Blog dos participantes da Oficina Crônicas: entrevistas com o cotidiano do Setor de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba - 2010.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Identificação genérica


Crônicas Curitibanas

Curitiba tem dois tipos de curitibanos: os que nasceram aqui e os que gostariam de ter nascido nesta cidade. E, geralmente, os curitibanos genuínos não são tão curitibanos quanto os curitibocas. Isso ocorre porque os gestados na capital têm um olhar para o mundo. São cosmopolitas e aceitam com mais facilidade o “estrangeiro”, o gaúcho com seu chimarrão, o paulista com suas saudades, os catarinenses e mineiros que deixam suas mulheres e até nordestinos como eu. Ou seja, toda essa gente que não é curitibana nem curitiboca, pois traz convosco sua cultura e miscigenação.


O curitiboca é a pessoas nascida na região metropolitana ou o pé vermelho que simula ser da capital, inclusive falando leitê quentê, torcendo o nariz para paulistas e gaúchos e crendo que Curitiba é mais fria do que Paris. Gente como a mulher que encontrei no chaveiro/sapateiro. Ela estava a arrumar sua mala de viagem. E mal sabe ela que curitibano não conserta mala, compra outra. Já o curitiboca reforma e diz ser nova. Igualzinho a essa senhora que solicitava o serviço fiado ao sapateiro de Astorga. Ele que não é curitiboca, pois se orgulhava de sua pequena cidade. Diferente dela, ao se deparar com a vergonha duas vezes.


Na primeira, enquanto chorava desconto, fazia suas curitiboquices. “Sou preconceituosa. Não admito viadagem”. Ora, jamais um curitibano ia se expor assim, mesmo compartilhando dessa opinião. E ela seguiu informando a todos que um amigo de seu filho é gay e que sua prima é sapatão. “Deus não permite isso”, pregava enquanto o sapateiro, nem curitibano nem curitiboca, ria-se da declaração e rabiscava a ordem der pagamento.


“40 reais?”


“É o ofício que Deus me deu, senhora. Dele não se discorda. E olha que faço o preço de curitibano”.


Foi neste ponto que ela calou-se, mostrando sua segunda vergonha. Foi nesta observação que se engasgou brevemente e pigarreou:


- Sabe que fiquei uma semana soluçando quando descobri que não era Cu-ri-ti-ba-na.


Depois contou da decepção de nascer em Cornélio Procópio, diferente de suas três irmãs, invejáveis curitibanas, e de como escondia este pecado original. E, tendo desnudado a origem, partiu, no fiado, para voltar daqui uma semana, pegar e pagar a mala, espero, e viajar para Matinhos dizendo que ia para “Caiobá com sua mala da Cavezzale”.


É mesmo muito Curitiboca!


www.twitter.com/manoloramires

Manolo Ramires


3 comentários:

  1. Cara, curti muito a história. Leve, irônica na medida certa e capaz de nos fazer sentir parte da narrativa. Como mais um "estrangeiro", me vi contemplando o diálogo descrito.

    Abraço

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  2. Pois é, estrangeiros somos. Mais somos também um pouco curitibocas quando voltamos para nossa terra natal... ou não?

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  3. Como 'estrangeira', mas não curitiboca (penso eu!!!!)me senti parte de sua história, como sempre leve, divertida no ponto certo,impecável enfim...
    Saudades.

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