
Sempre foi assim, quando mais preciso Raimunda liga avisando que vai atrasar. Dessa vez não foi diferente.
- Dona Rita, vou me atrasar hoje. Preciso passar na sortista antes de ir. Dizem que ela vai embora e tenho que passar lá pois essa é das boas. É a madame Crocodila...
- Logo hoje? Preciso que você de um jeito em tudo. "Ele" vem aqui essa noite e eu é que vou preparar nosso jantar. -A senhora vai preparar ?! Coitado do moço, que foi que ele fez?
- Não achei graça nenhuma. Vê se não demora muito, por favor.
- Fico aí essa noite pra ajudar, mas madame Crocodila tem que ler minha sorte. Assim que ela me atender vou correndo.
- Está bem. Venha rápido.
Espero. Espero. Espero e nada de Raimunda. Vou comprar os ingredientes para o jantar. Mas o que? Peixe! Claro, é um excelente prato para uma ocasião importante.
- Moço, qual o melhor peixe que tem aqui?
- Depende do gosto do freguês dona.
- Mas, se o freguês não conhece?
- Ah, então leve esse aqui. Esse é dos bons.
- É. Esse tem cara de boa gente mesmo.
- Leve que a senhora não vai se arrepender.
- Como é o nome desse ?
- É... Bem... É tainha. Tainha!
- E como se prepara tainha?
- Dizem que no forno fica ótimo.
- Obrigada!
Que bobagem é só temperar, colocar no forno, assar e servir com vinho branco. Mais fácil do que tirar doce de crianças, se fosse no tempo em que as crianças não eram bocudas. Coloco aquele pacote em cima da pia e olho aquele ser com cara de peixe morto. Faço duas perguntas: - como é que eu tempero você bichinho? Cadê Raimunda?
Três horas da tarde e finalmente chega aquela desalmada. -Dona, a fila estava enorme mas valeu a pena. Madame Crocodila é boa mesmo...
- Deixe essa crocodila pra depois e me ensine temperar essa tainha.
- Isso aí não é tainha Dona. É pescada e não ta com cara muito boa.
- Mas da pra temperar?
- Ah, pra temperar da. A senhora vai fazer ao molho, assim?
- Não! Assado.
- Aqui tem também uma receita de tainha assada. Agora é só fazer de conta que isso é tainha, que está ótima e rezar muito.
- Rezar por que?
- Olhe só a cara dele. Depois, tinha que estar temperado desde hoje cedo.
- Hoje cedo Raimunda? E porque não me disse?
- E a senhora avisou? Pensei que ia preparar aquele inhoque pré cozido.
- Me deixe a receita e por favor, de um jeito em toda a casa.
- Vou começar por seu quarto.
Começo ler e preparar. Sal a gosto. Pimenta a gosto. Caldo de um limão... Não tem, vai de laranja mesmo. Coentro. Manjericão.
-Raimunda cadê?
-Esses temperos acabaram faz é tempo.
Continuo: depois de temperado colocar ao forno com fogo brando, regado ao vinho branco. Faço tudo conforme o figurino. Prosseguindo a leitura: servir com arroz a grega e salada.
-Raimunda, você sabe preparar arroz a grega?
-Sei não dona Rita. Minha especialidade é arroz a carreteiro.Quer que eu prepare um com a sobra da carne de ontem?
-Está bem Raimunda. Prepare seu arroz e eu faço uma salada.
-Dona Rita, esse peixe ta com uma cara estranha. Um cheiro forte. E se o moço ficar com diarreia? Vai pegar mal viu! É o primeiro jantar dele aqui.
-É só colocar mais um copo de vinho branco, e ligar o forno.
-Dona Rita, é muito cedo!
-São quase sete horas. Deixe em fogo baixo que vai dar certinho o horário. Enquanto isso vou tomar um merecido banho. Preciso relaxar um pouco.
Passa-se uns quarenta minutos e Raimunda me chama. - Dona Rita! Acho que a senhora deu muito vinho para o bicho, embebedou o coitado. Ele desmanchou inteiro.
Tive vontade de gritar. De jogar aquela meleca na parede. De esganar o dono da peixaria. De enforcar Raimunda que conseguia ficar tranquila numa hora como aquela.
Mas respirei fundo e contei até cem... Então tomei uma sábia decisão e agi na maior calma. Usei do telefone.
- Amor, o que você acha da gente jantar naquele lugarzinho romântico essa noite? Estava aqui finalizando nosso jantar mas lembrei daquelas musicas... Fiquei tão emocionada!
- Claro querida. As dez está bem para você?
- Está ótimo! Até mais.
-Raimunda, amanhã quero saber tudo sobre madame Crocodila. Vou jantar fora hoje.