- "Eu já disse. Preciso disso pra ontem!"
Assustado pela firmeza da voz, viro o rosto para ver quem é. Mas ele já ia longe. Passos largos. Apressados. Até sumir na esquina e deixar aquelas palavras gravadas na minha cabeça.
Olho o relógio. Quase oito horas desta noite quente de quinta-feira. Caminho lentamente pela feira a fim de buscar alguma coisa para distrair o pensamento. Olho a barraca do pastel, umas mesas e cadeiras na rua. Crianças brincando ruidosamente. O ir e vir incessante.
"Pra ontem"! Soa retumbante em meu cérebro qual um eco inútil de efeito retardado.
Mas é fato, penso cá com meus botões: queremos mesmo tudo pra ontem. Estamos sempre com pressa. Não temos tempo pra mais nada. Pra mais ninguém. Estamos sempre ocupados.
Muitas vezes, ocupados demais procurando algo com que nos ocupar.
É como se procurássemos preencher os vazios de nossa essência com toda essa infinidade de quaisquer coisas. Escondemo-nos mais e mais por trás das banalidades. Das pequenas e insuficientes futilidades. Desde que imediatas, pouco importa o conteúdo. Se é que existe algum. Na verdade, nem importa.
Perdemos a capacidade de viver o tempo presente. De nos surpreendermos com as pessoas e ou coisas. Esta solidão profunda na qual fomos jogados pela pressa, pelo individualismo, pela indiferença que herdamos da modernidade nos arrancou a capacidade de sonhar. De acreditar. De esperar.
Por isso muitas vezes ficamos assim. Andando a esmo pelas movimentadas ruas das grandes cidades. Perdidos. Em busca de algo que não sabe ao certo o que seja.
Por vezes, sinto que se busca a si mesmo ao se percorrer insistentemente essas ruas, atrás de todas estas gentes. Que se deslocam nervosas. Angustiadas. Impacientes. Celulares à mão. Olhar lá na frente. Distante. Como se quisessem tocar o futuro com a palma da mão.
Não é curioso como vivemos cada vez mais preocupados com o amanhã? Estamos com a cabeça no próximo fim de semana. Ou nas próximas férias. Ou, ainda, na reunião que só acontecerá em um mês.
E se não é o devir a nos determinar os passos, é o passado que vem, sorrateiro, pé ante pé, nos assombrar.
E assim vamos levando. Empurrando a vida com a barriga. Em banho-maria.
Admiro quem sabe viver o tempo presente. Que são focados. Concentrados. Absorvidos pelo aqui e agora. Que não desperdiçam horas a fio em conjecturas ou lamúrias.
Como aquele jovem casal de namorados, sentado no banco da praça. Tão ligados um no outro. Alheios ao extraordinário movimento de sons e luzes e cores e cheiros do entorno. Estão ali um para o outro. E nada mais. E para ninguém mais.
Ou aquelas duas moças na porta do restaurante. Em animado bate-papo. Alheias ao olhar curioso deste cronista que as observa sob as lentes dos óculos. Em seus aventais que denunciam o porquê de ali estarem. Mas que nada informam sobre quem são. Sobre o que pensam. Com o que sonham. Olho fascinado aqueles incessantes movimentos de suas mãos. Ritmados. Como se regessem a surda orquestra de suas falas, olhares, sorrisos. E não tenho dúvidas. Conversam trivialidades. Saboreando provavelmente aqueles furtivos quinze ou vinte minutos de folga, antes de voltarem a percorrer insanamente aquelas mesas. Atendendo o insistente chamado de todos aqueles fregueses. Uns exigentes, outros cordiais. Talvez até recebam alguns galanteios durante o trabalho. Talvez não. Mas nada disso importa. Estes pequenos instantes da noite são seus. Pertencem-lhes na plenitude de sua brevidade. São os seus momentos de completa liberdade. E elas o vivem intensamente.
Tem também aquela formidável turba de ciclistas. Gentes de todas as cores. Idades várias. Amigos ou desconhecidos. Unidos no antegozo deste prazeroso passeio noturno que farão a bordo de suas bicicletas. Uns aproveitam o tempo de espera para colocar o papo em dia. Outros olham nervosamente para os lados, como a procurar algo ou alguém. Talvez o pai. Talvez a namorada.
Talvez, ainda, um outro alguém. Assim mesmo. Alguém. Qualquer pessoa. Alguém até então desconhecido. Como num jogo de conquista. À distância. Tamanho é o ritmo frenético e incessante da troca de olhares. Ora curiosos. Ora indiferentes. Mas olhares de cobiça, de procura. De quem não tem receio de flertar com a vida.
E vivem assim, cada um a seu modo, este momento. Presente. Indiferentes às dificuldades do dia que finda. Brindando simplesmente à vida ao curtirem-se uns aos outros desinteressadamente.
E eu, aqui. A observá-los silenciosamente, digo a mim mesmo: "Ah! Como os admiro!"
Por André Luís Fernandes Dutra – 13 de março de 2010..
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Prá ontem!, exigências, ah... essas coisas horríveis soam como ritos de autoflagelo e é por isto que na próxima semana sigo com minha trouxinha nas costas numa peregrinação pela vida presente. Seu texto, além demuito bem escrito, é de fato meu argumento de sair por aí, junto à vontade de conhecer lugares.
ResponderExcluirBacana. O formato é de crônica, a reflexão não prejudica a leveza e o retrato do cotidiano também aparece. Eu deixaria o texto mais enxuto e repensaria o tamanho (curto) de certas frases. Sim, frases curtas na crônica são desejáveis mas percebo que certas palavras soltas acabam imprimindo um ritmo mecânico. Leia o texto em voz alta e você perceberá. E tire o acento do "pra. Abraços, até amanhã, Monica.
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