Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Village Viuvez

O prédio das viúvas fica lá pro Centro Cívico – Curitiba. Esse prédio abriga algumas senhoras de avançada idade. O que é por si só um motivo para não terem maridos. Outras até têm fisionomia de senhoritas e são mais jovens. Mesmo assim, estão sem companheiros. São ex-esposas de militares. Ex-mulheres de bancários, jornalistas, funcionários públicos e até, mal dizem, dum operário.
Que habitação incrível! Um prédio só para viúvas. Tudo bem que não é um edifício com trinta e tantos andares. Têm lá seus vinte apartamentos. Todos ocupados por esposas viúvas da silva. Até mesmo os três imóveis alugados são habitados por mulheres cujos maridos faleceram. Entende-se, portanto, que ali mulher desquitada não reside. E se há uma exceção no local, é o porteiro: casado e com netos. Mas nem ele ou tampouco sua esposa moram no prédio.
Sei bem. Você que lê esta crônica está a pensar: “é literatura fantástica! é invencionice desembestada! esse cara fumou alguma coisa! Agora vai dizer que o prédio das viúvas tem paredes roxas com faixas negras. Melhor, que o local serve de fachada para um grande bingo ou qualquer outra barbaridade”. Mas peço um voto de confiança ao meu relato. É verídico! Só não revelo o local exato por prudência. Imagine quanta gente ia querer tirar proveito dessas mulheres. Bater-lhe-iam as portas agências de turismo ou de crédito consignado, empresas de seguro ou vendedores personalite de remédios. Com má sorte, estelionatários e políticos pedindo votos ou número do RG para contratar seus mortos maridos. Todavia, te asseguro que o prédio e as viúvas existem. Quem me confidenciou foi um recenseador do IBGE. Ele até narrou alguns problemas que elas enfrentam. Cito dois para legitimar essa crônica: a falta de hospitais e de ambientes propícios de lazer.
São os casos de Dona Margarida e Dona Magnólia. Nomes inventados. Mas só desta vez. O que não é mentira é que Dona Margarida é superatleta amadora com apoio da Secretaria Municipal de Saúde. É ícone! Ela começa pela caminha de 250 metros até o ponto de ônibus mais próximo. Local que sequer tem cobertura. Depois de praticar essa modalidade aos 73 anos, carregando consigo sua asma, ela exercita a yoga ao esperar o ônibus em média 30 minutos. Seu transporte nunca passa no horário e, quando passa, não possui acesso facilitado. Vencidas as etapas da caminhada e da espera no ponto, Dona Margarida, contando com o incentivo das pessoas, se equilibra em pé no micro-ônibus para ir à Unidade de Saúde de outro bairro. Lá se foram mais 20 e tantos minutos. E chega ao Posto feliz da vida por se consultar com o gerentologista uma vez por bimestre e poder pegar o remédio popular que poderia ser entregue em sua casa, caso houvesse um programa delivery de assistência à saúde. Realmente, como apurou o amigo do IBGE, Dona Maga pratica um novo esse esporte no país. É o idosotona!
Já Dona Magnólia é mais inconformada com a situação geral. Ocorre que ela tem frequentado os bailes da Melhor Idade e têm notado que as senhoras viúvas de outros bairros estão em melhores forma física do que ela. As mulheres dançam, paqueram e se divertem como se tivessem uns cinquenta aninhos. A razão da longevidade “das rivais” deixa ranzinza Dona Magnólia. Acontece que no bairro delas existem academias ao ar livre, mas no Centro Cívico, perto do prédio das viúvas, não. Por isso, dona Margo espera que o levantamento do IBGE seja utilizado pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer como fonte de dados para que uma academia pública seja construída em seu bairro. Ai sim, ela poderá competir na categoria pé de valsa do concurso que é promovido secretamente pelo prédio das viúvas.Enquanto isso não ocorre, muitas outras historinhas poderiam se contadas sobre o prédio e suas moradoras. Mas nem a minha criatividade para embustes nem o dedo duro do recenseador nos sentimos no direito de revelar tais enigmas. Cabe, portanto, a você procurar entre o Palácio do Governo, Museu do Oscarito, Bosque do Papa, entre outros, onde fica o prédio e, quem sabe, se candidatar a marido ou a tutora...

Um comentário:

  1. Cara, como o IBGE rende histórias heim! Isso me inspiraria a criar um blog só sobre histórias que os ACS's do IBGE ouviram nesse último censo.
    E nah, eu não achei que fosse só mais uma invencionisse desembestada, sabia que a coisa seria boa. ;)

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