Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 2 de maio de 2010

Tempos e Momentos

Fiquei por um momento observando aquela criatura sentada na minha frente.
Ela chorava. Chorava. Seu corpo estremecia como um trigal dourado, ao vento. E as lágrimas eram intensas. Uma tempestade de verão, com direito até a relâmpagos. Mas eram verdadeiras. Autênticas.

Ofereço-lhe água num copo descartável. Tomou sôfregamente todo o conteúdo.
Era ainda um botão de rosa. Nem entreabrira por completo. Mal treze, se é que treze. Mas as lágrimas eram autênticas. Verdadeiras.

- Respire fundo. Isso... Agora, me conte com calma o que aconteceu.
- Ele. Ele me deixou... Diz entre soluços.
- Ele deixou você? Mas por que?
- Deve ter outra. Sempre desconfiei que estivesse me traindo.
- Ah! Você acha que está sendo traída...
- Tenho certeza, ele tem outra! Senão não terminaria tudo depois de tanto tempo...

Olho aquela menina que mal apresentava vestígios de uma moça. Rosto ainda de criança, e o corpo delineava um esboço suave de mulher. Não sei exatamente onde nem como. Mas as lágrimas eram autênticas.

- Quanto tempo vocês ficaram?
- Nós não estávamos ficando. Já era namoro mesmo!
- E há quanto tempo vocês namoravam?
- Há muito tempo. Foi quase uma vida!
-Uma vida?! - Pergunto olhando aquele ser em plena metamorfose. Achei que estivesse me zombando. Mas vi que as lágrimas eram verdadeiras.

-Uma vida sim. Muito tempo.
-E quanto tempo?
-Uma semana...

Fiquei furiosa. Por um momento tive vontade de dizer para aquela menina, que eu tinha mais o que fazer. Já estava pronta para iniciar meu discurso, perguntando o que ela sabia ou pensava da vida. Afinal, o que representava uma semana naquela vida de no máximo treze anos? Olhei novamente para ela. As lágrimas eram autênticas. Doloridas. Copiosas. Verdadeiras.

Em tempo lembrei que eles, estes seres estranhos, são atemporais. Claro, o tempo dela é muito diferente do meu e tem outro significado. Contendo a raiva digo:

- Deve estar sendo muito difícil para você. Eu entendo. É complicado gostar de alguém que não corresponde da forma como esperamos.
-Você é muito legal!
- Aconteceu alguma coisa mais séria entre vocês?
- Como? Tudo foi muito sério!
- Vocês tranzaram?
- Não. A gente estava esperando fazer um mês de namoro para comemorar com a primeira tranza.

Respiro aliviada. Não havia risco daquela garota estar grávida. Pelo menos por enquanto, uma gravidez adolescente a menos. As lágrimas já tinham diminuído. Mas eram autênticas.

- Então, de um tempo para você, querida. Procure sair com suas amigas. Esta dor vai passar.
- Já está quase passando. Você é muito legal. Ninguém me entende melhor que você. E se ele tiver outra, que se dane!
- É assim que se fala! Em primeiro lugar, você tem que se amar e se curtir muito!
- Mas você é um gênio. Te adoro!

Ela já está sorrindo, como se um sol acabasse de nascer naquela alma menina. Mas as lágrimas, aquelas lágrimas, eram autênticas.
Finalmente levanta-se e anda para a saída. Está sorrindo muito, com apenas um vestígio de choro no canto dos olhos.

Quando abro a porta liberando a garota, vejo um menino sentado num banco a minha espera.
Talvez quatorze, se é que quatorze. Olhando em minha direção, nem percebe a presença daquela garota. E disfarçando as lágrimas, contidas mas autênticas, diz timidamente:

- Preciso muito falar com você! Preciso de sua ajuda! Pode ser agora?

E dos olhos da menina que já sorria, despenca outro temporal estrondoso.

- Então a outra é você?!!! Eu te odeio!!!

Mas as lágrimas eram autênticas. Verdadeiras.



Colibri Inquieto

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