Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 18 de abril de 2010

Tô profundo.

Quando a gente cansa de olhar pra fora, a gente olha pra dentro. É assim com os ônibus: de vez em quando ando por rotas em que não há nada pra ver pelas janelas; outras vezes, já enjoei das perspectivas repetidas e não consigo, realmente, observar nada que está fora. Daí eu leio.

Falei de “olhar pra dentro” e meu exemplo pode tê-los enganado, mas eu queria ser profundo. Porque hoje eu tô profundo, sabe? Mas ao mesmo tempo o exemplo não disfarçou muita coisa porque afinal... Sabe de uma coisa? Vou deixar de introdução: leiam!

Leminski ficou famoso por ser beberrão, comunista e pagar a conta do bar com poemas escritos em guardanapo. E por ter escrito uma lista de coisas a fazer antes de escrever "um bom poema". Vinícius também listou coisas necessárias "para viver um grande amor". (Não falei que estava profundo? Mas, melhor do que ser profundo, é sê-lo ao lado dos grandes. Num próximo texto, chamarei a ambos de Lele e Vini, tamanha a intimidade).

A professora indica uma lista de premissas interessantes para uma boa crônica: falar sobre o outono, meditar sobre as verduras da feira próxima ou exercitar a criação de diálogos verossímeis. Nenhuma dessas coisas me inspira muito. “Vai pra janela, olhar pra fora”.

Resolvo, então, olhar pra dentro. De mim e do livro de lugar-comum, como chamo meu caderno de aleatoriedades. Há de tudo aqui: aulas de francês, notas do núcleo de prática jurídica, letras de música, sonhos anotados com pressa, exercícios de estilo de tipografias, monstrinhos saindo de xícaras de café, o rascunho do início do capítulo final do romance que tentei escrever, observações da orientadora sobre minha monografia e divagações sobre amizade. Ah, há também o e-mail do curso de sânscrito para crianças.

Posso descrever a boba empolgação logo depois de sua aquisição, ainda intocado. Apesar de barato, possui contracapa em papel cartão 650g (como uma prancheta) e pauta na cor preta (a tradicional, azul clarinho, me deprime de tão feia). Ou posso digredir sobre o que tanto escrevi nele: lembrar dos dias em que me acompanhou, no bolso ou na mochila, e das ocasiões em que fiz cada anotação. Consigo abstrair dos escritos, pelo tom ou pela letra, como estava: se queria dançar ou matar o primeiro que me passasse pela frente.

Acho que o mais interessante, mesmo, é o olhar pra dentro: usando o caderno como  espelho. Ali estou eu, transcrito, dum jeito que qualquer um dotado do mínimo de loucura necessário à tarefa poderia escrever uma biografia se o roubasse. Ou fazer uma colagem teatral pós-moderna, ou, até mesmo, um romance de formação (Gente, como isso soou intelectual: combinou com os óculos que eu insisto em usar.)

Creio que seria mais fácil dizer que a última coisa escrita nele foi uma crônica. Não uma crônica comum: uma daquelas bem profundas. Começa assim: “Quando a gente cansa de olhar pra fora, a gente olha pra dentro (...)”.

Tuca.

Agradecimentos ao twitter da @vanifacts, pela tag que inspirou o título, e à @samantamanta, pelos coffee monsters que sempre desenho. =)

Um comentário:

  1. ótima idéia!
    desenterrar cadernetas e rascunhos traz à tona tanta coisa...
    mas o final dá a parte esférica do texto,tipo um oroboro,acho.
    Não sei,vejo dessa forma e gostei também por isso.
    E boa essa idéia da biografia,viu!
    Abraço

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