Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 9 de maio de 2010

Intempéries

Intempéries

Do alto da janela, no prédio onde trabalho no centro de Curitiba, posso ver o incessante movimento da rua. Naquele agitado ir e vir ininterrupto, o sol vai decididamente se retirando de cena, cedendo lugar a pesadas nuvens, carregadas, ameaçadoras. Tudo muito rápido. O forte vento levanta e joga longe as folhas das árvores caídas no chão. Em poucos minutos, como um terrível monstro marinho a chuva se precipita sobre a cidade. E aquela clara e luminosa tarde de verão curitibano, é tingida de matizes sombrios. As pessoas, pegas de surpresa, esgueiram-se rapidamente, disputando palmo a palmo os escassos lugares sob as marquises.

Nas ruas, o trânsito logo se torna uma loucura. Impacientes atrás do vai-e-vem do limpador de para-brisas, alguns motoristas buzinam insandecidos.

De repente, o semáforo começa a piscar no amarelo intermitente. É o caos. Alguns pedestres se aventuram por entre os carros e seguem seus caminhos. Pastas sobre as cabeças na ilusória tentativa de se proteger. Enquanto outros se espremem e se xingam mentalmente nos quase inexistentes espaços protegidos rente às paredes.

Não tarda muito e aparecem os vendedores de guarda-chuvas.

- “É dez reais o guarda-chuva”, imagino ser o anúncio feito em voz firme por um deles.

E enquanto a chuva segue impiedosa, confortavelmente observo este belo espetáculo urbano. Um tanto surreal, eu diria. Afinal, diante de tanta tecnologia, tanto desenvolvimento, como é que ainda somos surpreendidos pelas repentinas mudanças de humor do clima?

Vou confessar uma coisa: sou fascinado por esse tema. Tenho especial interesse e curiosidade sobre as súbitas transformações. Pode acreditar. Fico intrigado e começo a ponderar hipóteses para os eventos. Mesmo sendo um desses leigos cegos e um tanto surdos nessas questões meteorológicas, me atrevo a mirar o horizonte a fim de visualizar as tais massas de ar que se chocam e provocam os vendavais que castigam a nossa cidade.

Nada vejo. A não ser claro, os imensos borrões de cinza chumbo, muito além da vidraça da janela que me protege dos golpes impiedosos da chuva que galopa no lombo do vento.

O nosso humor, muitas vezes, também se altera desse jeito. Impetuoso como uma criança mimada, se fecha de repente ante uma mínima contrariedade. Em outros casos, essa desacomodação psíquica vem de carona com a carranca do tempo. Se tem sol, sorrimos alegremente para o mundo. Se predominam nuvens, sobretudo naqueles dias em que elas se decompõem em pequeníssima gotículas de água gelada, nos recolhemos dentro de uma concha e ali ficamos, amortecidos.

Mas é só o sol abrir os olhos e ensaiar, basta o ensaio, uns breves passos e parece que a vida e a felicidade ressurgem alvissareiras. Sem que os ventos precisem empurrar a frente fria da tristeza e da solidão rumo ao imenso oceano das ilusões perdidas e das incertezas.

Basta o céu abrir caminho para o sol e tudo se resolve. Cessam as buzinas, o sinal volta a funcionar, esvaziam-se as marquises e sorrindo nos despedimos daqueles desconhecidos amigos de infortúnio.

Por André Luís Fernandes Dutra – Em 06 de abril de 2010.

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