Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Animais urbanos.


Ali, bem ali, ao lado do cavalo, o que baba, sentei. Porque a noite estava quente, mesmo quase abril em Curitiba, e porque as pernas tremiam de cansaço. Não perde a penumbra característica esse Largo da Ordem, mesmo com novas e reluzentes luminárias. Essa imagem me lembra o barroco com seus contrastes: a luz e a sombra. E não somente na iluminação, porém.
Sentado ali, ali mesmo, no meio da praça, era alvo dos olhares. Eu, com camisa, sapato e mochila; barba feita e gel no cabelo. Eu, um completo mauricinho, fazia o que ali? Esperava, simplesmente. Mas então veio o primeiro, um menino com sacola cheia de latas numa mão, a outra estendida pra mim.


“Tem moeda?”


Tinha mas falei que não. Na verdade nem falei: movimentei a cabeça de lado a outro, sem mudar o semblante. Seguiu para longe avistar outro possível porquinho, daqueles do Banestado, coloridos e tudo. Noutro lado da praça, jovens. Mas bem jovens, nos seus quinze dezesseis anos, com garrafa de plástico numa mão e paninho encharcado noutra. Tyner, provavelmente. Se fosse comigo, seria uma garrafa de café e papéis, meus vícios: cafeína e escrever.


Na rua lateral à igreja o cuidador de carro intercala, entre o Corsa e o Fiesta, uma pedrinha. A cracolândia sobrevive! E bem cuidado é só três reais. Não demora muito pra uma senhora de meia idade sentar ao meu lado e sem permissão falar sobre sua vida difícil pra sustentar a filha coxa. Quase sempre nem ouço ou entendo direito o que falam, só digo “Não tenho” e mudo o curso ou sigo em frente. Mas ali eu até ouvi o lamento. Nem saí, nem falei. Continuei meu exercício predileto: observar. Ela desistiu e foi perambular pela praça a caçar alguém menos curitibano.


Mas, naquela noite, não teria descanso pra mim. Ao lado do banco improvisado, a borda da fonte do cavalo, aparece uma barata. Como não veio na minha direção, só olhei. Bicho asqueroso, traz doenças e além de tudo é feio. No chão aparecem outras: três ao todo. Ou talvez cinco. Reparei que na praça toda, pelos cantos e buracos, tinha sempre uma porçãozinha delas. Isso porque na vinda pra cá vi um rato que pelo tamanho parecia um gato. Faltou miar. Não entendo essa cidade, com seus animais urbanos. A beleza do relógio das flores, as árvores, praças e os bueiros fedorentos, com seus animais à caça de algo para comer. Essa cidade parece que parou no século XVII: a própria personificação do barroco contemporâneo. Levanto de um salto, piso em duas ou três baratas, fazendo o barulho característico, “cléqui”, e vou embora. Pelo menos com as baratas é mais fácil.


Barba Ruiva


4 comentários:

  1. Na sala de aula você revelou nem 1/4 do que pretendia colocar.

    Gostei da frase final e das coisas mais no começo da crônica, que tive oportunidade de testemunhar. (Não porque vi o "fundo de verdade" do que você escreveu, dane-se a verdade, ninguém vai apurar se você viu aquilo mesmo) Porque criou a oportunidade de ver a mesma cena pelo olhar do outro, saca?

    Abraço!

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  2. A frase de fechamento é 'supimpa'(será esta gíria curitibana?). Lembrou aqueles finais arrebatedores de Poe.

    Abraço!

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  3. Ha...excelente. Esse humor sarcástico cai como uma luva para cronicar em Curitiba. Baratas, cracolândia, bueiros fedorentos. Estão por aí mesmo.

    abs

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  4. É uma excelente crônica, senhor Barba Ruiva. Eu teria mínimas observações. Até amanhã, Monica.

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