla os números”. Topou a brincadeira com a sugestão de que só faria o alimento surpresa se o desafiador fosse desafiado também a identificar os ingredientes. Era essa a ideia desde o começo. Mais fácil de identificar do que se a fritura das ações foi determinada pela chuva na Índia, pelo protecionismo americano, pela especulação alemã ou por avaliação errada da consultoria brasileira.

E foi-se ponto a ponto, pedaço a pedaço, mordida depois de mordida descobrindo-se o “mercado do pastel”. Nele tinha frango, orégano, azeitona e queijo. Felizmente, a combinação surpresa não constava no cardápio. No mínimo era isso que se esperava, além do preço de R$1,50 previamente estabelecido. De óbvio ululante, assim como rendimento de poupança, apenas o café com leite do grão de saca desconhecido e da teta alheia. Sem esquecer a massa, que nem com a ajuda de inúmeras análises gráficas meu paladar é capaz de distinguir: vai farinha? A senhora ao lado deve saber...

Manolo Ramires
bloginparana.wordpress.com

O Oráculo.

Chuva,chuva,chuva. Embora invisível, imóvel e adornada por um sol de rachar dentro de uma noite fria, a chuva evidencia impiedosamente o vazio absoluto de minha total falta de inspiração.

Procuro respostas num tal Oráculo de Mercúrio. Mas ninguém me avisou que o individuo estava em greve.Ou estava me boicotando o safado!fazendo-se de difícil ignora indagações importantíssimas e vitais:Vou ficar rica nos próximos três dias? O que tem dentro do pastel surpresinha nesta noite? Será que as crônicas que escrevi sobre a última oficina de crônicas,ficaram com jeito de crônicas ou de romance policial?

Ando no movimento solitário da Praça da Ordem... Olho Godô e vejo sua cara que de tão inexpressiva, me provoca. Não está com o mesmo ar de cumplicidade e mistério de uma estátua equina que se preza. Mudou Godô ou mudei eu? O pobrezinho, pode estar com medo de Mercúrio que se julga o deus das comunicações.Como Godô desvia o olhar, não insisto. Saio de perto e continuo em busca de respostas.

Ouço palavras soltas admiráveis e significativas para quem as diz, mas que para mim nada dizem. Frases como: "Vou num pé e volto noutro!" "Tu tá instalado em Maringà?" Enfim frases vazias como pastéis de vento.

Prossigo caminhando...Vejo figuras alegres nos barzinhos iluminados. Risos. Risos. Risos. Riem de tudo, e riem do nada. Não consigo entender o que conversam. Parecem falar num outro idioma todos ao mesmo tempo. A chuva invisível e imóvel descontrói as palavras.

Então resolvo mandar Mercúrio para um lugar que não posso falar e muito menos escrever, pois sempre me ensinaram que merda é palavrão. Volto para sala de aula e espero ansiosa por um retorno e comentário em relação aos nossos últimos exercícios.

Ah!Então era isso que no seu silêncio Mercúrio quis me dizer: "- Não vai dar tempo minha cara!"
Pois não é que o Oráculo funciona mesmo! Eu que não soube interpretar...

Ferdinanda Embrião.

Calor, né?

Com duas palavras e três sílabas a conversa se inicia. O contato social mínimo necessário no tubo em que o ônibus demora a chegar. Ambos são os primeiros das filas da porta 1. Ela economizou tanta saliva ao ser amistosa:

"Pois é, né? Tá fazendo muito calor. De manhã, o tempinho fresco engana a gente, que sai com um casaco leve e um mini-guarda-chuva na mochila, mais peso pra carregar durante o dia. Chegamos no centro: aquele mormaço, nada de brisa pra refrescar. Mormaço, quentura. Quando morava em Porto Velho, a professora de biologia chamava aquilo de 'cozinhar um pudim de leite: no vapor'."

Ele olha pro lado, a fim de conferir a aceitação da anedota pela jovem de cabelos cacheados e sapatinhos vermelhos, quando se depara com um bigodudo trajando boné eleitoral e uniforme indecifrável. Continua, voltando-se pra frente.

"Estranho, né? Termos tanta palavra pra dizer a mesma coisa, digo. Um exemplo: essa semana fui a uma aula em que se discutia uma crônica do Machado. De Assis, digo. Lá pelas tantas uma palavra esquisita: canícula. A professora, astróloga, disse que era um estrela, mas uma aluna disse que era 'calor muito forte'. Tipo 'Que canícula, que inferno!', sabe? Coisa de gente velha, saber essas coisas inúteis."

Quando vira pro seu interlocutor, vê uma senhorinha de uns 75 anos, vestido florido, nariz empinado e bengala retirando-se pra fila da porta 2. Depois de um sonoro "Humpf". A mulher com bebê no colo se adianta um pouco na fila e ele segue.

"Pude comprovar minha teoria na aula de francês. Falávamos do aquecimento global, réchauffement, e do calor insuportável que fazia: canicule. Quem, logo de cara, associou com canícula? Não eu, que tinha aprendido a palavra dois dias antes, mas uma das três velhas da sala. Infelizmente, entre as diversas atividades que escolheram para mostrar o quanto são 'ativas' está o français. Logo depois a professora arrematou o assunto dizendo que a canicule matava muitos idosos franceses, o que levou os jovens do país a gritar 'Viva!' ao aquecimento global. O que achei de uma ironia refinada."

Finalmente, o ônibus biarticulado chega. E ele entra confortavelmente e sozinho pela porta 1.

 Tuca.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Entre o inferno e o céu, um pastel.


Noite quente de quinta-feira. Como de costume, observo. Feirinha chocha no Largo. A barraca do pastel. A barraca da bolacha. A barraca do salame. A barraca da fruta. A barraca da pamonha. Mas o Largo, ah, o Largo é o Largo. Mesmo em dia de feirinha chocha. Aquele jeitinho de Curitiba. Calçadas típicas. Gente de todo tipo. Baratas - dizem. A Fonte da Memória. O Relógio das Flores. Observadores e observados. Deliciosa penumbra iluminada. Beleza exótica, de expressivos contrastes. Um arcabouço histórico que se reinventa e é reinventado, pertence sempre ao seu tempo e a um outro.
Minha paixão por esse cantinho da esplêndida Curitiba é declarada. Mas há tempos, mais precisamente depois que passei a desenvolver um certo ar a la Caco Antibes, penso uma, duas, três vezes antes de encarar um passeio noturno por ali.
- Compra uma flor, tia.
- Compra um desse, moça (um treco feito de lata, que não serve pra nada).
- Me dá uma moeda, tia.
- Me dá um pastel, moça.
E o passeio, fosse cair na insistência dessas criaturas, viraria um verdadeiro treino para Madre Tereza de Calcutá. Definitivamente não dá. Pedem no sinaleiro. Pedem no estacionamento público. Pedem no ônibus. Pedem no Largo, meu Deus, como pedem no Largo!
Rezo para que nenhum deles me veja. Se pudesse, far-me-ia invisível. Assim, poderia curtir o Largo. Admirar o cavalo babão. Tomar uma cerveja gelada. Permanecer comigo mesma. Observar sem ser incomodada. Quem sabe comer um pastel.
Ah, o pastel. Culpado de tudo na dita noite quente de quinta-feira. Culpado pela minha repulsa. Culpado pela minha insensibilidade. Culpado pela minha dúvida de ter ou não um lugarzinho reservado no céu. Sim, porque depois do tratamento que dispensei aquela garota...
- Compra um pastel pra mim, tia?! (nem olhei, fingi que não era comigo).
Dois minutos depois, de posse de um pastel de carne já pela metade:
- Compra um pastel pra mim, tia?! (olhei de canto de olho e disse, delicada e raivosamente, um não).
Uma careta da garota. Eu ainda menos sensibilizada. Dois minutos depois, com a cara gordurosa de pastel e já saboreando um outro:
- Compra um pastel, tia. (ignoro) Compra uma Coca então?! (não).
Sai de fininho. Ouve alguns outros nãos por ali. Dois minutos depois, arrecada mais um pastelzinho. Acompanhado de uma Coca, é claro. E eis que, acreditem, novamente vem em minha direção, para ao meu lado, olha, olha, e:
- Compra um pastel, tia. (NÃOOOO!)
Uma careta assustadora. Sai reclamando.
Percebo-me, então, com o olhar e o pensamento fixos naquela construção barroca, essencialmente repleta de dualidades e incertezas: a histórica Igreja do Rosário. Sim, o Largo é o barroco por si só. Mas aquela Igreja... Aquela Igreja me transportou para um eu tenso, uma imagem de céu e inferno – em que sequer sei se acredito -, um conflito interior, uma religiosidade incerta.
Será que sofro de uma insensibilidade nata? Não, não pode ser. Lembro que já fui boazinha. No passado. Lá nos idos de... Bem, há tempos lembro que fui. Mas agora, é tanta gente pedindo. É tanta gente mal-agradecida – esses tempos, um se dizia faminto. Jogou o sanduíche, ali, bem na cara da moça solidária. Outro, muito necessitado – os seis filhos passando fome -, vendeu as latas de leite que recebera de um programa desses do governo. A droga era mais urgente. Outro...
Bem, é noite quente de quinta-feira. Como de costume, observo. Feirinha chocha no Largo. A barraca do pastel. A barraca da bolacha. A barraca do salame. A barraca...

Fabíola Rangel

quarta-feira, 24 de março de 2010

Individualidades Absorvidas

Fórmulas matemáticas e álcool. Oito em cada dez frequentadores do Largo da Ordem vivenciam ao menos um destes prazeres. A estatística não possui uma fonte oficial, portanto se você, meu caro, necessita de dados oficiais, pode trocar meus números pelo termo “maior parte”.


Se a noite é de calor, a história se repete: bares lotam as calçadas com suas mesas e cadeiras de madeira. Olhando ali, a pluralidade dos clientes se mistura e já não se consegue os observar individualmente. Sabe-se apenas que, na média, a combinação álcool e cotidiano nutre a ideia de lazer – que os trouxe até ali.


Mas independente de calor ou frio as salas do curso pré vestibular ao lado estão sempre lotadas. Ironia ou não, elas possuem uma visão panorâmica para os bares. Tortura, só pode!


Cada grupo com seus prazeres e obrigações. Mas olhando daqui, da calçada, com a pressa que andamos, o que vemos são duas enormes massas. Sem pensar definimos: de um lado, os que se divertem no bar, do outro os dedicados que se esforçam em estudar. Obviamente sem pensar, pois nossa individualidade é sempre mais importante que a dos outros. É claro que essa definição é leviana, como muitas que temos em nossas vidas, por comodidade ou insegurança.


Em meio aos que se divertem no bar, temos os inconformados, os não correspondidos e os deprimidos, que veem na bebida uma última alternativa antes da derradeira saída – pela janela. Já nas salas de aula, olhando aqui de baixo, não percebemos os que vagam em seus pensamentos, longe dali (talvez no bar). Isso sem contar os que começam belos relacionamentos com uma quase inocente troca de bilhetes escondida. Jamais conseguimos perceber as individualidades olhando de fora. Parte por pressa, parte por comodidade.


Passando por aqui, entre bares e salas de aula, perdidos em nossos devaneios, não nos dispomos a perceber a individualidade dos outros. E para eles, se é que me percebem aqui, sou apenas uma peça que compõe a massa dos errantes caminhantes – sem individualidade alguma.
Rafael Antunes

O folhetinista

Machado de Assis


Uma das plantas européas que difficilmente se tem aclimatado entre nós, é o folhetinista. Se é defeito de suas propriedades organicas, ou da incompatibilidade do clima, não o sei eu. Enuncio apenas a verdade. Entretanto, eu disse - difficilmente - o que suppõe algum caso de aclimatação séria. O que não estiver contido n'esta excepção, vê já o leitor que nasceu enfezado, e mesquinho de formas.
O folhetinista é originario da França, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De lá espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores proporções tomava o grande vehiculo do espirito moderno; fallo do jornal. Espalhado pelo mundo, o folhetinista tratou de accommodar a economia vital de sua organização ás conveniencias das atmospheras locaes. Se o tem conseguido por toda a parte, não é meu fim estudal-o ; cinjo-me ao nosso circulo apenas. Mas comecemos por definir a nova entidade litteraria.
O folhetim, disse eu em outra parte, e debaixo de outro pseudonymo, o folhetim nasceudo jornal, o folhetinista por consequencia do jornalista. Esta intima afinidade é que desenha as saliencias physionomicas na moderna creação. O folhetinista é a fusão admiravel do util e do futil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frivolo. Estes dous elementos, arredados como polos, hecterogeneos como agua e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo animal.
Effeito extranho é este, assim produzido pela afinidade assignalada entre o jornalista e o folhetinista. D'aquelle cahe sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, á leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital proprio.
O folhetinista, na sociedade, occupa o logar do colibri na esphera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules succulentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a politica. Assim aquinhoado póde dizer-se que não ha entidade mais feliz n'este mundo, excepções feitas. Tem a sociedade deante de sua penna, o publico para lel-o, os ociosos para admiral-o, e a bas-bleus para applaudil-o. Todos o amam, todos o admiram, por que todos têm interesse de estar de bem com esse arauto amavel que levanta nas lojas do jornal, a sua acclamação de hebdomadaria.
Entretanto, apesar dessa attenção publica, apesar de todas as vantagens de sua posição, nem todos os dias são tecidos de ouro para os folhetinistas. Ha-os negros, com fios de bronze; á testa d'elles está o dia... adivinhem? o dia de escrever! Não parece? pois é verdade puríssima. Passam-se seculos nas horas que o folhetinista gasta á meza a construir a sua obra. Não é nada, é o calculo e o dever que vem pedir da abstracção e da liberdade um folhetim! Ora, quando ha materia e o espirito está disposto, a cousa passa-se bem. Mas quando, á falta de assumpto se une aquella morbidez moral, que se póde definir por um amor ao far niente, então é um supplicio...
Um supplicio, sim. Os olhos negros que saboream essas paginas coruscantes de lyrismo e de imagens, mal sabem ás vezes o que custa escrevel-as. Para alguns não procede este argumento; porque para alguns ha provimento de materia, certos livros a explorar, certos collegas a empobrecer...
Esta especie é uma aberração do verdadeiro folhetinista; excepções desmoralizadoras que nodoam as reputações legitimas. Escriptas, porém, as suas tiras de convenção, a primeira hora depois é consagrada ao prazer de desforrar-se de uma maçada que passou. N'aquella noite é facil encontral-o no primeiro theatro ou baile apparecido.
A tunica de Nessus cahiu-lhe dos hombros por septe dias. Como quasi todas as cousas d'este mundo o folhetinista degenera tambem. Alguma das entidades que possuem essa capa, esquecem-se de que o folhetim é um confeito litterario sem horizontes vastos, para fazer d'elle um canal de incenso ás reputações firmadas, e invectivas ás vocações em flor, e aspirações bem cabidas. Constituindo assim cardeal - diabo da curia litteraria, é inutil dizer que o bom senso e a razão friamente o condemnam e votam ao ostracismo moral, ausencia de applausos e de apoio.
Não é este o unico abuso que se dá. É costume de outros levantarem o folhetim como a chave de todos os corações, como a foice de todas as reputações indeleveis. E conseguem... Na apreciação do folhetinista pelo lado local temo talvez cahir em desagrado negando a affirmativa. Confesso apenas excepções. Em geral o folhetinista aqui é todo pariziense; torce-se a um estylo extranho, e esquece-se, nas suas divagações sobre o boulevard e café Tortoni, de que está sobre um mac-adam lamacento e com uma grossa tenda lyrica no meio de um deserto.
Alguns vão até Pariz estudar a parte physiologica dos collegas de lá; é inutil dizer que degeneraram no physico como no moral. Força é dizel-o: a cor nacional, em rarissimas excepções, tem tomado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brazileiro é na verdade difficil.
Entretanto, como todas as difficuldades se aplanam, elle podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal á independencia do espirito nacional, tão preso a essas imitações, a esses arremedos, a esse suicidio de originalidade e iniciativa.


*Aquarellas, publicadas em O Espelho, publicadas entre 11 de setembro e 30 de outubro de 1859. In: Assis, Machado de. Chronicas - 1 volume (1859-1863). Rio de Janeiro: Jackson,1944.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Loucuras a Cavalo.

- Ô Zéfiro!!! Eu queria esse serviço pra ontem e você só me entregou hoje! Dessa vez passa...
Aproveitando a sorte do cavalo que magicamente ganhou vida pelo vento, monto sobre seu dorso de pelagem cinza brilhante e saio a galopar. Pois não é que, para minha surpresa, o danado voava! - Ainda bem! Penso depois de passado o susto. -Galopar aqui na praça da Ordem com certeza seria o maior estrago.
-Vamos cavalinho, vamos combater os animais urbanos que azucrinam tanto o nosso amigo Barba Ruiva! E felizes, lá fomos nós na noite morna, sentindo a aragem macia batendo em nossas caras de pau. Aproveitando da vantagem de estarmos muito distantes do solo pareceu covardia, mas não deixou de ser divertido.

Começamos combatendo as baratas. E que baratas! As vezes tinha dúvidas se eram baratas ou ratazanas. Eram baratas mesmo. As ratazanas segundo informações de um detetive muito confiável, pareciam gatos, e dos grandes. Godô, assim quis ser chamado o cavalinho, não falhava e levava-me na direção certeira daquelas pulguentas. Com minha arma a laser matava todas. Em minutos, a Praça da Ordem transformou-se num tapete preto, forrada por aqueles insetos nojentos que jaziam inertes.

Em seguida fomos à caça das ratazanas. Aí a coisa ficou complicada... - Godô, e se aquelas ratazanas do tamanho de um gato, não forem ratazanas e sim gatos? Sou míope, aqui de cima não consigo distinguir...
- Então é melhor deixar pra lá. Na dúvida não atacaremos!
- Tá bem. Agora vamos atrás das moscas que pousam nos salames todas as quintas feiras. Iniciamos uma nova batalha exterminando todas as moscas do pedaço, que acabaram fazendo parte dos cadáveres junto com as baratas.

- Terminamos Godô?
- Agora vem a parte mais difícil: combater as loucas tarântulas que invadem a casa da professora, enquanto ela protege nos braços, seu maior tesouro.
- Ah não! Morro de medo de tarântulas. Ainda mais quando são cabeludas e maiores que uma raposa. Não vou!
- Não me decepcione! Disse Godô, com a propriedade de uma experiente estátua que ganhou vida. Envergonhada, aceito o desafio. Voamos para casa onde as tarântulas atazanam. Com a coragem de uma guerreira acabo com todas num segundo. - Acho que podemos até extrair os pelos daquelas pernas cabeludas, fazer um tapete bem felpudo e vender na feirinha. O que acha Godô?
- São venenosas aquelas pernas. Melhor não arriscar!
- Então, acabamos a missão?
- Claro que não! Tem outros animais urbanos extremamente perigosos para combatermos.

De repente a lua, que apesar de nova no momento, por encanto ficou cheia, e de metida que é, invadiu meu quarto por uma fresta deixada por descuido na cortina. Escandalosamente, deixa o ambiente em tom prata e num sussurro indiscreto me faz ver que é um sonho...
Ou será que Godô, usando de seus truques mágicos, me dispensou da última missão e gentilmente me trouxe até aqui voltando a fingir-se de estátua?!

Ferdinanda Embrião.

terça-feira, 16 de março de 2010

Pra Ontem!

- "Eu já disse. Preciso disso pra ontem!"

Assustado pela firmeza da voz, viro o rosto para ver quem é. Mas ele já ia longe. Passos largos. Apressados. Até sumir na esquina e deixar aquelas palavras gravadas na minha cabeça.

Olho o relógio. Quase oito horas desta noite quente de quinta-feira. Caminho lentamente pela feira a fim de buscar alguma coisa para distrair o pensamento. Olho a barraca do pastel, umas mesas e cadeiras na rua. Crianças brincando ruidosamente. O ir e vir incessante.

"Pra ontem"! Soa retumbante em meu cérebro qual um eco inútil de efeito retardado.

Mas é fato, penso cá com meus botões: queremos mesmo tudo pra ontem. Estamos sempre com pressa. Não temos tempo pra mais nada. Pra mais ninguém. Estamos sempre ocupados.

Muitas vezes, ocupados demais procurando algo com que nos ocupar.

É como se procurássemos preencher os vazios de nossa essência com toda essa infinidade de quaisquer coisas. Escondemo-nos mais e mais por trás das banalidades. Das pequenas e insuficientes futilidades. Desde que imediatas, pouco importa o conteúdo. Se é que existe algum. Na verdade, nem importa.

Perdemos a capacidade de viver o tempo presente. De nos surpreendermos com as pessoas e ou coisas. Esta solidão profunda na qual fomos jogados pela pressa, pelo individualismo, pela indiferença que herdamos da modernidade nos arrancou a capacidade de sonhar. De acreditar. De esperar.

Por isso muitas vezes ficamos assim. Andando a esmo pelas movimentadas ruas das grandes cidades. Perdidos. Em busca de algo que não sabe ao certo o que seja.

Por vezes, sinto que se busca a si mesmo ao se percorrer insistentemente essas ruas, atrás de todas estas gentes. Que se deslocam nervosas. Angustiadas. Impacientes. Celulares à mão. Olhar lá na frente. Distante. Como se quisessem tocar o futuro com a palma da mão.

Não é curioso como vivemos cada vez mais preocupados com o amanhã? Estamos com a cabeça no próximo fim de semana. Ou nas próximas férias. Ou, ainda, na reunião que só acontecerá em um mês.

E se não é o devir a nos determinar os passos, é o passado que vem, sorrateiro, pé ante pé, nos assombrar.

E assim vamos levando. Empurrando a vida com a barriga. Em banho-maria.

Admiro quem sabe viver o tempo presente. Que são focados. Concentrados. Absorvidos pelo aqui e agora. Que não desperdiçam horas a fio em conjecturas ou lamúrias.

Como aquele jovem casal de namorados, sentado no banco da praça. Tão ligados um no outro. Alheios ao extraordinário movimento de sons e luzes e cores e cheiros do entorno. Estão ali um para o outro. E nada mais. E para ninguém mais.

Ou aquelas duas moças na porta do restaurante. Em animado bate-papo. Alheias ao olhar curioso deste cronista que as observa sob as lentes dos óculos. Em seus aventais que denunciam o porquê de ali estarem. Mas que nada informam sobre quem são. Sobre o que pensam. Com o que sonham. Olho fascinado aqueles incessantes movimentos de suas mãos. Ritmados. Como se regessem a surda orquestra de suas falas, olhares, sorrisos. E não tenho dúvidas. Conversam trivialidades. Saboreando provavelmente aqueles furtivos quinze ou vinte minutos de folga, antes de voltarem a percorrer insanamente aquelas mesas. Atendendo o insistente chamado de todos aqueles fregueses. Uns exigentes, outros cordiais. Talvez até recebam alguns galanteios durante o trabalho. Talvez não. Mas nada disso importa. Estes pequenos instantes da noite são seus. Pertencem-lhes na plenitude de sua brevidade. São os seus momentos de completa liberdade. E elas o vivem intensamente.

Tem também aquela formidável turba de ciclistas. Gentes de todas as cores. Idades várias. Amigos ou desconhecidos. Unidos no antegozo deste prazeroso passeio noturno que farão a bordo de suas bicicletas. Uns aproveitam o tempo de espera para colocar o papo em dia. Outros olham nervosamente para os lados, como a procurar algo ou alguém. Talvez o pai. Talvez a namorada.

Talvez, ainda, um outro alguém. Assim mesmo. Alguém. Qualquer pessoa. Alguém até então desconhecido. Como num jogo de conquista. À distância. Tamanho é o ritmo frenético e incessante da troca de olhares. Ora curiosos. Ora indiferentes. Mas olhares de cobiça, de procura. De quem não tem receio de flertar com a vida.

E vivem assim, cada um a seu modo, este momento. Presente. Indiferentes às dificuldades do dia que finda. Brindando simplesmente à vida ao curtirem-se uns aos outros desinteressadamente.

E eu, aqui. A observá-los silenciosamente, digo a mim mesmo: "Ah! Como os admiro!"

Por André Luís Fernandes Dutra – 13 de março de 2010..

O Cavalo e o Vento

Certo vento soprava mais uma vez por aquele centro histórico. Aquele Largo reinventado e que ressurge em todas as épocas; entretanto, uma corrente de ar formada por um jovem sopro de final de verão mostrou-lhe algo. Pela primeira vez, notara que a cabeça do equino de bronze jazia olhando para a igreja em busca de perdão. A sua e àquela volta sempre os músicos joviais alimentando-se de êxtase líquido, de estupor engarrafado. Almas que vivem sua autenticidade bem no centro do coração de pedra do sistema capital. Mesmo o coração de pedra possuía animação própria. E o vento sorriu encantado.

Ele girava e o céu retorcia em imagens de seu passado de experiências naquele mesmo lugarzinho. Era um menino em anos liquidados e tinha expectativas românticas, parecia um raio que se perdeu numa tormenta escura. Os bares abertos traziam novos clientes; histórias, as mesmas. Amava a troca e sonhara com mudanças. Observando ao redor, já com a luz das estrelas desceu a rua até a padaria onde poderia assoprar um café.

O glutão se alimentava como faminto animal na padaria da alameda. Arrotou bem na sua cara, pobre vento passageiro. Sentiu o refluxo gástrico subindo com a leve dor eclodindo esofagite num arroto seco. No centro a mulher de cabeça fina, sugada, falava ao telefone sobre o filho de dezenove anos que tomava rumo elogiável e beirava a independência. Logo sairia de casa, com orgulho. Ela nunca fizera nada diferente de trabalhar para o sustento da prole. No fundo o casal de garotos de vestes coloridas e estampas esculpiam sorrisos regozijando de suas jovens experiências de dias felizes e de shows e da promessa de alegria eterna.

“Deus....mil vezes aqueles mocinhos babões. Cavalo de pedra, soprou, é hora de acordar”.

Decidido, ele, que não era vento nobre nem fazia milagre, inspirou fundo e com grande impulso implorou por Zéfiro. Eis que um vento muito maior surgiu glorioso e de ar imponente. Era um irmão de titãs, era Zéfiro. Num ágil vôo chegou até a cabeça do cavalo, e o vento, simplório, assistiu estarrecido ao improvável. Zéfiro atravessou a estátua e num sopro deu vida nova àquela cabeça.

A arte de viver com pouco pode ser menosprezada, mas é imortal, pois sempre há quem a admire, sempre um desbravador em busca das alturas libertará o espírito após o encontro da arte pura de imortais. Largar a razão e enlouquecer. Há de se perceber essa possibilidade, sem insensatez e sem razão, um extravasar de emoções essenciais para o espírito se manifestar. O vento observou de canto e se viu como mais um personagem que a qualquer momento tomaria o papel principal.

Daniel S Trouche

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Sorte do Cavalo.

Não, nunca tive muita sorte mesmo. Acho que ela foge de mim. Ah, não é nada disso! Refiro-me a sorteios ou votações para escolha de algo. Isso foi comprovado na última oficina de crônicas na Fundação Cultural.

Primeiro fizemos um trabalho de laboratório, isto é, passear pela Praça da Ordem pesquisando, olhando a feirinha e o movimento em busca de inspirações. Tarefa agradável! Noite quente. Acolhedora. Risonha. Enfeitada pelas mais diversas e inusitadas figuras. As imagens e idéias pulavam em minha frente como crianças sapecas.

Com o entusiasmo de principiante e a discrição de um detetive de comédia americana, observo tudo em volta. Olho o cavalo que não sei por que chamam de babão se nem sempre ele baba. Naquela noite por exemplo não babava, talvez por pura revolta. Isso fazia que parecesse mais, muito mais bocudo e dizendo palavrões. Aliás, nunca soube direito se aquele troço é um cavalo ou um burro! -Vocês sabem? Mas vamos combinar: existem sábios burros da espécie equina, e muitos humanos que se acham sábios e são... Bem, melhor deixar prá lá. Fiquei olhando a escultura. Que cara assustadora! Aquele ser pétreo parecia estar puto da vida e impossibilitado de chutar qualquer balde, por ter sido colocado, pela ironia do destino, em condição de estátua. Imaginei-o fazendo um discurso: certamente falaria sobre o odor dos salames da banquinha a poucos metros de onde ele está plantado. Reclamaria da mosca sem vergonha, que depois de explorar coisas não mencionáveis por serem fétidas como cocô, pousou despreocupada naquelas iguarias avermelhadas. (cena testemunhada por um colega) Faria ponderações sobre a gordura trans contida nos deliciosos pastéis, fritos na hora em óleo poli multi reutilizado por inúmeras mais de mil vezes. -Adoro aqueles pastéis! E claro, faria um belo discurso. Conquistaria votos para alguma eleição, ou pelo menos os ouvidos de alguém por alguns minutos. Coisas que comigo não acontecem.

Pois é, terminando a pesquisa retornamos a sala de aula. Depois de alguns leros (leros importantes!) a professora decidiu fazer uma votação para escolher o nome do nosso blog. Entre vários listados, sugeri Livre Mente que a meu ver, significa a liberdade para criar e expressar. Adivinhem se a sugestão teve algum voto... Pois erraram! Teve dois: o meu e o de uma colega. Ah! Mais um episódio ratificando minha tese: alguém falou que Livre Mente soava coisa de maconheiro!!! Enfim, o nome escolhido foi: Da Boca do Cavalo. Ainda bem que a maioria acha que a estátua é um cavalo, pois senão ficaria: Da Boca do Burro. (Burro sábio é óbvio)

Se eu fosse candidata a algum cargo, teria apenas o meu voto. Isso se eu mesmo, por compaixão, não resolvesse votar em outra pessoa pouco sortuda.
Mas vamos ficar atentos, sempre ouvindo o que o cavalo tem a nos dizer.


Ferdinanda Embrião

quinta-feira, 11 de março de 2010

Animais urbanos.


Ali, bem ali, ao lado do cavalo, o que baba, sentei. Porque a noite estava quente, mesmo quase abril em Curitiba, e porque as pernas tremiam de cansaço. Não perde a penumbra característica esse Largo da Ordem, mesmo com novas e reluzentes luminárias. Essa imagem me lembra o barroco com seus contrastes: a luz e a sombra. E não somente na iluminação, porém.
Sentado ali, ali mesmo, no meio da praça, era alvo dos olhares. Eu, com camisa, sapato e mochila; barba feita e gel no cabelo. Eu, um completo mauricinho, fazia o que ali? Esperava, simplesmente. Mas então veio o primeiro, um menino com sacola cheia de latas numa mão, a outra estendida pra mim.


“Tem moeda?”


Tinha mas falei que não. Na verdade nem falei: movimentei a cabeça de lado a outro, sem mudar o semblante. Seguiu para longe avistar outro possível porquinho, daqueles do Banestado, coloridos e tudo. Noutro lado da praça, jovens. Mas bem jovens, nos seus quinze dezesseis anos, com garrafa de plástico numa mão e paninho encharcado noutra. Tyner, provavelmente. Se fosse comigo, seria uma garrafa de café e papéis, meus vícios: cafeína e escrever.


Na rua lateral à igreja o cuidador de carro intercala, entre o Corsa e o Fiesta, uma pedrinha. A cracolândia sobrevive! E bem cuidado é só três reais. Não demora muito pra uma senhora de meia idade sentar ao meu lado e sem permissão falar sobre sua vida difícil pra sustentar a filha coxa. Quase sempre nem ouço ou entendo direito o que falam, só digo “Não tenho” e mudo o curso ou sigo em frente. Mas ali eu até ouvi o lamento. Nem saí, nem falei. Continuei meu exercício predileto: observar. Ela desistiu e foi perambular pela praça a caçar alguém menos curitibano.


Mas, naquela noite, não teria descanso pra mim. Ao lado do banco improvisado, a borda da fonte do cavalo, aparece uma barata. Como não veio na minha direção, só olhei. Bicho asqueroso, traz doenças e além de tudo é feio. No chão aparecem outras: três ao todo. Ou talvez cinco. Reparei que na praça toda, pelos cantos e buracos, tinha sempre uma porçãozinha delas. Isso porque na vinda pra cá vi um rato que pelo tamanho parecia um gato. Faltou miar. Não entendo essa cidade, com seus animais urbanos. A beleza do relógio das flores, as árvores, praças e os bueiros fedorentos, com seus animais à caça de algo para comer. Essa cidade parece que parou no século XVII: a própria personificação do barroco contemporâneo. Levanto de um salto, piso em duas ou três baratas, fazendo o barulho característico, “cléqui”, e vou embora. Pelo menos com as baratas é mais fácil.


Barba Ruiva