Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

sábado, 10 de abril de 2010

Numa noite fria...



Sozinha no quarto, numa dessas aconchegantes noites geladas de Curitiba, ela tem um sobressalto. Precisa ver gente. Sente uma necessidade louca de contato humano. Pensa em sair.
- Mas já é tarde! Tá frio à beça!
- Deixa de ser boba, vai ficar morgando em casa por quê?
- Morgando, ora essa! Até parece.
- Morgando sim senhora! Parece uma tiazona encalhada, toda entrouxada dentro da casca. Com medo da vida.
- Ah! Me deixa. Eu tô bem assim.
- Está bem assim, uma ova. Eu que sei. Esquece queridinha quem é que passa as vinte e quatro horas do dia ouvindo a imensa ladainha de suas lamúrias?
- Lamúrias?
- Lamúrias, sim. E das mais irritantes.
- Tá bom. Mas ir pra onde? E fazer o que? Ninguém vai ser maluco o suficiente pra querer sair comigo nesse frio e a essa hora.
- Hum, sei não! Aposto que...
- Para! Não começa. Ele não...
- Ele não? Como assim, ele não?
- Ele não.
- Ah tá! Vai querer bancar a durona agora! Pra cima de mim. Ah! Vê se te enxerga criatura. Quem não te conhece que te compre. Pega logo este telefone e liga pra ele.
- Será?
- Lógico. Anda.
- Melhor não.
- Por que não?
- Ah! Sei lá.
- Deixa de frescura. Liga pro cara!
- Mas o que eu vou dizer? Não. Não vou ligar. Pronto. Tá decidido. Vou chamar uma pizza e ver um filme na TV.
- Liga pro cara!
- Ele vai achar que eu sou uma oferecida...
- Liga pro cara!
- E se ele...
- Liga logo pro cara!
Nisso, pela janela, vê um grande clarão seguido de um barulho aterrador. O forte trovão deixou a cidade às escuras.
Num impulso, passou a mão no telefone. Mudo. Sem sinal.
Tateia desesperadamente o quarto à procura do celular. Sem bateria.
- E agora?
- Agora, vira pro lado e vai dormir sua tonta! Arremata mordaz como um punhal, a voz impiedosa da sua consciência.

Por André Luís Fernandes Dutra – Em 08 de abril de 2010.

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