Ali, bem ali, ao lado do cavalo, o que baba, sentei. Porque a noite estava quente, mesmo quase abril em Curitiba, e porque as pernas tremiam de cansaço. Não perde a penumbra característica esse Largo da Ordem, mesmo com novas e reluzentes luminárias. Essa imagem me lembra o barroco com seus contrastes: a luz e a sombra. E não somente na iluminação, porém.
Sentado ali, ali mesmo, no meio da praça, era alvo dos olhares. Eu, com camisa, sapato e mochila; barba feita e gel no cabelo. Eu, um completo mauricinho, fazia o que ali? Esperava, simplesmente. Mas então veio o primeiro, um menino com sacola cheia de latas numa mão, a outra estendida pra mim.
“Tem moeda?”
Tinha mas falei que não. Na verdade nem falei: movimentei a cabeça de lado a outro, sem mudar o semblante. Seguiu para longe avistar outro possível porquinho, daqueles do Banestado, coloridos e tudo. Noutro lado da praça, jovens. Mas bem jovens, nos seus quinze dezesseis anos, com garrafa de plástico numa mão e paninho encharcado noutra. Tyner, provavelmente. Se fosse comigo, seria uma garrafa de café e papéis, meus vícios: cafeína e escrever.
Na rua lateral à igreja o cuidador de carro intercala, entre o Corsa e o Fiesta, uma pedrinha. A cracolândia sobrevive! E bem cuidado é só três reais. Não demora muito pra uma senhora de meia idade sentar ao meu lado e sem permissão falar sobre sua vida difícil pra sustentar a filha coxa. Quase sempre nem ouço ou entendo direito o que falam, só digo “Não tenho” e mudo o curso ou sigo em frente. Mas ali eu até ouvi o lamento. Nem saí, nem falei. Continuei meu exercício predileto: observar. Ela desistiu e foi perambular pela praça a caçar alguém menos curitibano.
Mas, naquela noite, não teria descanso pra mim. Ao lado do banco improvisado, a borda da fonte do cavalo, aparece uma barata. Como não veio na minha direção, só olhei. Bicho asqueroso, traz doenças e além de tudo é feio. No chão aparecem outras: três ao todo. Ou talvez cinco. Reparei que na praça toda, pelos cantos e buracos, tinha sempre uma porçãozinha delas. Isso porque na vinda pra cá vi um rato que pelo tamanho parecia um gato. Faltou miar. Não entendo essa cidade, com seus animais urbanos. A beleza do relógio das flores, as árvores, praças e os bueiros fedorentos, com seus animais à caça de algo para comer. Essa cidade parece que parou no século XVII: a própria personificação do barroco contemporâneo. Levanto de um salto, piso em duas ou três baratas, fazendo o barulho característico, “cléqui”, e vou embora. Pelo menos com as baratas é mais fácil.
Barba Ruiva
Na sala de aula você revelou nem 1/4 do que pretendia colocar.
ResponderExcluirGostei da frase final e das coisas mais no começo da crônica, que tive oportunidade de testemunhar. (Não porque vi o "fundo de verdade" do que você escreveu, dane-se a verdade, ninguém vai apurar se você viu aquilo mesmo) Porque criou a oportunidade de ver a mesma cena pelo olhar do outro, saca?
Abraço!
A frase de fechamento é 'supimpa'(será esta gíria curitibana?). Lembrou aqueles finais arrebatedores de Poe.
ResponderExcluirAbraço!
Ha...excelente. Esse humor sarcástico cai como uma luva para cronicar em Curitiba. Baratas, cracolândia, bueiros fedorentos. Estão por aí mesmo.
ResponderExcluirabs
É uma excelente crônica, senhor Barba Ruiva. Eu teria mínimas observações. Até amanhã, Monica.
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