Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O pastel do mercado

“Tem aí um surpresinha”? O pedido não se deu às cegas. Ele foi feito após minuciosa observação das opções oferecidas e dos ingredientes disponíveis. Não era um investimento de alto risco como comprar ações da Petrobras diante da divisão dos royalties. Estava mais para carta-de-crédito de banco. Nada que pudesse trazer uma congestão ou repulsas palatinas nos próximos desafios.
Era um pedido simples e provocativo: “tem aí um surpresinha?” Mas a senhora ao lado pesquisava freneticamente o cardápio pendurado e não encontrava a opção. Tinha tudo do trivial, pizza, bauru, frango com catupiry e carne. Não tinha, no entanto, nenhuma referência a combinação de sabores que associasse o nome surpresinha. E a surpresa, minha gente, sempre tem como substância uma pitada de curiosidade. Por isso, a senhora ao lado como nova investidora não resiste e indaga: “onde você viu essa opção”?

Não tem, minha senhora ao lado. A surpresinha é sempre jogos aleatórios previsíveis e pré-estabelecidos. Mera figura de linguagem. Tome por exemplo um joguinho de Loto fácil. Ou mega sena mesmo. O prêmio da surpresinha é sempre uma combinação possível de 15 números dentre 25 ou de seis dentre sessenta. Você pode não controlá-los. Mas pode supô-los. E acertá-los?

A atendente do carrinho de pastel do Solar do Rosário tentou. Ela “controla os números”. Topou a brincadeira com a sugestão de que só faria o alimento surpresa se o desafiador fosse desafiado também a identificar os ingredientes. Era essa a ideia desde o começo. Mais fácil de identificar do que se a fritura das ações foi determinada pela chuva na Índia, pelo protecionismo americano, pela especulação alemã ou por avaliação errada da consultoria brasileira.

E foi-se ponto a ponto, pedaço a pedaço, mordida depois de mordida descobrindo-se o “mercado do pastel”. Nele tinha frango, orégano, azeitona e queijo. Felizmente, a combinação surpresa não constava no cardápio. No mínimo era isso que se esperava, além do preço de R$1,50 previamente estabelecido. De óbvio ululante, assim como rendimento de poupança, apenas o café com leite do grão de saca desconhecido e da teta alheia. Sem esquecer a massa, que nem com a ajuda de inúmeras análises gráficas meu paladar é capaz de distinguir: vai farinha? A senhora ao lado deve saber...

Manolo Ramires
bloginparana.wordpress.com

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