Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

domingo, 11 de abril de 2010

A Volupia do Orvalho.

A madrugada é quente. Muito quente. A lua cheia não poderia faltar nessa noite, fazendo parte do cenário e sendo testemunha ocular de tudo o que ocorreu. Olha calada cada detalhe e fleumática, misteriosa esconde o que pensa.

Estou sem um pingo de sono. Saio da cama e vou andando até o jardim. O cenário que me deparo é mágico. O perfume das flores se manifesta exacerbado. Uma brisa morna sopra suavemente me acolhendo. Tudo é tão suave...

No céu, astros azuis cintilam distantes apagados pelo brilho da lua. Alguns pirilampos vagam perto das flores. Fecho os olhos para desfrutar esse momento com toda a intensidade. Fico torcendo para que não seja um sonho, apesar de tanta beleza e paz.

Ouço então, um delicado sussurro vindo do canteiro de rosas, que fica embaixo de um cajueiro. A lua tornava todo o panorama ainda mais vibrante. Parecia um coração enorme pulsando no meu jardim em plena madrugada. Minha curiosidade vence o medo, e me aproximo silenciosa...

Vou tentar colocar em palavras o que ouvi e assisti e que sempre guardarei comigo armazenado na memória. Era um diálogo num tom calmo, afetuoso aproximadamente assim:

- Ah! Esse perfume... Esse perfume me inebria, enlouquece...
- Acho que você diz isso para todas as rosas.
- Não! Por favor... Não repita mais tal blasfêmia. Minha vida é tão breve. Você é tão linda...
- Já estou cansada de ouvir sempre a mesma coisa! Seja mais criativo.
- Eu te amo!
- Eu pedi para ser criativo! Todos me dizem isso...
- Minha vida é tão curta. Deixa-me ser feliz por um momento...
- Como poderia fazê-lo feliz? Você aí em cima...(Ri colocando a mão na boca)
- Ah, como queria por um momento apenas, desfrutar o veludo de suas pétalas. Sentir a doçura do néctar contido no seu cálice... Aspirar mais de perto o seu perfume. Seu cheiro tem um pouco, ou muito da magia dos deuses.Você é a minha deusa. Preciso de você para ser feliz por um minuto apenas...
- Hã... Tá começando a ficar criativo. Gosto de elogios. Continua...
- Sua voz é tão suave. Você é a rainha que impera nesse jardim. Pudesse eu por um segundo, me aconchegar em sua maciez... Então diria que minha vida que é tão breve valeu a pena.
- Não seja dramático! Olhe ao redor: existem muitas outras semelhantes a mim.
- É você que eu amo. É você que eu quero. É por você que nasci aqui tão perto.
- Já ouvi coisas semelhantes tantas vezes... Mas acho que ninguém falou com tanto carinho.
- É tão tarde... Por favor me faz feliz enquanto existo... Minha vida é efêmera...
- Não basta pra você, admirar-me aí de cima?
- Preciso acariciá-la com toda a ternura que guardo na alma. Senti-la perto. Deixe-me tocá-la com minha candura e leveza, assim partirei feliz.
- Então venha! - Disse a rosa vermelha entreabrindo as pétalas.

E uma brisa suave moveu delicadamente o orvalho apaixonado, da folha de cajueiro até a flor.

Não sei o que se passou ali, mas minutos depois talvez por felicidade o orvalho explode e transforma-se em centenas de partículas enfeitando todas as pétalas da rosa, que brilhava vaidosa na luz do luar.

De repente acordo com um raio de sol tocando meus olhos e sentindo cócegas no rosto. Estou deitada na grama com os cabelos repletos de folhas secas. Uma joaninha passeia na minha face enfeitando-me o nariz.

Não sei se foi sonho ou magia da lua. Nunca vou saber. Mas lá estava a rosa refestelada, despreocupada, despudorada aos beijos com um colibri.


Ferdinanda Embrião.

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